Acórdão nº 1250/20.9T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-16

Ano2023
Número Acordão1250/20.9T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)

Apelação 1250/20.9T8GRD.C1.

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva.


*****

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I- AA, residente na Avenida ..., ..., ..., ..., veio intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A...”, com sede na Avenida ..., ..., pedindo que a sanção disciplinar aplicada pela ré à autora seja declarada ilícita, com a sua consequente anulação, e por via disso, que a ré seja condenada a retirar tal sanção do registo disciplinar da autora e a indemnizar a autora pelo prejuízo patrimonial causado com a sua execução, no valor de €1.838,88, assim como que a ré seja condenada a pagar à autora uma indemnização pela aplicação de sanção abusiva no valor de €18.388,80, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Mais requer, à cautela, e caso se venham a considerar provados quaisquer factos susceptíveis de integrar algum dos ilícitos disciplinares imputados pela ré à autora, que a sanção aplicada seja reduzida em face do princípio da proporcionalidade, ou substituída por outra que se ajuste à prova produzida.

Alegou para tanto, e em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi admitida ao serviço da ré para exercer as funções de técnica auxiliar de serviço social, tendo sido notificada em 14.09.2020 da nota de culpa remetida pela ré, tendo respondido à mesma em 25.09.2020, após o que foi notificada da decisão final, em 09.10.2020, nos termos da qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias.

Mais alegou que a sanção aplicada é abusiva, atenta a sua natureza persecutória, razão pela qual deverá a autora ser indemnizada, num valor que computa em €9.194,40, devendo ainda ser a ré condenada a pagar-lhe o prejuízo patrimonial sofrido, no valor de €919,44, sendo que, à cautela, e no caso de se provarem os ilícitos disciplinares imputados pela ré à autora, deverá a sanção disciplinar aplicada ser reduzida ou substituída por outra.


+

Frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes foi a ré notificada para contestar.

Foi ainda proferido despacho a determinar a apensação aos presentes autos do Proc. n.º 1434/20.....


+

A ré deduziu contestação (em ambos os processos), impugnando, na sua maioria, os factos alegados pela autora, mais referindo, em síntese, que devem ser mantidas as sanções disciplinares aplicadas e que os pedidos formulados pela autora deverão ser julgados improcedentes por não provados.

***

II – Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, fixou-se o valor da causa, o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, tendo-se procedido à reformulação do objecto do litígio e dos temas da prova.

No prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, decidindo-se declarar ilícitas as sanções disciplinares aplicadas à autora AA (suspensão com perda de retribuição e antiguidade equivalente a 60 e 30 dias, respectivamente) e, consequentemente:

a) Condenar a ré A... a:

- Pagar à autora a quantia total de 1.838,88, correspondente ao período de suspensão de 60 dias;

- Pagar à autora a quantia total de 919,44, correspondente ao período de suspensão de 30 dias;

- Repor os dias de suspensão para efeito de antiguidade da autora;

- Sobre estas quantias acrescem juros à taxa de 4%, desde a data do vencimento das prestações em causa, até efectivo e integral pagamento.

b) Absolver a ré do demais peticionado pela autora.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela a ré veio apelar, alegando e concluindo:

1. A sanção disciplinar de 60 dias de suspensão por ter chamado no local e em horário de trabalho à colega “puta de merda” e “puta do caralho” não é excessiva, sobretudo quando tais expressões integram o crime de injúrias, de que poderia resultar despedimento com justa causa, e não ficou provada qualquer circunstância atenuante ou justificação para esse comportamento.

2. Embora o tribunal possa apreciar a legalidade da sanção aplicada, está-lhe vedado interferir, a não ser em casos flagrantes, com o poder disciplinar da empregadora e na medida das penas que esta aplica.

3. A sanção disciplinar de 30 dias de suspensão por ter faltado ao trabalho sem justificação nos dias 28, 29 e 30 de Julho de 2020, desculpada pelo tribunal por a autora, em 21 de Julho de 2020, ter avisado a directora técnica de que, “com muita probabilidade a baixa” que terminaria a 27 de Julho lhe seria prorrogada, não chega para cumprir o dever de comunicação da falta, uma vez que se não provou que a directora técnica tivesse responsabilidades na elaboração de horários ou que a informação de que a autora poderia faltar tivesse chegado ao conhecimento da direcção da ré.

