Acórdão nº 1187/23.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-04-04

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão1187/23.0T8BRG-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

Na pendência da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que AA, residente na Av. ..., em ..., ..., instaurou contra - “EMP01..., Lda.”, com sede na Av. ..., em ..., ..., veio o empregador interpor recurso do despacho interlocutório, que por falta de junção do procedimento disciplinar, declarou a ilicitude do despedimento, com a seguinte fundamentação.
“(…) Na audiência de partes designada para 23.03.2023, onde estiveram presentes o autor/trabalhador e a ré/empregador não foi possível obter a conciliação das partes, pelo que, se ordenou a notificação da ré/empregadora nos termos e para os efeitos do art. 98.º-I, n.º 4, al. a) do C.P.Trabalho, ou seja, «… para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas (…)». – cfr. acta de fls. 21 e verso.
A 10.04.2023 a ré/empregador apresentou o articulado motivador do despedimento de fls. 22 a 40, com o qual juntou cinco documentos.
O autor/trabalhador apresentou contestação a 26.04.2023, onde, entre o mais, pede que seja declarada a ilicitude do despedimento decidido pela ré, nos termos do art. 98.º-J, n.º 3 do C.P.Trabalho, visto não ter sido junto o original do processo disciplinar, mas sim algumas peças que o compõem, assinalando, entre outros, a falta da nota de ocorrência, da decisão de início do processo e da nomeação do instrutor. Para além disso, alega a caducidade do procedimento disciplinar, desde logo porque reportando-se o facto imputado a Março de 2022, a ré não podia só dele ter tomado conhecimento a 23.09.2022, pelo que quando foi iniciado já tinha decorrido o prazo de 60 dias previsto no art. 339.º do C.P.Trabalho. Além disso, alega que foi suspenso preventivamente a 4.10.2022 (doc. ... da contestação), e que foi notificado da nota de culpa a 11.11.2022, pelo que foi violado o prazo do art. 354.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho.
A ré ofereceu resposta à reconvenção nos termos do art. 98.º-L, n.º 4 do C.P.Trabalho, articulado onde, em exercício de contraditório, se posicionou contra a alegada falta de apresentação do original do processo disciplinar.
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Por despacho proferido a 16.06.2023 ordenou-se que a secção averiguasse se havia sido junto o aludido processo em suporte físico e/ou digital e, em caso contrário, que se insistisse pela junção junto da ré. – cfr. fls. 86.
A 30.06.2023 a ré requereu, em resposta ao despacho, a junção do “Processo Disciplinar” (fls. 89 a 116), inserindo agora no leque de peças enviadas, além das já juntas com a contestação – nota de culpa, resposta à nota de culpa e três autos de inquirição – a comunicação da suspensão preventiva de 4.10.2022 (fls. 89) e a decisão final com as notificações à Directora de recursos humanos da ré de 27.01.2023 e ao trabalhador, esta com a menção ao envio por carta com AR a 8.02.2023 (fls. 104 a 116). A 11.08.2023 o autor insistiu não se mostrar junto o PD, faltando a participação, o despacho que determinou o seu início e a nomeação do instrutor, os comprovativos de envio e recepção das cartas e o despacho que fixou as diligências a fazer.
Por fim, a 29.08.2023 a ré defendeu que a junção do auto de notícia e do despacho a determinar a abertura de instrução são facultativas, que o despacho a nomear o instrutor não tem de ser reduzido a escrito, quanto aos comprovativos de envio e recepção das missivas, admite não os ter junto, porém, defende que o autor as recebeu e que também não põe em causa essa recepção, por fim, e quanto ao despacho que determina a realização das diligências probatórias defendeu que não é obrigatório constar do procedimento por escrito, sendo que todas as diligências feitas na fase instrutória foram reduzidas a escrito.
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Atendendo às posições das partes nos articulados, entendo que os autos reúnem todos os elementos necessários à decisão imediata parcial do mérito – cfr. art. 595.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil (ex vi arts. 98.º-M, n.º 1 e 49.º, n.º 2 do C.P.Trabalho).
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Os presentes autos constituem uma acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, introduzida pelo D.L n.º 259/2009, de 13 de Outubro, que reveste de natureza urgente (cfr. art. 26.º, n.º 1, al. a) do diploma) e se mostra vocacionado à impugnação do despedimento individual promovido pelo empregador. Tal forma de processo, mostra-se disciplinada nos arts. 98.º-B e segs. do C.P.Trabalho, com a redacção dada pelo aludido D.L. n.º 259/2009.
