Acórdão nº 11430/21.4T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-28

Ano2023
Número Acordão11430/21.4T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
SA intentou a presente ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, contra EA, alegando, em suma, que autor e ré casaram um com o outro no dia 16 de julho de 1988.
Desde então, o autor tem sido vítima de ofensas, maus-tratos e ameaças por parte da ré, ao ponto de temer pela sua vida.
Em agosto de 2020, na sequência de novas ofensas verbais dirigidas pela ré ao autor, não mais voltou a haver comunhão de vida entre o casal.
O autor não pretende restabelecer a vida conjugal com a ré.
Conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos mais de Direito, (...) deve a presente acção ser liminarmente recebida e marcada a tentativa de conciliação, a que se refere o art.º 1779, vindo a final a ser decretado o divórcio entre A. e R.»
*
A ré contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, no essencial, que correspondem à verdade os factos vertidos na petição inicial, apesar de concordar com a cessação do vínculo conjugal que a liga ao autor, por não existir qualquer possibilidade de reatamento da vida em comum entre ambos.
Além disso, deduz reconvenção contra o autor, pretendendo:
- que lhe seja atribuído o «direito de uso e habitação da casa de morada de família»;
- que o réu seja condenado a pagar-lhe, a título de pensão de alimentos, uma prestação mensal não inferior a €150,00.
Conclui assim a contestação/reconvenção.
«Nestes termos e nos demais de direito, (...), requer-se na presente acção ser:
i.) Seja julgado procedente o pedido de dissolução do casamento e marcada a respectiva tentativa de conciliação nos termos e para os efeitos do artigo 1779.º do Código Civil e, por conseguinte, decretado o divórcio;
ii.) Procedência total do pedido reconvencional, nomeadamente o seu direito de uso e habitação da casa morada de família; e da fixação da pensão de alimentos no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros), nos termos e para os efeitos dos artigos 2015.º e 2016.º, n.º 2 do Código Civil
*
Após a apresentação da contestação/reconvenção pela ré, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho, datado de 7 de fevereiro de 2022:
«Da Reconvenção
O Autor, SA, intentou a presente acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra EA, pedindo que fosse decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre aquele e a Ré, nos termos do artigo 1781º, alínea d), com fundamento no facto de ser alvo de comentários insultuosos da Ré e ter medo dela, não pretendendo retomar a vida em comum.
Em contestação, veio a Ré deduzir pedido reconvencional, pedindo que fosse decretado o divórcio e dissolvido o seu casamento com o Autor, mais pedindo a atribuição da casa de morada de família e a atribuição de uma pensão de alimentos no valor de € 150,00 mensais.
O artigo 555º, n.º 2 do Código de Processo Civil admite expressamente a cumulação do pedido de pensão de alimentos em sede de acção de divórcio, além dos casos previstos de reconvenção no artigo 266º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O pedido de pensão de alimentos formulado pela Ré é expressamente admitido pela norma legal citada, sendo, portanto, de admitir.
Quanto ao pedido de atribuição de casa de morada de família, nos termos do artigo 990º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o mesmo deverá ser deduzido por apenso à acção de divórcio, não sendo admissível a sua dedução como pedido reconvencional, termos em que não se admite, nesta parte, a reconvenção apresentada.
Compulsado o teor da contestação apresentada, quanto ao pedido de alimentos formulado, o mesmo não tem os factos que o fundamentam individualizados do demais articulado da contestação, o que dificulta o contraditório do pedido formulado.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 590º, n.º 2, alínea b) e n.º 4 do Código de Processo Civil, convido a Ré a apresentar novo articulado de contestação, na qual individualize os factos apresentados, que em seu entender, fundamentam o pedido da prestação de alimentos formulado e o valor indicado, no prazo de 10 dias.»
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Notificada desse despacho, a ré correspondeu ao convite, apresentando novo articulado, individualizando os factos que, em seu entender, fundamentam o pedido reconvencional de prestação de alimentos.
A ré conclui assim esse novo articulado:
«Nestes termos e nos demais de direito, e com o suprimento de V. Excelência, requer-se com referência ao artigo 555.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 266.º do mesmo diploma legal, pela procedência da fixação de alimentos no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros), em sede da acção de divórcio apresentada pelo Autor, nos termos e para os efeitos dos artigos 2015.º e 2016.º, n.º 2, do Código Civil
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O autor replicou, concluindo assim:
«Nestes termos, não deverá ser imputado ao A. qualquer prestação a título de pensão de alimentos pelas razões já anteriormente invocadas.»
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Findos os articulados, a senhora juíza a quo dispensou a realização da audiência prévia, desta forma singela:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 593.º, aplicável ex vi do artigo 932.º, ambos do Código de Processo Civil, determino o prosseguimento da presente acção, sem a realização da audiência prévia.»[1].
