Acórdão nº 1229/22.6T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-24

Ano2023
Número Acordão1229/22.6T9STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório
No âmbito dos autos de recurso de contraordenacão com o nº1229/22.6T9STR, no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Santarém, Juiz 2, por sentença de 18 de janeiro de 2023, foi decidido:
1. julgar improcedentes as nulidades da decisão administrativa invocadas pela recorrente.
2. Condenar a recorrente AA, Lda., pela prática da contraordenação prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE.
3. Negar provimento ao recurso da recorrente, quanto à pretensão de ver substituído o montante da coima por admoestação.
4. Atenuar, no entanto especialmente a coima, e consequentemente, condenar a recorrente pela prática da contraordenação referida em 2, numa coima que se fixa em €425,00 ( quatrocentos e vinte e cinco euros) – cf. art.º 23.º, n.º 4 do RJCE.
*
Inconformada com o assim decidido, recorreu AA, Lda, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1- O novel RJCE não pode impedir a admissibilidade de um recurso como o presente.
2- Por um lado, porque o cit. RJCE não está autorizado a ultrapassar os limites do RGCO e é, por isso, orgânica e formalmente inconstitucional à luz da 2ª parte da alínea d) do nº1 do art.165º da Lei Fundamental.
3- E, por outro lado, porque do próprio RGCO consta norma própria ou específica que permite a aceitação de um recurso “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” (cfr., nele, o nº2 do art.73º)
4- Uma das hipóteses assim claramente abrangidas é a que se verifica nos autos. A necessidade de evitar a aplicação de uma lei inconstitucional, ex vi dos arts.18º, nº1, 32º, nº10, e 204º da Constituição.
5- Em síntese: a alínea a) do nº1 do art.75º do RJCE não está habilitada – em lei de autorização legislativa com previsão específica (cf. o nº2 do cit. Art.165º da Constituição) – para ultrapassar a alínea a) do nº1 do art.73º do RGCO.
6- Ora, não desconhecendo embora o caráter genérico e global ou abrangente de previsões do RGCO tais como a do seu art.51º - que, essa sim, teria obstado à admissibilidade do recurso ao menos na hipótese da alínea a) do nº1 do art.73º do RGCO,
7- terá de ser a partir do seu próprio contexto – marcado, no que toca à responsabilidade de uma pessoa coletiva, pela relação entre RGCO e Código Penal ex vi do art.32º do primeiro – que se poderá ajuizar a necessidade de não confundir a forma de culpa “negligência” com uma mera presunção de culpa.
8- A negligência tem de ser provada com base nos critérios legais que, no caso, e por isso que se trata de uma pessoa coletiva, impõem a relação entre definições gerais e normas próprias (arts.15º e 11º do Código Penal, aplicáveis por força da remissão contida no cit. Art.32º do RGCO).
9- E o que vem facticamente assente da 1ª instância é incompatível com essa prova: quem representava a pessoa coletiva não tinha a informação necessária e, logo que a teve, corrigiu a questão administrativa em falta e tudo isso sem qualquer prejuízo nem qualquer queixa.
10- Ao que tudo acresceria, se necessário fosse, a inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade de investigações aleatórias sem complemento probatório.
Termos em que e termos por que se espera e pede de V.Exas., Venerandos/as Desembargadores/as, que decreteis o arquivamento dos autos quer por inconstitucionalidade orgânica e formal do RJCE, quer por impossibilidade de fundar uma imputação subjetiva “contraordenacional” numa mera presunção de culpa. Porque o que se Vos pede é JUSTIÇA!
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Em 24.02.2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Referência 9429328: Na sequência do recurso apresentado, foi a recorrente notificada para efetuar o pagamento de uma multa, pela prática de tal ato no 2.º dia útil seguinte ao termo do prazo, nos termos do art.º 107.º A do CPP. – referências 92400672 e 92400684. Por requerimento de 13.02.2022 veio a recorrente reclamar, no que respeita ao pagamento da multa processual, alegando que, por ser uma norma especial, tem aplicação o disposto no art.º 73.º, n.º 1 do RGCO, que determina que o inicio do prazo de interposição de recurso se conta da notificação ao arguido, não do depósito de sentença, previsto na norma geral do art.º 411.º, n.º 1 alínea b) do CPP. Nestes termos requer a anulação da multa de que foi notificada. Apreciando: A propósito do regime de recurso, o art.º 74.º do RGCO prevê que: “ 1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.” Contrariamente ao sufragado pela recorrente, entendemos que, o inicio do prazo para a apresentação do recurso, no caso concreto, ocorre com o depósito da sentença na secretaria, após a sua leitura, exatamente em conformidade com a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 74.º do RGCO. As contraordenações têm um regime especifico e diversamente do que sucede em processo penal não se exige que o arguido esteja acompanhado de advogado e se o juiz não considerar necessária a sua presença em julgamento pode este não comparecer nem se fazer representar na mesma por advogado – cf. artigo 67º do RGCO. Posto isto, o art.º 74.º, n.º 1, quando faz depender o inicio do prazo de recurso, também “da (…) notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”, visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado por advogado no ato em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo, como ocorrerá na hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido ou eventualmente até do seu Advogado. Sobre esta questão e neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência. A titulo de exemplo, no Acórdão da Relação do Porto, processo n.º 56/22.5Y9PRT.P1, datado de 28.09.2022, disponível www.dgsi.pt, no qual diga-se, é feita menção a diversos Acórdãos que seguem também este entendimento, escreve-se que: “ Sendo, pois, de 10 dias o prazo do recurso, há então que determinar a partir de quando ele começa a correr. Na busca da solução para esta questão, sempre se deverá ter em atenção que, mesmo nos casos não regulamentados, o regime processual que resulta do C.P.P. não pode ser importado, sem mais, para o processo de contraordenação, desde logo porque não há identidade entre os princípios que regem os processos desta natureza e os processos de natureza criminal, encontrando-se a razão de ser das diferenças na menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos respetivos regimes processuais. No que respeita ao “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contraordenação, vem a jurisprudência, que reputamos maioritária, defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido. (sublinhado nosso) Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05”.” Pela sua relevância transcrevemos também o que a propósito consta exatamente neste Acórdão do Tribunal Constitucional, correspondente ao Processo n.º 149/04, 2.ª Secção, Relator: Paulo Mota Pinto: “tendo o arguido em processo contraordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contraordenação, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada - e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contraordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído.”
Ainda e a este propósito, o Professor Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, Lisboa 2011, pág. 307, diz expressamente que “Sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura de sentença, o prazo para recorrer conta-se a partir da data da leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão do TC nº 77/2005).”
Regressando ao caso concreto, importa considerar que, a recorrente se encontra, desde o inicio, representada por
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