Acórdão nº 1230/21.7T8CVL.1.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 11-10-2022

Data de Julgamento11 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1230/21.7T8CVL.1.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., Unipessoal, Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou os presentes autos de execução de sentença contra

T..., Unipessoal, Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

invocando que:

a) Em autos de procedimento cautelar, foi condenada a aqui Executada a restituir à aqui Exequente 44.741 kgs. de aço [o referido em 11) da matéria de facto indiciariamente provada], no prazo de 15 dias após trânsito em julgado da respetiva decisão, em data a indicar pela Exequente à Executada, mediante comunicação escrita, sendo ainda condenadas as partes em custas, na proporção de 1/2 para cada uma;

b) A Exequente remeteu à Executada a respetiva nota de custas de parte, no valor de € 918,00, a qual ainda não procedeu ao pagamento;

c) A Exequente interpelou por escrito a Executada para a devolução do referido aço, o que esta não acatou;

d) Assim, a execução tem duas finalidades diversas: a entrega de coisa certa (44.741 kgs. de aço) e o pagamento de quantia certa (custas de parte);

e) Nos termos do disposto no nº 5 do art.º 626.º do NCPCiv., e para a eventualidade de não se encontrar o aço, devem ser penhorados bens suficientes para garantir a quantia decorrente da eventual conversão da entrega de coisa certa em pagamento de coisa certa, devendo considerar-se que o valor daquele aço ascende a € 60.847,76.

A Executada deduziu oposição ao incidente de liquidação apresentado pela contraparte [no âmbito do requerido na al.ª e) antecedente], defendendo-se, desde logo, mediante a «exceção perentória inominada de ausência de título executivo o que determina a absolvição total do pedido» (cfr. fls. 41 destes autos de recurso em separado em formato de papel).

Para tanto, invocou a caducidade da sentença judicial provisória proferida no âmbito dos ditos autos de procedimento cautelar, por falta de instauração da ação principal, aquela de que dependia a providência, nos termos do disposto no art.º 373.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv..

Na sequência, por decisão datada de 07/07/2022 (ref. ...54), foi considerado que:

- «nos autos de providência cautelar foi, entretanto, proferida decisão, já transitada em julgado, a declarar caducada a providencia cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 373º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil e, consequentemente, a determinar levantamento da providência e a extinção do procedimento cautelar, atendendo a que não foi intentada a ação principal»;

- «A providência cautelar tem feição provisória ou interina, suprindo temporariamente a falta da providência final. Pela sua própria natureza e pelas condições em que é decretada, a providência cautelar tem uma vida necessariamente limitada», termos em que, «tendo sido determinada a caducidade da providência cautelar (…) e, consequentemente, o levantamento da providência e a extinção do procedimento cautelar, a presente execução deixou de ter título que a legitime».

Por isso, foi ali fixado o seguinte dispositivo:

«(…) ao abrigo do disposto no artigo 849º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil, declara-se extinta a presente ação executiva.».

Inconformada com o assim decidido, vem a Exequente interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([1]):

«1. A Apelante foi notificada da sentença proferida nos presentes autos, datada de 07/07/2022, que determinou a extinção da instância executiva e por não se conformar com a decisão ali contida e sua fundamentação, interpõe o presente recurso.

2. Discorda-se, inter alia, do segmento decisório que sustenta: “Assim, tendo sido determinada a caducidade da providência cautelar a que estes autos correm por apenso e, consequentemente, o levantamento da providência e a extinção do procedimento cautelar, a presente execução deixou de ter título que a legitime.” […]

3. A decisão que determina a redução de uma providência cautelar previamente e sem audição da requerida, decretada, não está sujeita à regra da provisoriedade intrínseca da decisão que determina a sua procedência.

4. Os critérios que determinam e moldam os arts. 372.º e 373.º do CPC são substancialmente diferentes, o contraditório previsto no referido art. 372.º uma extensão do princípio da igualdade de partes prevista no art. 4.º do CPC.

5. Por decisão de 05/01/2022, confirmada por douto Acórdão de 17/03/2022, foi a providência cautelar reduzida, sendo a aqui Apelada condenada a devolver 44.741,00 Kg do aço referido em 11) da matéria de facto indiciariamente provada, em 15 dias após trânsito em julgado.

