Acórdão nº 12349/21.4T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Ano2022
Número Acordão12349/21.4T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
“C.., S.A” , (…) veio requerer, nos termos do artigo 377.º e seguintes do Código de Processo Civil, providência cautelar especificada de restituição provisória da posse contra “A…, S.A.”, (…), alegando, para tanto, e em síntese, que:
- A requerente celebrou com a requerida a 17 de setembro de 2015, um contrato de utilização de loja em centro comercial, nos termos do qual aquela lhe cedeu onerosamente a utilização da loja n.º 0.104 com área de 94 m2, sita no piso 0 do centro comercial, à data, denominado (…), destinada à atividade comercial de venda ao público de pronto a vestir de homem e mulher e respetivos acessórios de moda;
- O contrato foi celebrado pelo período de 6 anos, com início a 1 de outubro de 2015 e termo a 30 de setembro de 2021, conforme a cláusula 5ª do documento apresentado sob o nº 1 com o requerimento inicial;
- Em 19 de abril de 2021 a requerente foi surpreendida com a oficialização, pela requerida, da resolução do contrato, tendo a mesma comunicado em 10 de maio de 2021 que iria vedar e reassumir a loja a partir das 0h30 do dia 11 de maio, o que fez, durante a noite, entaipando a loja contra a vontade e a capacidade de resistência da requerente, que, assim, impedida de utilizar o estabelecimento comercial foi ofendida na sua posse, traduzindo a atuação da requerida uma evidente ação direta proibida por lei.
Termina, pedindo cumulativamente:
i. Que seja julgada procedente a presente providência cautelar especificada de restituição provisória da posse, julgada e decretada, sem que haja lugar à audição da requerida, a restituição imediata da posse e a detenção da loja e do seu estabelecimento comercial, nela instalado;
ii. Seja ordenado à requerida que se abstenham de praticar quaisquer atos que impeçam, dificultem ou limitem a normal utilização da loja, e exploração do estabelecimento comercial nela instalado pela requerente.
iii. Seja decretada nula, pelo menos em sede de providência cautelar, a cláusula 17ª do contrato de utilização de loja em Centro Comercial (…);
iv. Seja determinada aplicação de uma sanção pecuniária compulsória à requerida no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) por cada dia de atraso na restituição da posse e detenção da loja e/ou estabelecimento comercial nela instalado, à requerente, contados da data em que forem citadas ou notificadas da decisão judicial que ordene a providência e a mencionada restituição;
v. Seja decretada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória à requerida por cada ato que pratiquem que impeça, dificulte ou limite a normal utilização da loja bem como a normal exploração do estabelecimento comercial pela requerente, instalada na referida loja depois de terem sido citadas ou notificadas da decisão judicial que lhe ordene que se abstenham de praticar tais atos.
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Produzida a prova indicada pela requerente sem audião da requerida, foi proferida decisão final, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal decide julgar parcialmente procedente, por provado, o procedimento cautelar de restituição provisória da posse proposto por C…, S.A. contra A…, S.A. e, em consequência:
1- Ordena a restituição provisória da posse à requerente da loja n.º 0.104 com área de 94 m2, sita no piso 0 do centro comercial atualmente denominado (…),
2- Condena a requerida a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam, dificultem ou limitem a normal utilização da loja e exploração do estabelecimento comercial nela instalado pela requerente.
Ao cumprimento da diligência poderá aplicar-se, se necessário, o disposto no artigo 757.º, n. º2 e 3 do CPC.
Após a investidura da requerente na posse, notifique o(s) requerido(s) nos termos do artigo 366.º, n. º6, 370.º e 372.º do Código de Processo Civil.
Custas pela requerente – artigo 539.º do CPC.
Notifique.”
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“A…, S.A”, deduziu oportunamente oposição, alegando, em síntese, que:
- Procedeu à resolução do contrato face ao crédito significativo que detinha sobre a requerente e que esta não revelava vontade de reduzir, extinguindo por essa via a relação contratual que tinham estabelecido;
- A requerente não procedeu à entrega das chaves na sequência de solicitação que lhe foi dirigida, e a requerida apenas colocou um tapume amovível na loja, em tudo igual aos que habitualmente são colocados aquando de remodelações ou alterações, não tendo impedido a requerente de aceder ao seu interior, tendo esta vindo a deixar a loja totalmente devoluta de pessoas e bens em 22 de julho de 2021;
- A decisão proferida acarreta a possibilidade de a requerente poder voltar a exercer a sua atividade, numa loja cujo direito de utilização já não dispunha (fruto da resolução contratual legitimamente operada), fazendo com que o seu proprietário se veja privado da loja, do seu rendimento e da gestão do espaço comercial de forma integrada, como é legitimo que o faça;
- Podendo ainda suceder que a requerente continue a utilizar a loja ainda para além do prazo original constante do próprio contrato de utilização, que termina no dia 30 de setembro de 2021.
