Acórdão nº 1178/22.8T8OER.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão1178/22.8T8OER.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório:
A [Maude ….] veio, em 14.3.2022, propor contra B [ …., Lda ] , procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova, ao abrigo dos arts. 397 e 400 do C.P.C., requerendo a ratificação judicial do embargo efetuado no dia 8.3.2022, ordenando-se a suspensão imediata dos trabalhos da empreitada a realizar na zona da cobertura do empreendimento “Dafundo 24”, até ser proferida decisão na ação principal a intentar.
Invoca, para tanto e em breve síntese, que é proprietária de prédio urbano sito no Dafundo e que sempre se encontrou num plano elevado relativamente ao prédio que o confronta a sul, na Rua ..., gozando de uma vista frontal ininterrupta para a Av. Marginal e para o rio Tejo. Refere que foi iniciada, em 2019, a construção de um novo empreendimento no prédio que confina a sul com o prédio da requerente, junto do muro de contenção, denominado “Dafundo 24”, sendo a requerida proprietária do imóvel sito na Rua ..., nº 24. Estando previsto que na cobertura do novo edifício seriam instalados deck e piscinas, ficando a cota do deck a um nível inferior ao bordo das piscinas, constatou a requerente, em 24.2.2022, que o deck e as piscinas a instalar na cobertura do empreendimento “Dafundo 24” se encontram, afinal, à mesma cota, inexistindo qualquer escada para acesso à piscina. Tal permite facilmente a instalação de mesas, cadeiras, chapéus-de-sol, etc., que ficarão a uma altura que, não só ocultará completamente a vista da requerente, como afetará irremediavelmente a sua privacidade, pois as pessoas que ali se encontrem estarão acima da cota do jardim da requerente, desvalorizando ainda tal situação o seu imóvel. Situação que não ocorreria se o deck estivesse abaixo da cota do rebordo da piscina, como inicialmente estaria projetado.
Diz que solicitou a suspensão imediata dos trabalhados na cobertura do edifício, a demolição do deck e posterior instalação à cota inicialmente prevista, inferior à cota do muro de contenção que separa o imóvel, mas, verificando a continuação dos trabalhos, no dia 8.3.2022, promoveu o embargo extrajudicial da obra, através do seu mandatário, acompanhado por duas testemunhas. Não obstante, o Encarregado de Obra recusou a assinatura do auto de embargo extrajudicial e, nos dias 11 e 14 de Março de 2022, a requerida continuou a realizar trabalhos na cobertura. Conclui que a empreitada em curso ofende os direitos da requerente, que ficará afetada na sua privacidade e sem vista para o rio como sempre teve, para além de se traduzir numa desvalorização direta do seu imóvel, provocando danos na sua esfera jurídica. Junta documentos e indica testemunhas.
Citada, a requerida veio deduzir oposição, defendendo, em síntese, a incompetência do tribunal em razão da matéria, por serem competentes os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal. Mais sustenta, sem contestar que o embargo extrajudicial obedeça aos requisitos formais, que nenhuma razão assiste à requerente, pois a obra encontra-se devidamente licenciada, também no que respeita à elevação do deck existente na cobertura do edifício para a mesma cota altimétrica do bordo das piscinas aí existentes, e que dessa obra não resulta ofensa de direitos de gozo do imóvel da requerente, nem prejuízo ou ameaça de prejuízo para a esta, mostrando-se observado o disposto no art. 1360 do C.C.. Refere que a requerente não fica, com a obra em apreço, privada das vistas que detinha, sendo que o alegado nesta matéria não merece, em qualquer caso, tutela jurídica. Pede o indeferimento da providência, negando-se a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova promovido. Junta documentos e indica testemunhas.
A requerente pronunciou-se sobre os documentos juntos pela requerida e sobre a matéria de exceção arguida, pugnando pela improcedência desta.
Em 29.4.2022, foi proferida decisão nos seguintes termos: “A presente “ratificação judicial de embargo de obra nova por via extrajudicial” foi requerida em 14-III-22 por A contra B - relativamente ao embargo efectuado em 8-III-22 em obra a decorrer no empreendimento “Dafundo 24” (na rua ...).
Citada em 23-III-22, a R. deduziu oposição - excepcionando “incompetência material”, e por impugnação (por, em suma, a A. não ter um “direito subjectivo à paisagem ”); a A. respondeu à excepção.
