Acórdão nº 1249/16.0T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 15-01-2022

Data de Julgamento15 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão1249/16.0T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA)




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Declarada a insolvência de A., foi, por despacho de 24 de maio de 2016, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, fixando o valor necessário para o sustento da insolvente em um salário mínimo nacional e a obrigação de ceder ao fiduciário o rendimento disponível que a insolvente viesse a auferir.

Nesse mesmo despacho, foi ainda decretado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, nos termos do artigo 230º, nº1, al. d), do CIRE, dando início ao período de cinco anos da cessão.

A 16 de junho de 20121, o Fiduciário vem apresentar o “Relatório Anual Fiduciário – 240º/2 CIRE”, informando que terminado o período de cessão de rendimentos e não resultando qualquer entrega por parte da insolvente, não poderá ser ressarcido do montante das suas despesas com o processo e remuneração pelo exercício das suas funções, pelo que requer a fixação e posterior liquidação pelo IGFIJ a quantia de 300 €/ano, acrescida de IVA; mais considerando que a insolvente não está a cumprir com as obrigações que lhe estão adstritas, nomeadamente do art. 239º, 4, al. c), deverá ser notificada para esclarecer os motivos que levaram ao referido incumprimento.

Junta informação fixando o valor do incumprimento em 12.756,00 €, acompanhada das comunicações efetuadas à devedora e mapa de pagamentos referentes aos anos de 2016 a 2012.

Notificada de tal requerimento, bem como para os efeitos previstos no artigo 244º do CIRE, a insolvente vem pronunciar-se no sentido de se encontrarem reunidos os pressupostos para a concessão da exoneração do passivo restante:

não percebe as razões pelas quais não foram levados a cabo contactos ou elaboração de relatórios anuais, vindo agora a ser surpreendida por um relatório relativo a todo o período de cessão (5 anos ou 60 meses) e com um valor em dívida que manifestamente não consegue liquidar;

entre setembro de 2016 e Maio de 2021 o processo não foi tramitado, sendo que, assim que foi contactada para o efeito, em junho de 2021, denotou máxima preocupação, tendo remetido todos os recibos bem como as declarações de IRS, da mesma forma que manteve ocupação laboral adequada e informou também da mudança de morada;

como não mais recebeu qualquer contacto e o tempo foi passando e com despesas acrescidas no combate à pandemia (máscaras, luvas, álcool gel, etc.), não tem condições objetivas de liquidar tal quantia;

a sua situação económico financeira não lhe permitiu efetuar pagamentos sem colocar em causa a sua própria subsistência;

havendo alguns meses em que não atingiu tal retribuição mínima (Abril, Maio e novembro de 2020) em que não atingiu tal retribuição mínima, terá de haver abatimento de tal diferença, não sendo as contas apenas de somar.

Foi proferido Despacho a decidir não conceder a exoneração do passivo restante à insolvente.


*

Inconformada com tal decisão, a Insolvente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
(…)
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se é de alterar a decisão recorrida que negou a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, pela seguinte ordem de razões:
a. Existência de culpa grave – concorrência de culpas por parte do Fiduciário, do Ministério Público e do Tribunal.
b. Inconstitucionalidade dos artigos 241º, nº1 e 244º, nº2, do CIRE.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O artigo 235º do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas)[1] atribui ao devedor que seja uma pessoa singular a possibilidade de lhe vir a ser concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Ou seja, em linguagem comum, como afirma Assunção Cristas, “apurados os créditos da insolvência e uma vez esgotada a massa insolvente sem que tenha conseguido satisfazer totalmente ou a totalidade dos credores, o devedor pessoa singular fica vinculado ao pagamento aos credores durante cinco anos, findos os quais, cumpridos certos requisitos, pode ser exonerado pelo juiz do cumprimento do remanescente[2]”.
Trata-se, assim, de uma “versão bastante mitigada”[3] do modelo do fresh start, na medida em que, a seguir à liquidação, decorre um “período probatório” de cinco anos, durante o qual o devedor deverá afetar o seu rendimento disponível ao pagamento das dívidas aos credores que não foram integralmente satisfeitas no processo de insolvência. Só depois de decorrido tal período e se a sua conduta tiver sido exemplar, poderá o devedor requerer a exoneração, obtendo, assim, o remanescente não pago.
Como consta do Preâmbulo não publicado do Decreto-Lei que aprova o Código da Insolvência[4], “A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o credor permaneça, durante um período de cinco anos – designado período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume entre várias outras obrigações a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (…), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, e tendo o devedor adoptado um comportamento liso para com os credores, cumprindo todos os deveres que sob ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor de eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento”.
Tratando-se de um benefício concedido pelo legislador, o devedor terá de se esforçar por merecer a concessão do mesmo – perdão total das dívidas não integralmente satisfeitas – e aquela dependerá da efetiva cedência do “rendimento disponível”, tal como se acha definido no nº3 do art. 239º do CIRE, durante o período de cinco anos posterior ao encerramento do processo de insolvência.
A concessão de tal benefício surge como a contrapartida do sacrifício do devedor que, durante o período de cessão se encontra sujeito, entre outras, à obrigação de “exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado” e à obrigação de “entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão” – als. b) e c), do nº4 do art. 239º.
Expostos os motivos e objetivos que subjazem à consagração de tal instituto, passemos à análise da concreta questão objeto do presente recurso, respeitante à determinação sobre se o comportamento da insolvente, ao longo do tempo recorrido desde o início do período da cessão, justifica a concessão ou não da exoneração do passivo restante.
Dispõe o artigo 244º do CIRE, sobre a “Decisão final da exoneração”:
1. Não tendo havido lugar à cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.
2. A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
Remetendo o nº2 de tal norma para os fundamentos e requisitos previstos para a cessação antecipada, dispõe a tal respeito o artigo 243º do CIRE, que a exoneração deve ser recusada, nomeadamente, quando “o devedor tiver dolosamente ou com grave negligencia, violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência”.
O despacho recorrido veio a negar a exoneração do passivo restante, por violação do dever de cessão do rendimento disponível, com base nas seguintes considerações:
“(…) Quanto às obrigações previstas no artigo 239.º cuja violação está em causa no presente incidente a obrigação do devedor em entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos rendimentos objeto de cessão [alínea c) do n.º 4].
Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º que a violação das obrigações impostas pelo artigo 239.º constituirá fundamento da recusa da exoneração do passivo restante quando tal violação for imputável aos devedores título de dolo ou de negligência grave e quando a violação prejudicar a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
A violação será imputável a título dolo quando o devedor não cumprir as
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