Acórdão nº 126/20.4GBILH.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-02

Data de Julgamento02 Novembro 2022
Número Acordão126/20.4GBILH.P1
Ano2022
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
RECURSO PENAL n.º 126/20.4GBILH.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjuntos: Jorge Langweg
Maria Dolores Sousa

Comarca: Aveiro
Tribunal: Ílhavo/Juízo de Competência Genérica-J2
Processo: Comum Singular n.º 126/20.4GBILH
***
Arguido/Recorrente: AA

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO

a) No âmbito dos autos supra referenciados, por sentença proferida e devidamente depositada[1] a 05 de Abril de 2022, foi o arguido AA, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos arts. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos).
b) Inconformado, o arguido AA interpôs recurso cuja motivação finalizou com as conclusões[2] que se transcrevem: (sem destaques/sublinhados)
I – O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente como autor material de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
II – O Tribunal "a quo" considerou provado que: “Acto contínuo, o arguido, em tom sério, grave e elevado, disse à ofendida “Eu acabo contigo, não tenho medo de ti, toma cuidado”.
III – Na formação da sua convicção, o tribunal teve apenas em consideração as declarações da testemunha, BB, uma vez que a testemunha, CC, não o presenciou.
IV – Ora das declarações da testemunha BB, as quais de acordo com a ata do registo de gravação 20220324103358_4124440_2870479, resulta que esta não pronunciou o vocábulo “toma cuidado”.
V – Assim, o facto foi incorretamente julgado como provado.
VI – O Ministério Público colocou-lhe a seguinte questão: “no posto de abastecimento havia mais condutores?
Tendo a testemunha BB respondido; “que havia muita gente” - 2 minutos e 55ss. “estava a bomba cheia” - 8 minutos e 04 segundos (sublinhado nosso)
VII – O Patrono colocou a seguinte questão à testemunha BB:
“se havia muita gente no posto de abastecimento porque não indicou nenhum condutor como testemunha”?
Tendo a testemunha respondido: “não conheciam o meu irmão de lado nenhum nem a mim - 11 minutos e 10 segundos”. (sublinhado nosso).
VIII - Das declarações prestadas pela testemunha, CC; em audiência de julgamento, no dia 24 de março, e que se encontram gravadas no ficheiro nº. 20220324104741_4124440_2870479, mais concretamente a minutos:
4.26 – "mandar bitaites um para o outro";
4.37 – "já estavam fora do carro";
5.39 – "estava a dizer para a deixar"
7.06 – "respondiam um para o outro";
8.06 – "a guerrearem-se entre aspas um para o outro"
8.59 – "estavam ambos enervados, ambos alterados";
9.09 – "medo propriamente dito não me pareceu";
9.18 – "medo não, estava nervosa";
(sublinhado nosso)
VIII – Assim, o Tribunal “a quo” devia ter julgado como não provado o vocábulo “toma cuidado” - facto 4, constante da sentença ora objeto de recurso, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº. 127º, bem como o disposto no artº. 355º nº.1º, ambos do CPP.
IX - Se o vocábulo “Toma cuidado” - facto 4, constante da sentença ora objeto de recurso, tivesse sido dado como não provado, o recorrente teria que ser absolvido.
X – Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade do facto 4 - “Toma cuidado”.
XI – Pelo que, é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
XII – O Tribunal ao condenar o réu, violou o princípio do “in dubio pro reo”, consagrado no n.º 2 do artº. 32º do CRP, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua aplicação.
XIII – A expressão “Eu acabo contigo, não tenho medo de ti, toma cuidado” não significa o anúncio de um mal futuro, como requer o tipo de crime de ameaça, p. e p., pelo art. 155º, nº. 1, al. a), com referência aos artigos 153º e 132, todos do C.P..
XIV – São elementos constitutivos do crime de ameaça: o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da sua vontade e que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e que esse anúncio seja adequado a provocar na pessoa a quem se dirige medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação” Ac. Da RC de 23-06-2020, Proc. 379/08.6PBVIS.C, in www.dgsi.pt.
XV - “Ameaça adequada é assim a ameaça que de acordo, com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado tendo em conta as suas caraterísticas, conhecidas pelo agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado, isto é, (…) o que é preciso é demonstrar uma intenção de causar medo ou intranquilidade ao ofendido, e que a promessa se revista de aspeto sério. Ou seja, que o agente dê a impressão de estar resolvido a praticar o facto” (Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª ed., 2º vol., Editora Rei dos Livros, 2000, pag, 306).
XVI - Admitindo por mera hipótese académica como provado o vocábulo “Toma cuidado” em que assentou a sentença objeto de recurso, entendemos que não se referia a um mal futuro traduzido no cometimento de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais.
XVII - O Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão datado de 09.05.2017 – Proc. Nº. 17/16.3PTHRT.L15 - Não integra o crime de ameaça agravada dizer-se ao ofendido “Vou-te tirar a farda. Isso não vai ficar assim. Tem cuidado comigo”.
XVIII - Pugnaram os Senhores Magistrados que” o sentido da declaração/mensagem não oferece dúvidas, outros há em que o sentido não é tão óbvio, o que exige uma atividade de interpretação que terá de obedecer às regras normais da interpretação que terá de obedecer às regras normais da interpretação de qualquer declaração proferida no âmbito de uma conversa ou exposição tem de se atender às palavras proferidas, tem de se considerar a vontade presumível do declarante, manifestada nessas palavras, e tem de se atender ao sentido que qualquer destinatário retiraria daquelas palavras, colocado que estivesse na posição do real destinatário (ver acórdão da Relação de Coimbra, de 28/09/2011, processo 2489/03.PCCBR.C1, www.dgsi.pt).
XIX - No mesmo acórdão foi dito que “mesmo que tenha sido essa a intenção do arguido, entendemos que não é líquido que o seu sentido seja, apenas, o anúncio de um crime contra a vida ou a integridade física. Quer isto dizer que o facto dado como provado é de tal modo vago e impreciso que não é forçoso entende-lo, a nosso ver, nos termos em que a sentença recorrida o entendeu. E embora esteja provado que as referidas expressões eram adequadas a produzir-lhe (ao agente policial) receio, medo e inquietação, o que alcançou”, temos que o facto na forma relatada na sentença, não atinge o patamar de idoneidade adequado ao seu enquadramento típico, uma vez que não é possível considerar como
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