Consagra o n.º 1 do art. 98.º-C que, nos termos do art. 387.º do Cód. do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, do requerimento em formulário electrónico ou em suporte papel, do qual conste a declaração de oposição ao despedimento. Tal formulário deu entrada em juízo, no caso, a 20.02.2023, com ele juntando o autor/trabalhador a decisão final proferida a 27.01.2023, e ao mesmo alegadamente notificada por carta registada com AR de 8.02.2023. - cfr. fls. 2 a 14
Realizada a audiência de partes a 23.03.2023, frustrou-se a conciliação, pelo que foi o empregador, que estava representado por Advogado com poderes especiais – cfr. fls. 18 e 19 e acta de fls. 21 - notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento, juntar o processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, nos termos dos arts. 98.º-F a 98.º-I.
No entanto, o empregador limitou-se a apresentar o aludido articulado com os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento, acompanhado de cinco documentos, a saber, a nota de culpa de 7.11.2022 (cfr. fls. 41 a 43 verso), que diz “juntar à comunicação de despedimento”, a resposta à nota de culpa de 18.11.2022 (cfr. fls. 44 a 50), e ainda três autos de inquirição de duas testemunhas e do próprio autor, todos datados de 14.12.2022 (cfr. fls. 51 a 55).
Insistindo o Tribunal pela junção do processo disciplinar integral a 16.06.2023, veio a ré remeter a 30.06.2023, além dos aludidos cinco documentos já juntos, ainda a comunicação da suspensão preventiva de 4.10.2022 (cfr. fls. 89) e a decisão final com as notificações feitas aos recursos humanos da ré de 27.01.2023 e ao próprio trabalhador, esta com a menção à remessa por carta com AR a 8.02.2023 (cfr. fls. 104 a 116).
Ora, é bom de ver que, se a ré entende que o autor tenta “encontrar uma forma de evitar a realidade dos factos”, como faz questão de afirmar no introito do requerimento de 29.08.2023, salvo o devido respeito, parece querer a ré evitar, a todo o custo, o cumprimento de uma formalidade legal absolutamente essencial para que o Tribunal possa verificar da validade e regularidade do procedimento disciplinar.
Aquilo que à primeira vista pode parecer uma questão de natureza meramente formal - exigência da junção de um processo disciplinar organizado, sequencial, com os actos praticados devidamente rubricados e datados – tem, na realidade, implicações de natureza substancial na medida em que essa exigência se reflecte no exercício do direito do trabalhador a uma defesa efectiva e completa.
Parece esquecer a ré que, mesmo que o autor nada invocasse a propósito da regularidade formal do procedimento, questionando só o despedimento - quer por negar os factos imputados, quer ao pôs em causa a proporcionalidade e adequação da sanção - sempre o Tribunal estaria obrigado a verificar daquela regularidade formal, pelo que, a alegação feita, desde logo quanto ao facto de o autor não questionar ter recebido as comunicações/decisões que lhe foram endereçadas pela ré, é perfeitamente inócua, sendo obviamente essencial, desde logo, para efeitos de contagem de prazos, nalguns casos preclusivos, que os documentos comprovativos de envio e/ou recepção dessas comunicações/decisões, fossem eles registos postais ou termos de entrega e recepção assinados pelo trabalhador, estivessem juntos aos autos.
Ora, a ré limitou-se a juntar cinco documentos que integram o aludido processo disciplinar com o AMD e, mesmo perante a insistência do Tribunal, juntou ainda a decisão final e a decisão de suspensão preventiva, documentos a que o Tribunal teve acesso anteriormente por ter o autor, como lhe impõe o art. 98.º-E, al. c) do C.P.Trabalho, junto a decisão de despedimento com o formulário a que alude o art. 98.º-C, bem ainda por ter junto a comunicação da suspensão preventiva com a contestação ao AMD.
Ora, se é certo que inexiste norma que obrigue o empregador a lavrar nota de ocorrência ou formular por escrito a comunicação de instauração do PD - embora no caso, na própria nota de culpa a ré mencione que vem “juntar à comunicação de instauração de procedimento disciplinar … a respectiva nota de culpa”, o que pressupõe que existiu decisão escrita de instauração do procedimento - ou norma que obrigue o empregador a reduzir a escrito a nomeação de instrutor ou a determinação de diligências instrutórias, já é certo que a nota de culpa tem de ser redigida por escrito, como o foi, assim como nos parece evidente que terão de estar juntos ao PD todos os comprovativos de envio e recepção das comunicações trocadas entre as partes, mormente para que seja possível sindicar a data em que foi comunicada a suspensão preventiva, a data em que foi notificada a nota de culpa e ainda a data em que foi feita a comunicação da decisão final.
Reitere-se que junto que foi pela empregadora o articulado motivador, não logramos constatar a junção do “Processo Disciplinar”, cuja...

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