Acórdão nº 1257/19.9T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Número Acordão1257/19.9T8PVZ.P1
Ano2022
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1257/19.9T8PVZ.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nestes autos intentados por AA contra os condóminos BB, CC, DD, EE, FF, foi formulado pedido de:

Declaração de nulidade ou de anulação da deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 8-06-2019, nos termos do artigo 286º, 1433º, 1 e 1438-A do C.C.,

A seu tempo, foi proferido despacho saneador que declarou cumprido o contraditório e julgou os RR parte ilegítima, com o fundamento de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador, com a consequente absolvição dos RR da instância (artigos 278º, nº 1, al. d), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. e), 578º, e 595º, nº 1, al. a), todos do Código de Processo Civil).

DESTE DESPACHO APELOU O AUTOR QUE LAVROU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

I – Nos presentes autos não foi cumprido o contraditório relativamente à ilegitimidade passiva dos réus.

II – Desde logo, porque o douto despacho do Mtº Juiz de 18/07/2021 é não só dúbio, como incorreto.

III – Dúbio, porque não identifica, com clareza, quem alegou ou vai alegar essa ilegitimidade, induzindo, por essa forma, o autor em erro, porque sempre pensou tratar-se de um equívoco do Mtº Juiz, já que nenhuma das partes (autor ou réus) invocou essa exceção nos seus articulados; incorreto, porque não refere nem explicita as razões e fundamentos dessa ilegitimidade e devia ter explicitado.

IV – Para que o autor pudesse exercer o contraditório sobre a ilegitimidade passiva dos réus, era-lhe necessário saber que factos ou questões de direito fundamentavam essa ilegitimidade, porque só perante isso (factos e questões de direito) podia apresentar os seus argumentos contrários.

(…)

VII – A nossa lei processual é muito clara ao estabelecer no artigo 591º/1, alínea b) do CPC que deve haver uma audiência prévia para “facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias”. Na questão em apreço o Mtº Juiz devia convocar essa audiência e não o fez, optando pelo douto despacho de 18/07/2021, dúbio e incorreto como se disse.

VIII – E também é muito clara a nossa lei substantiva ao referir que as ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra os condóminos que votaram favoravelmente tais deliberações e não contra o condomínio (artigo 1433º/ 6 do CC).

XII – Os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas são os sujeitos passivos das respetivas ações, tudo conforme muito bem decidiu o STJ no seu douto Acórdão de 6-11-2008, proc. nº 08B2784.
(…)

Não houve resposta.

Colhidos os vistos legais, nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso, conforme artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil (CPC).

Em consonância, e atentas as conclusões da recorrente, as questões a decidir são as seguintes.

1-Saber se houve violação do princípio do contraditório (i) em face do conteúdo do despacho proferido com essa finalidade; (ii) por não ter sido designada audiência previa em obediência ao disposto no artigo 591º/1 alínea c) do CPC.
2-Saber se os RR condóminos que votaram favoravelmente a deliberação anulanda, são parte legítima na ação de impugnação da deliberação votada.

O MÉRITO DO RECURSO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se por reproduzida a factualidade constante do despacho recorrido.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


A VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO PRÉVIO À DECISÃO:

Findos os articulados, foi proferido (para cumprimento do contraditório) o seguinte despacho:

Ao abrigo do disposto no artigo 3 do CPC notifique as partes para exercerem o contraditório sobre a ilegitimidade passiva dos RR na presente ação que tem por objeto a impugnação de deliberação de assembleia de condóminos

Vem o recorrente sustentar que este despacho não cumpre o contraditório porque não é claro; é dúbio, não possibilitando por isso uma correta interpretação da questão em causa para a decisão, pelo que não pode emitir a sua pronúncia.

I CONHECENDO:

I.1. O princípio do contraditório, inserto na garantia constitucional de acesso ao direito consagrada no artigo 20º do diploma fundamental, possui íntima ligação com o princípio da isonomia e o direito de ação. Implica a necessidade de dar conhecimento às partes da existência da ação e de todos os atos processuais. Afirma a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis, possibilitando-lhes que, antes de ser proferida uma decisão, apresentem as suas razões e se defendam, facultando-lhes o direito de apresentarem os seus meios de prova, contraditarem as provas apresentadas e de consulta dos processos. Assegura o acesso ao conteúdo das decisões e o direito ao recurso.

Hodiernamente, no princípio do contraditório inclui-se o princípio da ampla defesa. Tem a sua aplicação em todos os ramos de direito e aos procedimentos administrativos.

