Acórdão nº 1227/14.3TBPBL-Q.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão1227/14.3TBPBL-Q.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO)
Adjuntos: Moreira do Carmo
Carlos Moreira


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(…)

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 20.10.2023, AA interpôs o presente procedimento cautelar comum contra BB, e Outros - “todos exequentes nos autos e neles melhor identificados” (sic) -, pedindo que seja decretada “a suspensão da presente execução até que seja proferida sentença na ação (declarativa) para mudança da servidão e a consequente extinção da servidão em referência”.

Alegou, em síntese: corre termos execução para prestação de facto, que consiste na demolição de um muro e pilares que ocupam parcialmente o leito da serventia dos prédios dos exequentes; em 17.10.2022, intentou contra os exequentes ação de processo comum na qual pede a mudança da servidão e consequente extinção da mesma; naquela ação ainda não foi proferida sentença; a prossecução da execução vaza de qualquer utilidade a sentença que venha a ser proferida na ação para mudança de servidão e acarreta prejuízo para o requerente, superior ao proveito que resulta para os requeridos, que em nada ficam prejudicados (não estando impedidos de aceder às suas propriedades) com a suspensão da execução até prolação daquela sentença cível.

Observado o contraditório (sobre o eventual indeferimento liminar), a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo[1], a 17.11.2023, indeferiu, liminarmente, o presente procedimento cautelar.

Dizendo-se inconformado, o requerente apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Por sentença de 18/10/1993 proferida nos autos de ação declarativa com processo sumário distribuída com o n.º 99/91 no 1º Juízo do extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., entendendo que a requerida servidão era absolutamente necessária para acesso dos prédios dominantes, foram o recorrente e a sua esposa (entretanto falecida) condenados, além do mais, a reconhecer que o seu prédio se encontrava onerado com uma servidão de passagem em benefício dos prédios dos autores e, ainda, a demolir o muro e pilares que edificaram sobre o leito da serventia em causa de forma a apresentarem-na totalmente livre e desimpedida.

2ª - Não tendo o recorrente dado voluntariamente cumprimento ao decidido, viu instaurado contra si procedimento executivo na forma de execução para prestação de facto mais tarde convertido em execução para pagamento de quantia certa que pende termos.

3ª - Tendo, desde a data da prolação dessa sentença e até hoje, ou seja, durante mais de 30 anos, sido operado diversas e significativas modificações nas confinâncias e na morfologia dos prédios dos autores e dos réus deixando, na decorrência, essa serventia de ser utilizada por desnecessidade, deu o recorrente a conhecer esta factualidade no processo, requerendo a extinção da servidão de que, na sua ótica, poderia resultar também a extinção da instância executiva, vindo a Mm.ª Juiz da causa, por despacho de 04/5/2022 a dizer que “o requerimento em apreciação não é o meio processual idóneo a alcançar tal desiderato ”.

4ª - Procurando contornar essa dificuldade, propôs o recorrente contra os exequentes uma ação declarativa com processo comum que corre trâmites no Juízo Local Cível ... com o n.º 1257/22.... onde peticionou, com base nos factos supra relatados, a extinção da servidão e porque, se esse procedimento fosse julgado procedente, ocorreria a inutilidade da lide executiva, requereu também a suspensão da instância até que houvesse decisão de mérito definitiva na ação declarativa, tendo também requerido a prestação de caução.

5ª - Por despacho de 17/11/2022 viria a Mm.ª Juiz a indeferir as requeridas suspensão da instância e a prestação da caução com o fundamento de que o Assento do STJ de 24/5/1960 (segundo o qual “a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão, quando não provém de um título com força executiva, decorre de um direito já declarado. Por isso, não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na primeira parte do artigo 284º”) mantinha a sua vigência porquanto a ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial.

6ª - É lamentável que, previamente à apreciação da factualidade invocada pelo recorrente e, por maioria de razão, à prolação do despacho então proferido, o juiz não tivesse dado cumprimento ao princípio do contraditório com a audição da contraparte para se pronunciar sobre a eventual desnecessidade da servidão (limitando-se a contraparte a “responder” a uma questão diversa sem qualquer expressa notificação para o efeito).