4. Não ficou demonstrado que a autora tenha efectivamente cumprido as sanções disciplinares que lhe foram aplicadas, não podendo ser a ré condenada a pagar à autora a retribuição que esta deixou de auferir, se não se demonstrou que deixou de auferir as retribuições correspondentes aos períodos de suspensão.

5. Violou a douta sentença recorrida os artigos 118.º, 253.º e 351.º do Código do Trabalho.

Termos em que deverá ser revogada a douta sentença, sendo confirmadas as sanções disciplinares objecto deste recurso e sendo, em qualquer caso, absolvida a ré da condenação no pagamento das indemnizações.


+

Também a autora, inconformada, veio apelar alegando e concluindo:

I- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos, e datada de 09.10.2022, na parte em que a mesma deu como provados os factos alegados pela ré/recorrida relativos à infracção disciplinar relacionada com a colega da autora/recorrente, BB, e bem assim, na parte em que o tribunal o quo considerou que as sanções disciplinares aplicadas, apesar de ilícitas, não eram abusivas, absolvendo a ré/recorrida das respectivas indemnizações peticionadas.

II- A recorrente julga que foram incorrectamente julgados, pelo tribunal a quo, os seguintes pontos da matéria de facto:

1) Considera a recorrente que, na sentença recorrida, jamais deveria ter sido julgado provado o facto 8), que dá por verificado o seguinte: “No dia 14 de Maio de 2020, a hora não concretamente apurada, mas após as 18h00, depois de a autora ter despejado uma panela de sopa numa sanita situada na casa-de-banho dos utentes, ao lado da cozinha, a funcionária da ré, BB, que ali passava, disse para a autora “ai agora deita-se sopa na sanita”, após o que a autora lhe disse “cala a boca, sua puta de merda e puta do caralho”.

2) Considera a recorrente que, na sentença recorrida, não devia também ter sido julgado provado o facto 9), que dá por verificado o seguinte: Interpelada pela funcionária da ré, BB, sobre o que tinha acabado de dizer, a autora disse: agora já me podem despedir, tendo, na sequência do ocorrido, sido confrontada nesse mesmo dia, pelo Presidente da Direcção da ré sobre o sucedido.

3) Relativamente aos factos provados, considera ainda a recorrente que, na sentença recorrida, não devia ter sido considerado provado o facto 10), que dá por verificado o seguinte: A autora, ao proceder da forma descrita em 8), violou os deveres de respeito, probidade e urbanidade que são devidos tanto à colega de trabalho da autora, BB, como à ré.

4) Por seu turno, relativamente aos factos considerados pelo tribunal a quo como não provados, entende a recorrente que o facto constante sob a alínea d) deveria ter sido considerado provado, nos termos seguintes: “Foi na sequência da remessa pela autora, no dia 06.06.2020, para a Autoridade para as Condições do Trabalho ..., de uma participação dos factos de que tem vindo a ser vítima por parte do Presidente da Direcção da ré, que a ré decidiu instaurar os dois processos disciplinares contra a autora.

5) Deveria ainda ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea e) dos factos não provados, nos termos seguintes: De entre tais factos, melhor descritos na referida participação, contam-se situações em o Presidente da Direcção da ré, reiteradamente, ofende a dignidade da autora, faz com que o local de trabalho constitua para si um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, o que muito a tem afectado emocional e psicologicamente e fez com que, desde o dia .../.../2020 até ao dia 10.09.2020, estivesse de baixa médica.

6) Deveria também ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea f) dos factos não provados, nos termos seguintes: Neste âmbito, considerou o Presidente da Direcção da ré que a autora o teria prejudicado com o seu depoimento, e a partir dessa altura retirou-lhe as funções de coordenação que desempenhava no Departamento de Saúde e Bem-estar, com a consequente perda no seu salário do respectivo subsídio de coordenação, no valor de 30,00 euros.

7) Por fim, considera a recorrente que deveria ter sido considerado como provado o facto constante na sentença sob a alínea g) dos factos não provados, nos termos seguintes: “A ré, com a instauração do processo disciplinar à autora, pretendeu assumir uma postura de retaliação face ao exercício, pela autora, dos seus direitos.

III- Estes são os concretos pontos de facto que a recorrente considera como incorrectamente julgados, e para sustentar esta posição, passemos à análise dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, nomeadamente, as concretas passagens dos depoimentos e declarações reproduzidos em sede de audiência de discussão e julgamento das testemunhas e legal representante da recorrida (concretas passagens essas, distribuídas de acordo com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT