Acórdão nº 1219/16.8T8GRD-E.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 18-01-2022

Data de Julgamento18 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão1219/16.8T8GRD-E.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA - JUIZ 2)






Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Opoente, em 8.6.2021, deduziu oposição à penhora efectuada sobre o imóvel sua propriedade, alegando, em síntese:
- A Opoente foi notificada, em 26.5.2021 da decisão da Sra. Agente de Execução que atribuiu à venda do imóvel que se encontra penhorado nos presentes autos e é propriedade da aqui Oponente, o valor base de € 65.000,00 sendo o valor mínimo de venda de € 55.250,00.
- Tendo em consideração tal decisão e venda, e em especial o valor base fixado ao imóvel, entende a Oponente que se encontram verificados os pressupostos que lhe permitem solicitar a V. Exa. a reapreciação da desproporcionalidade e adequação da penhora efectuada nos autos, o que faz nos termos do artigo 784.º do C.P.C. e 728.º n.º 2 do mesmo código, este aplicado por analogia.
- De facto, entende a Oponente que a dedução da presente oposição é legítima e tempestiva tendo em consideração a decisão quanto à venda do imóvel penhorado nos presentes autos e de que agora foi notificada, sendo matéria superveniente que justifica o recurso ao presente incidente.
- A presente execução tem como fundamento em contrato de mútuo, na qual a Executada se constituiu fiadora e principal pagadora de um crédito concedido a A. , seu irmão.
- O imóvel penhorado é sua propriedade e encontra-se onerado com duas hipotecas a favor do Banco D. , para garantia do pagamento do capital mutuado de num total de € 73.000,00, com o montante máximo de € 88.631,81, hipotecas registadas em 12.8.2010.
- Efectuada a penhora do imóvel o Banco D. reclamou créditos sobre a opoente no montante global de € 59.273,59.
- Na data da penhora a opoente não se encontrava em mora com o credor reclamante, só tendo este reclamado os créditos em virtude da penhora efectuada sobre o imóvel em causa.
- O valor patrimonial do imóvel é de € 34.090.00 e a Opoente continua a pagar as prestações ao credor hipotecário, encontrando-se em dívida a quantia de € 54.645,58.
- Da venda do imóvel não advirá qualquer benefício para a Exequente, uma vez que é perfeitamente previsível que o produto da venda do bem penhorado não chegará, em qualquer caso, para pagar, sequer, ao credor hipotecário, considerando o valor das despesas do processo que, no mínimo, atingirão € 12.343,86, o que torna a penhora, ilícita, por violação dos princípios da adequação e proporcionalidade devendo ser ordenado o seu levantamento.

O requerimento apresentado foi objecto da seguinte decisão:
Pelo exposto, nos termos dos artigos 785º/1 e 2 e 732º/1-a) e b) do Código de Processo Civil, por ter sido deduzida fora do prazo legal e os fundamentos não se enquadrarem nos legalmente previstos, o tribunal indefere liminarmente a oposição à penhora.