7ª - O dispositivo do art.º 272º, n.º 1 do CPC, (“O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”), concedia ao Juiz o poder de ordenar a suspensão da instância (declarativa ou executiva, não se distingue) quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, ou seja, quando estiver pendente uma causa prejudicial e, portanto, se a decisão que vier a ser proferida na ação declarativa for suscetível de destruir ou modificar os pressupostos em que se suportou a executiva, atendendo também à razão de ser da suspensão (“a economia e a coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentam entre si uma especial relação de conexão”),

8ª - no sentido de obstaculizar a que se consumem as consequências da condenação, mais concretamente, a ordenada demolição de um muro e de alguns pilares que ocupam parcialmente o leito da serventia constituída (para mais com a probabilidade de terem de vir a ser, depois, reconstruídos), intentou procedimento cautelar comum que, ainda sem a conclusão da prestação coerciva dos factos da execução, permitisse prolatar sentença no processo onde havia sido requerida a extinção dessa servidão na medida em que se encontravam preenchidos os requisitos para o decretamento dessa providência.

9ª - A decisão de indeferimento foi fundamentada no facto de com a propositura da referida ação declarativa se pretendeu pôr em crise direitos que tinham já sido reconhecidos no primitivo procedimento com base no que foi requerida a suspensão da instância executiva e também de acordo com o despacho de 17/11/2022, a ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial.

10ª - A questão do decretamento da providência cautelar para suspensão da execução até ao trânsito em julgado da ação declarativa entretanto proposta deve procurar-se na instância onde se desenvolve a relação material controvertida jurídica e saber se essa relação, apesar das alterações operadas, se mantém a mesma ou diferente em resultado de tais alterações - in casu importa indagar se, por força dessas modificações nos prédios a servidão ajuizada se tornou desnecessária pelo que a questão a decidir tem, assim, não só natureza processual mas também material:

11ª - processualmente, se a instância se mantiver a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir de harmonia com o dispositivo do art.º 260º do mesmo diploma, obviamente que não faz sentido pôr em crise a relação material existente;

12ª - mas, releva também a relação material, uma vez que a constituição da mencionada servidão por usucapião e a sua declaração por sentença pressupôs a existência de determinados requisitos factuais, especialmente, uma situação de “encrave” relativamente ao prédio dos exequentes que, por isso, necessitava, para sua normal fruição dessa servidão.

13ª - A factualidade agora invocada pelo recorrente, mais especificamente, a construção, entre os prédios, de uma larga praceta pavimentada onde desemboca a ajuizada serventia dos exequentes com saídas por estrada alcatroadas, para sul e para norte tem por objetivo comprovar a atual inexistência dos requisitos processuais e materiais que foram considerados necessários à constituição da servidão. Por isso, requereu a sua extinção dada a sua desnecessidade superveniente.

14ª - Portanto, a questão em análise tem a ver com o sentido normativo da necessidade ou não das servidões constituídas por usucapião, designadamente, quando é que se tornam desnecessárias para o prédio dominante de molde a justificar que o titular do prédio serviente requeira a sua extinção. A resposta resulta diretamente do art.º 1569º, n.º 2, do Código Civil (CC).

15ª - Não faz sentido o segmento do relatório em apreciação dizer que é pretensão do requerente postergar uma decisão já proferida e transitada em julgado, que reconheceu a existência de um direito aos exequentes/requeridos, em função de uma decisão a proferir; o que foi pedido ao tribunal foi que se pronunciasse sobre se subsistem ou não os pressupostos que determinaram a constituição da servidão ajuizada e se esses pressupostos não existissem, na previsão do dispositivo do n.º 2 do art.º 1569º do CC, devia a servidão ser declarada extinta, mantendo-se incólumes e intangíveis, até essa declaração, os direitos dos proprietários dos prédios dominantes.

16ª - Inexiste qualquer irregularidade ou heresia: quando se pugna pela suspensão de um procedimento executivo que visa dar cumprimento a uma decisão transitada em julgado indagando-se se existem ainda razões para que essa decisão transitada continue a produzir os seus efeitos normais, legais e lógicos ou se, por força das modificações operadas, ao longo do tempo, na relação material em que se suportou, as consequências da decisão devem subsistir.

17ª - A decisão em recurso entendeu - erradamente - que, com a propositura da providência cautelar, se pretendeu obter a suspensão da execução por fundamento de mérito fora dos casos admitidos em sede de oposição à execução o que não tem enquadramento nos pressupostos do art.º 362º do Código de Processo Civil (CPC), o que foi determinante do seu indeferimento.

18ª - Ora, já no domínio do anterior CPC se admitia a possibilidade de deduzir providência cautelar como incidente de ação...

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