6. Igualmente, foi a Apelada condenada em matéria de custas, tendo, pelo iter processual adequado sido apresentada a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.

7. Após interpelada para o efeito, a aqui Apelada não procedeu à entrega do aço, nem ao pagamento do valor do mesmo, nem das custas de parte.

8. Munida de sentença condenatória transitada em julgado a Apelante apresentou em juízo acção executiva tendente a cobrar o montante de custas de parte, bem como a reaver a quantidade de aço a que, nos termos da sentença proferida, foi a Apelada condenada a entregar à Apelante.

9. Na sede da Apelada não foram encontrados os bens (aço) em questão, como contactado o legal representante da Executada foi esclarecido o seguinte: “Presente na sede da executada e após contacto telefónico com o Sr. Eng.º AA, legal representante da executada, o mesmo informou que não pode vir ao nosso encontro porque se está a deslocar para Lisboa. Mais informou relativamente ao aço em questão que o mesmo já não existe e para procedermos como entendêssemos.” […] – cfr. termo lavrado pela Sra. Agente de Execução, já junto aos autos.

10. A Apelada requereu a conversão da execução para entrega de coisa certa em pagamento para quantia certa, suscitando, da mesma forma, o incidente tendente a obter a liquidação do valor dos referidos bens (aço).

11. Ardilosamente, ou nem tanto, a Apelada não deu entrada da acção principal, o que fez expressamente saber aos autos requerendo a caducidade da providência cautelar em 27/05/2022.

12. Em 08/06/2022 foi proferida sentença onde foi determinado o levantamento da providência cautelar e a extinção do procedimento cautelar nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 373.º do CPC.

13. Por sua vez em 07/07/2022 foi proferida decisão que determinou a extinção da instância executiva por inexistência de título executivo, por via da referida caducidade da providência cautelar.

14. A decisão dada como título executivo foi a decisão que determinou a redução da providência cautelar inicialmente determinada sem contraditório prévio da Apelante.

15. A Apelante em sede de contraditório, exercido nos termos do art. 372.º do CPC, logrou obter a redução da providência cautelar, tendo a referida decisão ordenado expressamente à Apelada a devolução dos bens (aço) que lhe foram entregues na sequência da providência decretada e de que a Apelada indevidamente se apoderou.

16. A decisão de redução da providência cautelar, para mais confirmada por douto Acórdão desta Relação, não tem a característica de provisoriedade da decisão que determina a procedência da providência cautelar.

17. Tal decisão não tem (não pode ter sob pena de perder qualquer efeito útil) a sua eficácia dependente de uma qualquer acção principal a intentar pela Apelada.

18. O entendimento da decisão recorrida veta de inutilidade o contraditório que deve ser assegurado à providência determinada sem contraditório prévio.

19. Não se compreendendo, na linha do entendimento da decisão recorrida, de que serviria, afinal, a sentença que determinasse a revogação ou a redução da providência após o contraditório da Requerida.

20. Compreendidas assim as coisas de nada valeria o contraditório previsto no art. 372.º do CPC, uma vez que a decisão inicial seria letra morta caso a Requerente da providência não desse entrada à acção principal. Para isso bastaria deixar caducar a providência cautelar, como foi o caso dos autos.

21. Não temos dúvidas que a decisão que decreta a providência tem natureza provisória, ainda que dotada de executoriedade.

22. No entanto, tal provisoriedade somente sucede quanto ao que foi decretado pela providência cautelar.

23. Mas não é dessa decisão que aqui se trata.

24. O que aqui tratamos é da decisão que reduziu a providência inicialmente determinada, é essa a decisão que consubstancia o título executivo que deverá subsistir, independentemente do desfecho da própria providência.

25. O entendimento subscrito pela decisão recorrida põe em crise o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes estatuídos nos arts. 3.º, 4.º e 372.º do CPC.

26. Tal posição coloca uma das partes como dominus do processo, privilegiando aquele que obtém, sem contraditório, um benefício do qual não tem Direito.

27. Seria, no fundo, a prevalência da forma sobre a substância!

28. A título académico, mas ilustrativo da presente situação, no entendimento perfilhado pela decisão recorrida, caso a referida decisão proferida tivesse condenado a Apelada em litigância de má-fé, também a não apresentação em juízo da acção principal abalaria os efeitos de tal decisão, deixando a mesma, também neste segmento, de ser título executivo.

...

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