Se é certo que a R. alega estar a executar a obra de acordo com projecto licenciado administrativamente, não é menos certo que não está aqui em causa a apreciação de qualquer relação jurídica administrativa, ou de obra pública - motivo que que a jurisdição administrativa não é a competente para ratificação do embargo extrajudicial.
Reconhecendo a R. que o embargo extrajudicial está formalmente correcto - e acrescentando-se que a ratificação foi pedida dentro do prazo (no 1 ° dia útil seguinte ao do termo) previsto no artigo 397°/2 do CPC -, importa apurar qual o “direito de propriedade, singular ou comum” ou “outro direito real de gozo” da A. que o embargo extrajudicial visou proteger (CPC 397°/1).
A A. não invoca expressamente qualquer norma que titule o seu direito, mas só pode ser a (referida pela R.) do artigo 1360° do Código Civil (“1 - O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio. 2 - Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.”) - sendo certo que não existe um “direito subjectivo à paisagem”, como refere a R..
Existindo uma distância de “poucos metros entre os dois prédios”, como alega a A., não se aplica a restrição prevista no n° 1 supra citado - e, não sendo alegado qualquer facto quanto à existência ou altura de parapeitos, também não se verifica a restrição prevista no n° 2 do artigo supra citado.
A perda de “vista ininterrupta sobre o Tejo”, embora possa desvalorizar o imóvel da A., não se traduz na violação de qualquer “direito real de gozo”. 
Se foi criada na A. a expectativa de que nenhuma construção seria licenciada no local onde estão a decorrer as obras da A., deverá acionar a entidade que violou tal expectativa (caso exista previsão legal para tal) - sendo, para tal, este Tribunal incompetente em razão da matéria.
Conclui-se, assim, que não existe motivo para ratificar o embargo - julgando-se improcedente a presente providência cautelar.
Custas pela A. (fixando-se o valor da causa em 30.000,01€).
(…)”.
Inconformada, interpôs recurso a requerente, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:

A. Se da análise do requerimento inicial o tribunal não consegue identificar correctamente o direito real que a requerente pretendia proteger com o embargo de obra nova - não fazendo qualquer menção à protecção da privacidade e à consequência da falta de privacidade para o exercício do direito de gozo sobre seu imóvel que é alegada pela Requerente - é porque o requerimento inicial podia e devia ter sido objecto de aperfeiçoamento.
B. A construção do Requerido, tal como está, é de tal maneira intrusiva que qualquer pessoa que se encontre na piscina ou jardim da Requerente sente que está a partilhar o jardim com o Requerido e se sente observada, constrangendo de forma intolerável o gozo do mesmo.
C. Pese embora o direito de personalidade não seja tipicamente apto a preencher os requisitos de que depende a providência cautelar de embargo de obra nova, a circunstância da violação do direito de personalidade afectar directamente um direito real - como seja o direito a gozar plenamente, de um modo normal, a sua propriedade -, restringindo-o, já é susceptível de preencher os requisitos do 397.° do CPC.
D. De igual modo, se o tribunal considera que em causa está o artigo 1360.° do Código Civil, não se vê como se pode o mesmo contentar para fundamentar a sua decisão com uma alegação que é manifestamente conclusiva como a de que entre os prédios há uma “distância de poucos metros”
E. Na verdade, os prédios em causa são contíguos e o que se pretendia transmitir com o alegado no requerimento inicial era que entre a edificação do Requerido e o muro de contenção da Requerente era variável (embora sempre curta), distando mais em determinados pontos e menos noutros, o que, aliás, decorre do documento n.° 3 junto com o requerimento inicial.
F. Se o tribunal entendia que a concreta distância entre o prédio da Requerente e a edificação da Requerida era relevante então podia, e devia, ter proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, e no artigo 590.°, n.° 4, do CPC. O mesmo se diga quanto à questão da existência, ou não, de parapeitos (que no caso serão guardas de vidro) e da sua respectiva altura.
G. Ao não proferir despacho de aperfeiçoamento, o tribunal omitiu o seu dever, e resultando dessa omissão a sentença de indeferimento da providência, deve tal nulidade ser apreciada em sede de recurso.
H. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 595.°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que, proferiu decisão sobre o mérito da causa antes de tomar conhecimento de factos relevantes de acordo com as diversas soluções jurídicas possíveis, cuja prova determinaria, necessariamente, decisão diversa.
I. A provar-se os factos alegados relativos à inexistência de privacidade, e violação da reserva da intimidade da vida privada, direito fundamental que é constitucionalmente garantido e que integra os chamados “direitos,
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