Acórdão nº 1228/22.8SILSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-23

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão1228/22.8SILSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACÓRDÃO proferido na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



Nos presentes autos veio o arguido o Ministério Público recorrer da sentença proferida no dia 29 de setembro de 2022, através da qual se julgou improcedente a acusação pública e se absolveu o arguido A da prática em autoria material e na forma consumada de um crime de condução em estado embriaguez previsto e punido no artigo 292° n° 1 do Código Penal.

Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:

I.–DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA PARA A DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO TOMADA (ART. 410.° N.° 2 AL. A) DO CPP): Tendo em consideração os únicos factos dados como provados consideramos existir insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada.
II.–Conforme vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, veja-se no Acórdão de 13.1.1999 (proc. n.° 1126/98) citado in "Recursos Penais" de Manuel Simas Santos e Manuel Leal- Henriques tal insuficiência existe quando se faça uma "formulação incorrecta de um juízo" em que "a conclusão extravasa as premissas".
III.– Ora, se o tribunal a quo tivesse ficado convencido da versão do arguido, de que não solicitou a contraprova através de exame de sangue e que tal lhe não foi facultado, tinha que fazer constar dos factos dados como provados tais factos alegados pelo arguido e pela sua defesa. No entanto, o tribunal a quo não o fez, dando antes como bom o resultado obtido através de aparelho de pesquisa de sangue devidamente certificado.
IV.–Não pôs o tribunal em causa o valor, a taxa de álcool no sangue que o arguido tinha naquela data e àquela hora, após ter conduzido viatura em via pública.
V.–Não deu o tribunal como provado que não foram cumpridos todos os procedimentos legais que se impunham aos agentes de autoridade pondo assim em causa os direitos de defesa do arguido e, efectivamente, pondo em causa a própria taxa de álcool que o arguido teria no sangue visto que não lhe havia sido garantida a contraprova.
VI.–Tendo em conta que o tribunal a quo não deu como provada a factualidade acima descrita e face aos factos dados como descritos, em sentido contrário da decisão tomada, consideramos que existe a carência de factos dados como provados que permitam concluir pela ausência de elemento subjectivo do tipo de crime.
VII.–O tribunal não deu como provada a versão apresentada pelo arguido, sendo que se o tivesse feito poderia tê-lo absolvido do crime que lhe foi imputado.
VIII.–Acresce que sempre carecia para a decisão tomada dar-se como provado que o arguido não sabia que estava a conduzir veículo em via pública após ingestão de bebidas alcoólicas e, ainda, que ao conduzir dessa forma tinha cumprido com todos os deveres de cuidado e prudência, não violando qualquer dever. Factos que o arguido nem sequer enunciou dado que reconheceu ter bebido, pelo menos um uísque, antes de iniciar a condução, ter conduzido veículo automóvel na Rua descrita na acusação até ter sido abordado e fiscalizado pelos agentes de autoridade.
IX.–Conclui-se, assim, que a matéria de facto dada como assente (provada e não provada) não é suficiente para fundamentar a solução de direito tomada pelo tribunal na sua sentença.
X.–DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE OS FACTOS E ENTRE OS FACTOS E A FUNDAMENTAÇÃO - ARTIGO 410.º N.º 2 AL. B) DO CPP: Da análise dos factos dados como provados e não provados resulta evidente contradição, contradição essa que se revela insanável e inultrapassável.
XI.–Tendo ficado demonstrado que o arguido no dia, hora e local (via pública) procedeu à condução de veículo automóvel devidamente identificado, após ter ingerido, prévia e voluntariamente, bebidas alcoólicas, bem sabendo que o tinha feito, como é que se pode dar como não provado, em simultâneo, que não sabia que tais bebidas seriam idóneas a determinar uma taxa de álcool superior ao permitido e que ainda assim quis conduzir, bem sabendo não estar em condições de o fazer.
XII.–O próprio arguido assumiu a prática dos factos embora não de forma plena por invocar ter transmitido a um dos agentes o desejo de contraprova por exame de sangue e tal pretensão não ter sido realizada.
XIII.–Tendo o tribunal dado como bom o resultado alcançado pelo teste de álcool efectuado ao arguido e o facto de o mesmo saber que tinha consumido bebidas alcoólicas, antes de conduzir, ter conduzido e tê-lo querido fazer, como o próprio admitiu, não permitia que o tribunal desse como provado os factos relativos ao elemento subjectivo do tipo (dolo ou negligência).
XIV.–Na verdade, o dolo in casu extrai-se, necessariamente, da verificação dos factos que foram dados como provados e que integram os elementos objectivos do tipo de crime previsto no artigo 292.° n.° 1 do C. Penal.