*
Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais:
a) se fixou em €30.000,01, o valor da causa;
b) se identificou o objeto do litígio;
c) se enunciaram os temas da prova.
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Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Com fundamento no exposto:
a) julgo procedente por provado o pedido do Autor e, consequentemente, decreto o divórcio requerido, dissolvendo o casamento celebrado em 16 de Julho de 1988, entre o Autor SA e a Ré EA.
b) Julgo improcedente o pedido de condenação do Autor no pagamento de uma pensão de alimentos à favor da Ré.
c) Condeno a Ré no pagamento das custas da acção.
d) Determino que, oportunamente, se dê cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 78º do Código do Registo Civil
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Inconformada com o decidido sob a al. b) da parte dispositiva da sentença, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
a) «A Ora Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida nos autos no que concerne á atribuição da pensão de alimentos»;
b) «Os factos dados como provados e não provados estão em contradição»;
c) «O Tribunal A Quo, diz que não pode dar como provado que a Ré encontra-se reformada por invalidez com incapacidade permanente de 72% avaliada em 8 de Fevereiro de 2019. (ponto 11 dos factos provados), dá como não provado no ponto i dos factos não provados, que a Ré doente oncológica»;
d) «A testemunha CG, que prestou o seu depoimento no dia 17 de outubro pelas 09h.44m.45s e terminou às 10h. 11m. 10s, quando questionada sobre a doença de sua mãe ao minuto 21.2, a mesma refere que:
“A partir do momento em que a mãe retirou o peito, porque tinha um tumor maligno, deixou de trabalhar no lar, por falta de mobilidade no braço, e passou a fazer as compras para o Lar mais o seu pai.”»;
e) «No ponto O e P dos factos não provados, refere-se que:
“o) A Ré ficou dependente do rendimento do Autor, ora cônjuge, funcionário público da Câmara Municipal de Lisboa, aposentado aos dias de hoje. p) O rendimento familiar para fazer face às despesas diárias, advinha da profissão do marido e da reforma de invalidez da Ré, embora, maioritariamente do Autor, atendendo à diferença significativa de valores.”»;
f) «Nos factos provados nomeadamente nos pontos 12 a 14, o tribunal A Quo refere que:
“12 - A Ré aufere uma reforma de invalidez no valor de €273,39.
13 - A Ré despende mensalmente o montante de €21,57 com despesas de medicamentos.
14 - A Ré despende mensalmente valores não concretamente apurados com despesas de água, luz, gás e comunicações.”»;
g) «Ora salvo o devido respeito e melhor opinião se a Ré aufere uma pensão de invalidez no montante de €273,39, paga, luz, água, gás, comunicações e alimentação, necessita sempre do rendimento do Autor, para conseguir fazer face ás suas despesas.»;
h) «Da prova produzida em sede de julgamento, facilmente se comprova tal.»;
i) «A testemunha AN, que prestou depoimento no dia 17 de outubro de 2022, com início ás 10h.46m.07s e terminus 10h.55m.54s, disse quando interrogada para tal que:
“Minuto 3.40 – que a Ré pediu um apoio á segurança social devido +a sua doença, porque não tinha o rendimento do seu marido.»;
j) «A análise feita de forma errónea da prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas A testemunha CG, foi bem explicita, quando aos factos relevantes para a decisão de atribuição da pensão de alimentos pelo A á Ré.»;
k) «Ao minuto 13.30 do seu depoimento, e quando foi questionada sobre se a sua mãe trabalhava, a mesma referiu que tomou conta de meninos, desconhecendo o quanto a mesma recebia, mas que há cerca de 5 meses, que não tem menino.»;
l) «Ao minuto 23.54 - Refere que a mãe lhe pedia para lhe pagar a água, luz, mas que mais tarde lhe pagava.
A última despesa que pagou foi da NOS, no valor que pensa ser de 70€, porque não tinha dinheiro para pagar.»;
m) «Perante tal depoimento, não pode ser dado como provado o ponto 15, pois não existiu prova bastante de que a mesma auferia um rendimento de €125,00.
Não pode ser provado que a Ré auferia 125€ por cada criança, só pelo depoimento da filha TA. Tendo sido esta que falou nesse valor, mas não indicou quem era as crianças, pois se se trata de crianças do bairro onde vivem e a testemunha mora em frente á casa da Ré, era fácil identificar os menores e seus progenitores, não o fazendo por saber que não corresponde á verdade,»;
n) «A testemunha AN, que prestou depoimento no dia 17 de outubro de 2022, com início ás 10h.46m.07s e terminus 10h.55m.54s, referiu ao minuto 03.07, que teve conhecimento que a
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