*

A Executada interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. O Presente recurso é interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou inadmissível o incidente de oposição à penhora por si deduzido, sendo de apelação nos termos do artigo nos termos do artigo 852.º e seguintes e alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º todos do CPC.
B. A penhora cujo levantamento se pretende é a registada a favor da Recorrida/Exequente e efetuada sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo 604 e descrito na conservatória do registo predial de Setúbal sob o n.º 5377, propriedade da Recorrente, prédio este sobre o qual se mostram registadas em data anterior à da penhora duas hipotecas a favor do Banco D. ;
C. A penhora sobre o prédio propriedade da Recorrente foi efetuada na sequência do incumprimento de um contrato de mútuo no qual a Recorrente figura como fiadora.
D. O banco D. reclamou créditos nos presentes autos, sendo que à data da apresentação da oposição que motiva o presente recurso o valor em dívida pela aqui Recorrente ascendia por conta dos mútuos garantidos por hipoteca registadas sobre o imóvel penhorado neste autos o valor global de 59.273,59 € (cinquenta e nove mil duzentos e setenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos) (cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial), sendo que a Recorrente continua a cumprir os mútuos celebrados com o D. os quais não se encontram em incumprimento.
E. O primeiro incidente de oposição à penhora foi julgado improcedente, sendo que em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi proferido acórdão no qual se determinou que “Em abstrato, quando se verifique que a venda de um imóvel habitacional do fiador não aproveitará de forma alguma ao credor exequente, reverendo integralmente para pagamento do crédito reclamado pelo credor privilegiado, não está afastada a intervenção dos princípios da proporcionalidade e da adequação para determinar o levantamento da penhora que tenha incidido sobre prédio habitacional do executado. Porém, para que tal solução possa ser considerada, é necessário que os autos demonstrem com segurança, para além da preferência do crédito reclamado por terceiro sobre o crédito exequendo, que o produto da venda do imóvel penhorado ao fiador reverterá exclusivamente para o credor reclamante, sem qualquer proveito para o exequente”.
F. A Sra. Agente de Execução fixou o valor de venda do imóvel em causa em 65.000,00 € (sessenta e cinco mil euros) com um valor mínimo de 55.250,00 € (cinquenta e cinco mil duzentos e cinquenta euros), decisão que se considera notificada à recorrente, na pessoa do aqui signatário, a 28 de Maio de 2021.
G. Da venda do imóvel pelos montantes em causa nenhuma quantia será entregue ao credor/Exequente nestes autos uma vez que o montante da venda será totalmente entregue ao credor hipotecário e servirá, além do mais, para pagar os honorários da Sra. Agente de Execução;
H. A penhora e a efetivação da venda em nada satisfazem os interesses da presente execução porquanto da venda do imóvel e com o pagamento das despesas e honorários da Sra. Agente de Execução decorrentes de tal venda, nenhum montante sobejará para a Exequente.
I. A douta sentença a quo entendeu que o presente recurso não é admissível porquanto é intempestivo porque não apresentado no prazo previsto no artigo 785.º n.º1 do C.P.C.
J. Dispõe o artigo 20.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa que:
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
E o artigo 2.º do Código de Processo Civil que:
“1 - A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
2 - A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”
K. A Recorrente apresentou oposição à execução com os fundamentos que infra se analisarão, os quais considera que apenas se verificaram após a prolação da decisão que fixou o valor da venda do imóvel cuja penhora se tem por ilegal, decisão que foi notificada à Recorrente a 28.05.2021.
L. Pese embora o artigo 785.º n.º 1 do Código de Processo Civil fixe o prazo de 10 dias após o ato da penhora para apresentação da correspondente oposição, temos que o facto de não se encontrar expressamente previsto a possibilidade da dedução de tal incidente com fundamento em factos supervenientes não pode estar afastada.
M. Se os factos em que se baseia a oposição à penhora apenas se verificaram já após decorridos os 10 dias contados da notificação do próprio ato, a impossibilidade de apresentar oposição com base em tais factos constituiria um verdadeiro entrave à tutela jurisdicional e á apreciação judicial da pretensão do Executado ou seja, verificando-se que só a partir de determinado momento se pode lançar mão de determinado meio de reação legal, a impossibilidade de reação criaria um verdadeiro entrave à Justiça, entrave esse violador do supra citado preceito constitucional e do princípio vertido no artigo 2.º do Código de Processo Civil.
N. A douta sentença recorrida viola os mencionados preceitos constitucionais e legais ao não admitir a dedução da oposição com base em fundamentos supervenientes uma vez que determinado que a admissão da oposição à penhora com base em factos que ocorreram mais de 10 dias após a notificação da penhora é um imperativo legal e constitucional que permite assegurar o direito à tutela jurisprudencial efetiva.
O. Como tal, a admissão de tal incidente deverá ser efetuada tendo por base a interpretação analógica do disposto no artigo 728.º n.º 2 do Código de Processo Civil que dispõe em caso idêntico para que:
“1 - O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.
2 - Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.”
P. Deve-se entender que ocorre lacuna legislativa quando se impede a dedução do incidente de oposição à penhora após o prazo previsto no n.º 785.º n.º 1 do C.P.C. sendo que o contrário é aceitar a violação dos supra mencionados princípios constitucionais e legais, pelo que terá de ser considerado que a Lei não previu o caso de dedução de oposição à penhora com fundamento em factos supervenientes, ou seja, que ocorreram após o limite temporal previsto no artigo 785.º n.º 1 do C.P.C..
Q. Deve ser aplicado analogicamente o disposto no artigo 728.º n.º 2 do C.P.C., nos termos do artigo 10.º n.º 1 do Código Civil uma vez que o regime jurídico aplicável à oposição à penhora é, em muitos aspetos de regime, fundamentos e tramitação, idêntico ao regime dos Embargos de
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