Acórdão nº 121/17.0TNLSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-04-2022

Data de Julgamento05 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão121/17.0TNLSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.RELATÓRIO:

1.Da Acção

Fonds de Garantie des Victimes des Actes de Terrorisme et d’Autres Infractions intentou acção declarativa de condenação, na forma comum, contra Victoria Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré a reembolsar o Autor na quantia de € 229 480,73 (duzentos e vinte e nove mil, quatrocentos e oitenta euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros moratórios contados desde a data da citação.

Alegou para tanto, que no dia 4 de agosto de 2010, na praia do Alvor, R…, cidadão francês, foi atingido pela embarcação, comandada pelo seu proprietário, T…, que transferira a responsabilidade civil para a Ré; a embarcação veio a embater com a hélice na pessoa em apreço, a qual nadava e mergulhava em local interdito à navegação de embarcações e apenas destinado à prática de banhos e de natação; em consequência, sofreu lesões corporais graves e foi submetido a diversos tratamentos médicos.
O identificado banhista demandou o Autor, enquanto organismo francês que suporta, além do mais, as indemnizações devidas por acidentes, no Tribunal de Primeira Instância de Lyon, formulando pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente de que foi vítima em Portugal.
No âmbito desse processo judicial, as partes estabeleceram por acordo, o valor indemnizatório de € 229 480,73, que o Autor já pagou ao lesado .
Pretende, por isso, através da presente acção, que a Ré seja condenada a reembolsar o Autor do referido valor pecuniário que suportou, sustentando a aplicação da lei portuguesa no que se refere ao sinistro e à obrigação de indemnizar, e aplicação da lei francesa no que diz respeito às regras da prescrição e de contagem dos prazos, conforme decorre do artigo 19º do Regulamento CE 864/2007, de 11.07.2007.
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A Ré contestou , invocando a excepção peremptória da prescrição do direito e por via impugnativa, grande parte da factualidade relativa ao sinistro, pugnando pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Assim, em síntese, defendeu a aplicação da lei portuguesa à matéria da prescrição (além do mais), tendo em conta o disposto no artigo 45.º, n.º 1, do Código Civil, arguindo tal excepção peremptória extintiva, para os fins previstos no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, tendo em conta que na data da instauração da acção-29.11.2016- há muito havia prescrito o direito do Autor, ou seja, mais de seis anos depois da data da ocorrência do sinistro.
Por impugnação, apenas reconhece a ocorrência do acidente, bem como a existência do seguro marítimo que celebrou com o proprietário da embarcação envolvida, mas não as circunstâncias concretas em que tal acidente aconteceu, invocando factos tendentes a sustentar a exclusiva culpa do banhista, designadamente, por se encontrar a nadar para lá das boias delimitadoras do corredor náutico e fora da zona permitida para banhos, afastado da costa mais de 300 metros, e não utilizando boia sinalizadora; em todo o caso,alega que a quantia peticionada se revela exagerada.
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Em resposta, o Autor pugnou pela improcedência da excepção da prescrição, sustentando, em suma, que não decorreu o prazo prescricional face à lei francesa, e também face à lei portuguesa, conforme o disposto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, que se prevê o prazo prescricional de 10 anos para o exercício do direito de reembolso, o qual apenas começou a correr a partir do momento em que foi paga a última indemnização ao lesado, isto é, a partir de 7 de abril de 2014, data do último pagamento realizado pela Autora ao lesado .
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que deferiu para final a apreciação da execepção da prescrição e fixados os temas de prova.
Na prossecução regular da instância, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguindo a prolação da sentença que julgou procedente a excepção da prescrição, improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.