O contraditório afirmado nas reformas recentes ao Código de Processo Civil (inspiradas no direito alemão ZPO § 139) reconhece às partes um papel mais incidente e influente no processo, de forma colaboradora, no que reside o seu fundamento atual. Constitui um pilar essencial do Estado de Direito Democrático e constitui-se como uma verdadeira garantia do direito fundamental dos cidadãos consagrada no artigo 20º da C.R.P.

I.2. Donde que, se possa afirmar que o contraditório nas suas mais recentes formulações, é formal, substancial e cooperativo. Estabelece o dever funcional do juiz cooperar com os mandatários e as partes para o bom andamento do processo e por modo a que se alcance o melhor resultado. Estende-se para lá da isonomia e materializa-se nas quatro dimensões (i)o dever de esclarecimento (o juiz solicita o esclarecimento de alegações de facto ambíguas ou incompletas), (ii) o dever de prevenção (o juiz convida as partes ao suprimento de insuficiências da alegação de todos os factos relevantes com o interesse para a causa), (iii) o dever de auxílio (o juiz fixa com as partes o sentido dos conceitos e direito por elas utilizados, determinando divergências que possam levar à necessidade de alegar os factos que neles se subsumem), (iv) o dever de consulta às partes (o juiz dá a conhecer às partes e discute com elas as possibilidades de solução do pleito, quer no plano da apreciação da prova, quer no direito a aplicar, prevenindo as “decisões-surpresa” e convida as partes a suprir exceções suscetíveis de sanação (artigos 3º , 7º e 417º do CPC).

I.3. A questão colocada no recurso é a do contraditório na vertente do “dever de prévia consulta às partes”, mesmo nas questões de conhecimento oficioso, pelo que, só deste segmento do contraditório nos ocuparemos.

Este dever de prévia consulta às partes decorre da impossibilidade do juiz conhecer e decidir qualquer matéria, mesmo oficiosamente, sem antes permitir aos intervenientes processuais que se manifestem a esse respeito, afastando definitivamente as “decisões surpresa”. Está impresso no artigo 3º nº3, CPC: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.”
Não estamos a discutir a mitigação do contraditório consignada na norma quando ressalva “o caso de manifesta desnecessidade”, pelo que também não iremos discorrer sobre este segmento normativo.

I.4. A nossa apreciação resume-se ao concreto conteúdo do contraditório na vertente analisada, ou seja, “qual a informação que deve ser prestada à parte para que a mesma se pronuncie no despacho respetivo”.

Há, pois, que responder à questão de saber se cumpre o contraditório o despacho que contém uma informação genérica sobre a questão de direito a aplicar, ou antes, se impõe uma informação individualizada fundamentada e completa sobre o thema decidendi.

Vejamos.

I.5 O contraditório, neste segmento de evitar as “decisões surpresa”, incide sobre a questão decidenda, esgotando-se no seu perímetro. Não se destina à comunicação exaustiva dos respetivos fundamentos. Estes serão posteriormente desenvolvidos em sede de substanciação do julgado.

Quer dizer, o contraditório, enquanto garantia das partes de exercício do seu efetivo direito de pronúncia ou intervenção processual, fica assegurado se no despacho judicial, com esta finalidade, são indicadas quais as concretas questões que o juiz se propõe conhecer.

1.6 No despacho judicial sub iudice fez-se constar que o contraditório era sobre a “ilegitimidade passiva dos RR na presente ação que tem por objeto a impugnação de deliberação de assembleia de condóminos.”
Está cabalmente identificada e fora de qualquer dúvida, portanto, de modo claro e inteligível, a questão que o juiz se propõe a decidir: “ilegitimidade passiva dos RR” (…) trata-se de uma questão de conhecimento oficioso (artigo 577º, alínea e) e 578º do CPC), sendo, por isso, irrelevante que os RR a não tenham suscitado.

O Recorrente, ao tomar conhecimento do teor do despacho em causa, não podia deixar de perspetivar como solução a dar pelo tribunal “a ilegitimidade dos RR”. Ficou, por consequência, habilitado a tomar uma posição expressa em relação a esta matéria.

Sem prejuízo, se como o Recorrente vem sustentar, não entendeu a finalidade do despacho, que lhe pareceu dúbio, o mesmo tinha ao seu dispor a arguição de obscuridade, suscitando a sua sanação. Com efeito, ocorrendo a ininteligibilidade do
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