XV.–Verifica-se, então, o vício da decisão, neste ponto.
XVI.–Mas verifica-se ainda tal contradição com a própria fundamentação e a decisão tomada porque o tribunal valorou toda a prova constante dos autos - talão, verificação do aparelho, CRC do arguido - afirmou ainda não dar como provada a versão do arguido que poderia estar a desculpabilizar-se e, após tal fundamentação dá como não provado o elemento subjectivo do tipo de crime, sendo que o próprio arguido não o pôs em causa. Afirmou apenas o arguido, como é habitual neste tipo de processos e julgamentos e consentâneo com as regras da experiência comum e da normalidade, desconhecer a efectiva taxa de álcool no sangue naquele momento, estranhando um resultado tão elevado por apenas ter bebido uma bebida (em concreto um uísque).
XVII.–A prova decorrente do teste de alcoolemia não sendo prova pericial é prova tabelada que não pode ser afastada sem mais pelo tribunal e é de conhecimento geral e corrente que a taxa de álcool no organismo de cada pessoa, a sua presença no sangue, depende de inúmeros factores, não controláveis (na maioria das vezes) pelos próprios consumidores.
XVIII.–Como tal não se compreende o percurso lógico, o raciocínio que esteve na base da decisão do tribunal a quo que ao admitir a prova tabelar não admite a vontade e o conhecimento da prática do crime pelo arguido apenas porque não ficou convencido nem satisfeito com os depoimentos dos agentes de autoridade, fazendo funcionar a dúvida sobre o comportamento adequado e dentro dos procedimentos dos agentes a favor do arguido, dando como provada a total ausência de dolo, em todas as suas modalidades, e sem sequer perspectivar a prática negligente do crime pelo arguido.
XIX.–Verificamos também o vício da contradição decorrente do próprio teor da sentença, também quanto ao confronto entre os factos dados como provados, não provados, fundamentação e decisão alcançada.
XX.–DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (ARTIGO 41Q.g N.g 2 AL. C) DO CPP): O "erro notório na apreciação da prova" constitui, segundo a jurisprudência, uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos dados como provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbritária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. É uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova perceptível pelo homem comum, por exemplo como quando se retira de factos dados como provados conclusões logicamente inaceitáveis.
XXI.–O erro notório é uma desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência comum, como decidir-se contra o que se provou ou não provou ou ter-se dado como provado o que não podia ter acontecido.
XXII.–Ora, in casu temos que decidiu-se precisamente contra o que se provou.
XXIII.–Face aos factos dados como provados necessariamente ter-se-ia que dar também como provado o dolo da acção do arguido. Aliás o arguido é o primeiro a admitir a totalidade dos factos, excepto o conhecimento concreto da TAS que tinha no momento, sendo que tal não lhe era exigido e nem era, naquelas circunstâncias, possível de conhecer.
XXIV.–Com a prova toda que foi admitida, valorada e aceite pelo tribunal tinha o arguido que ser condenado pela prática do crime, podendo se pressupor que o próprio arguido enquanto cidadão médio e comum, possa ter ficado surpreendido pela decisão tomada.
XXV.–Mais, o M. P. não consegue acompanhar o raciocínio que esteva na base da decisão dado que não admite a versão do arguido como boa, dá como provado tudo quanto aos elementos objectivos do crime e afirma estar perante uma dúvida que funciona a favor do arguido sendo que não se vislumbra que dúvida seja essa e porque se afigura insanável.
XXVI.–O tribunal duvidou sim e não valorou os depoimentos dos agentes da PSP que estiveram em juízo, no entanto não retirou depois as devidas consequências invalidando a prova tabelar do teste de álcool, devidamente certificado por quem de direito, e dando então como não provados a própria taxa de álcool no sangue do arguido.
XXVII.–A decisão a ser tomada, levando em consideração os factos dados como provados, as declarações dos arguidos e a prova documental e tabelar aceites pelo tribunal impunham decisão diversa, ou seja a condenação do arguido pela prática do crime.
XXVIII.–Não se compreendendo e crendo que os demais também não compreendam o percurso lógico da fundamentação da sentença e a decisão final tomada consideramos existir patente, flagrante erro na apreciação da prova por parte do tribunal recorrido.
XXIX.–DO ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO/ERRO DE JULGAMENTO (VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 412.° n.g 2 ALS. B) E C) E 127DO CPP E 292N.° 1 DO CP): Nos presente autos ficou demonstrado que o arguido A no passado dia 28.8.2022, pelas 06:05, conduziu o veículo automóvel, melhor id. nos autos, em via pública, em Lisboa, quando foi fiscalizado pela PSP.
XXXI.–À data apresentava, pelo menos, uma taxa de 1.362 gramas de álcool
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