Conclui, pedindo seja revogada a decisão proferida, ordenando-se a entrega da loja à proprietária.
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Designada data para inquirição das testemunhas indicadas pela requerida, não veio a mesma a verificar-se, por ter sido proferida decisão no decorrer da audiência convidando as partes a pronunciarem-se sobre a possível ocorrência de caducidade do contrato de locação no qual foi fundada a aparência de posse da requerente, com impacto na manutenção da sua posse relativamente à loja identificada nos autos, a determinar uma eventual extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com o levantamento da providência decretada.
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As partes pronunciaram-se nos autos sobre a possibilidade de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com oposição da requerente, após o que foi proferida a seguinte decisão:
Nos presentes autos de restituição provisória da posse foi, por decisão de fls. 191 e ss. decreta essa mesma restituição da loja 0.104, sita no piso 0 do Centro Comercial actualmente denominado (…).
Esta restituição foi decretada tendo por fundamento de facto e de direito, entre outros, a existência da posse por parte da requerente baseada no contrato de instalação de lojista em centro comercial e na constatação jurídica de que nos termos do art. 1031.º, no 2, do CC “o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultado ao possuidor nos art.s 1276.º e ss.”.
Concluiu assim a decisão dos autos no sentido que “o lojista pode utilizar os meios de defesa da posse sobre o local onde exerça a sua actividade, mesmo contra o proprietário ou promotor do Centro Comercial.
Entendeu-se também ser de conferir à requerente a tutela da posse por “a manutenção do contrato (por força da resolução operada pela requerida) ser controvertida entre as partes…”.
Acontece à presente data o contrato se encontra extinto por caducidade, independentemente da licitude ou ilicitude da resolução do contrato – e consequências da mesma resultante.
Dos factos provados constantes da sentença de fls. 190 dos autos resulta, no ponto 4, que “O contrato foi celebrado pelo período de 6 anos o qual teve início a 1 de Outubro de 2015 e tem termo a 30 de Setembro de 2021”. Desse mesmo contrato e da mesma cláusula de onde consta o prazo de duração do contrato consta ainda que “2. O contrato caduca no seu termo. As partes poderão, no entanto, por mútuo acordo, celebrar novo contrato nos termos e condições a acordar entre ambas”.
Ou seja, está prevista a caducidade automática e afastada a renovação automática do contrato, uma vez que se prevê a necessidade de acordo para a celebração de um novo contrato e dos seus termos e condições.
Quer-se com isto dizer que se, à data da decisão de restituição provisória da posse, existia um contrato cuja vigência ainda era válida (ainda que de forma controvertida atenta a resolução operada pela requerida), neste momento inexiste qualquer contrato válido que confira à requerida um direito de uso do estabelecimento e, consequentemente a sua posse.
E nem se diga que o que confere a posse à requerente é a sentença, porque a sentença se limitou a reconhecer essa posse com base na vigência temporal de um contrato susceptível de conferir esta tutela possessória à requerente.
Mesmo que na presente oposição ou na acção principal se viesse a reconhecer de forma provisória ou definitiva, respectivamente, a invalidade da resolução contratual operada pela requerida, ainda assim o contrato estaria extinto por caducidade à data de 30 de Setembro de 2021, deixando a requerente de ter título para reter e ocupar o referido espaço.
Não está por isso em causa a licitude ou ilicitude da resolução a qual apenas relevava até à data de extinção do contrato por qualquer outra forma contratualmente prevista.
Está em causa, isso sim, a extinção do contrato automática por decurso do prazo nele previsto.
Não poderia nunca o Tribunal manter a restituição de uma posse, baseada num contrato extinto por motivo diverso – e não controvertido – daquele que constituiu uma das causas de pedir do presente procedimento.
É assim entendimento do Tribunal que se verifica uma inutilidade superveniente da presente instância cautelar, que determina a extinção da instância.
Como é óbvio não obsta esta decisão do Tribunal à eventual pertinência da acção principal e da aferição da ilicitude da resolução, na perspetiva da baliza temporal até dia 30 de Setembro de 2021. E diz-se “eventual” porque se desconhece os termos do segmento petitório dessa mesma acção, podendo os pedidos formulados com base na resolução terem perfeito cabimento legal, para o caso de ali se reconhecer que a resolução contratual com base no incumprimento foi
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