2.–Do Recurso

Inconformada, a Autora interpôs recurso; as suas alegações encerram com as conclusões que seguem:
A-À data da instauração da acção o direito da A. de reclamar, por via da figura da sub-rogação, o valor que pagou ao lesado não estava prescrito.
B-O direito do A. por via da sub-rogação só nasce após o pagamento da indemnização cujo reembolso foi reclamado nesta acção.
C-De acordo Com o Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de julho, conforme dispõe o Artº 19 em caso de sub-rogação a legislação aplicável, in casu, é a francesa.
D-A lei francesa estipula que o prazo prescricional em caso de sub-rogação do Fonds de Garantie des Victimes des Actes de Terrorisme et D’Autres Infractions conta-se a partir da data da decisão judicial, a qual foi proferida em 20.3.2014. E,
E-Mesmo assim só decorridos 10 anos, conforme se alegou nos Artºs 28 a 31 e 34 destas Alegações que aqui se dão por inteiro reproduzidos para todos os efeitos legais.
F-Logo, por força da lei francesa à data da propositura da acção o direito do Recorrente não estava prescrito. No entanto e sem conceder,
G- dmitindo que a solução passa pela lei portuguesa nos termos do Artº 498 nº1 e 2 do Código Civil o prazo prescricional só começa a contar da data do/dos pagamentos da indemnização ao lesado. Com efeito,
H-Não há sub-rogação antes do dito pagamento.
I-Antes De efectuar o pagamento do montante de 229.480,73€, não podia o Recorrente, sequer, propor a acção, uma vez que não se verifica a sub-rogação em relação a prestações futuras, ou seja, não vencidas. Assim,
J-Nos termos do Artº 498, nº 2 do CPC, contando do último pagamento (7.4.2014) o prazo prescritivo só terminaria em 7.4.2014,[1] muito depois da data da instauração da acção e da citação da Ré.
K-Neste sentido, invocam-se os Acórdãos citados no Artº51 destas Alegações e em especial o Acórdão uniformizador da Jurisprudência do STA nº 2/2018 referido no Artº 52 destas alegações que impõe decisão contrária à recorrida
L-Face ao que fica exposto violou o Mmo. Juiz “a quo”, por erro de interpretação e de não aplicação, a legislação referida nas alegações e nestas conclusões. Pelo que,
M-Deve a sentença recorrida ser revogada, acolhendo-se as conclusões aqui formuladas Concomitantemente,
N-Que o direito da Recorrente a ser reembolsado pela Ré não se encontrava prescrito à data da instauração da acção. E,
O-Face à matéria de facto provada e não provada deve a Ré ser condenada no pagamento da quantia peticionada, acrescida dos respectivos juros moratórios, tudo conforme alegado na Petição Inicial. Assim, Revogando a decisão recorrida, conforme aqui alegado, farão Vexas, Venerandos Desembargadores, a costumada Justiça.
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A Ré nas contra-alegações refutou o argumentário do apelante, reiterando a verificação da excepção da prescrição do direito reclamado, pugnando, em síntese, pelo acerto e confirmação do julgado absolutório.
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O recurso foi regularmente admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos, cumpre decidir.

3.–O Objecto do recurso

O âmbito do recurso está balizado pelas conclusões do recorrente, importando decidir as questões nelas colocadas, e, bem assim, as que sejam de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cujas decisões fique prejudicada pela solução dada a outras - cfr. artigos 635º, nº3 a nº5, 639º, nº1, e 608.º, n.º 2, ex vi 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Analisadas as enunciadas conclusões da apelante, haverá que decidir se, na situação ajuizada é aplicável a lei francesa, à luz da qual o prazo de prescrição do direito reclamado não decorreu, ou, subsidiariamente, concluindo-se pela aplicação da lei portuguesa, também não se verifica tal excepção extintiva, atenta a data do último pagamento ao lesado.

Tema decisório que suscita o debate dos seguintes tópicos recursivos:
  • O direito nacional aplicável de acordo com o Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, “Roma II”, que rege as obrigações extracontratuais entre cidadãos de Estados membros e a norma de direito de conflitos prevista no artigo 45º do Código Civil;
  • A interpretação e aplicação do disposto no artigo 4º, nº1, 15 al) h; a posição do Autor enquanto sub-rogado do lesado e o âmbito o artigo 19º do Regulamento Roma II; a regra geral da lex loci damni e a regra específica do sub-rogado do lesado;
  • O âmbito objectivo e subjectivo da aplicação do disposto no artigo 498º, nº2, do Código Civil; a natureza jurídica do direito reclamado sob o instituto da subrogação, ou, sob a figura do direito de regresso; interpretação doutrinária e jurisprudencial do preceito; o die a quo do prazo de prescrição de indemnização monetária fraccionada.
II.–FUNDAMENTAÇÃO

A.–Os Factos

O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:

1.–No dia 4 de agosto de 2010, pelas 17h30, ocorreu, em frente à praia do Alvor (Algarve), um acidente entre a embarcação “Sururu”, registada com o número 3744FR5, comandada pelo seu proprietário T..., e o banhista R…, cidadão de nacionalidade francesa (cfr. documento de fls. 22 a 24);
2.Quando a referida embarcação navegava na zona da praia do Alvor, em frente ao restaurante Windsurf, embateu com a hélice no aludido banhista;
3.(...) O qual nadava munido de óculos, snorkel (tubo) e barbatanas;
4.O referido embate deu-se a cerca de 250 metros para nascente em relação à linha de costa, a cerca de 120/140 metros de terra e à tona de água;
5.(...) Em zona interdita à navegação de embarcações;
6.–(...) E destinada exclusivamente à prática de banhos e natação;
7.–(...) Entre a unidade balnear 4 e a unidade balnear 5 (UB4 e UB5);
8.A embarcação não possuía a bordo qualquer tipo de equipamento de apoio à navegação (designadamente, GPS ou radar);
9.Como consequência direta do embate da hélice no corpo do banhista, este sofreu
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