Acórdão nº 11376/18.3T8LSB-C.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão11376/18.3T8LSB-C.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
«… - Instituição Financeira de Crédito, SA», com sede…, exequente na acção executiva para pagamento de quantia certa a seguir a forma ordinária que moveu contra,
A…, residente na …,
e,
B…residente na …,
para deles haver o pagamento da quantia de € 26.379,62 (vinte e seis mil trezentos e setenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), titulada por livrança, acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, e do respectivo imposto do selo,
veio interpor o presente recurso de apelação do despacho, que considerando que a executada aufere uma pensão de reforma de valor mensal inferior ao do salário mínimo nacional e não lhe sendo conhecidos outros rendimentos, declarou que o valor pago a título de pensão de reforma, incluindo os subsídios de férias e de Natal, é impenhorável, determinando a devolução do valor penhorado em tais subsídios no ano de 2022, devendo este critério ser adoptado no que respeita à penhorabilidade dos subsídios entretanto vencidos e vincendos.
*
Inconformado com tal decisão, veio o exequente do mesmo apresentar o presente recurso de apelação, alinhando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1. O artigo 738° n.°1 do CPC determina a impenhorabilidade 2/3 do rendimento;
2. Apenas é contabilizado para apuramento deste valor, o valor líquido das prestações, pelo que, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios;
3. Considerou o douto tribunal a quo que os subsídios de férias e natal são também eles impenhoráveis, apesar de o valor auferido nos meses em questão exceder o valor do salário mínimo nacional;
4. De acordo com o tribunal a quo os subsídios de natal e de férias são direitos dos trabalhadores/cidadãos e não meros complementos facultativos, que também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo nacional;
5. O douto tribunal a quo referiu ainda que os subsídios contribuem para a garantia de uma subsistência condigna;
6. Para o tribunal a quo tais prestações são sempre impenhoráveis;
7. A ora Recorrente não se conforma com a douta decisão desde logo, porque, a impenhorabilidade de 2/3 do vencimento/pensão mensal auferida pela executada destina-se a assegurar um montante mínimo necessário à sua subsistência condigna, principio com consagração constitucional;
8. Aos subsídios deveremos aplicar os limites da lei, de impenhorabilidade 2/3 do rendimento, e não isenção de penhora;
9. Assim é admissível a penhora da parte que exceder o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez que fica salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do devedor, conforme legalmente estabelecido;
10. Na jurisprudência, existem posições dominantes, nomeadamente a que permite a penhora dos subsídios de férias e de Natal, i.e., a corrente aquela que obteve maior aceitação na jurisprudência e deveria ter sido a adotada pelo tribunal a quo;
11. Assim deve ser entendido o valor auferido como subsídio, como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração;
12. A previsão legal do artigo 738° do CPC, e a sua ratio legis, consistem em assegurar ao executado um montante mensal que lhe permita fazer face às despesas básicas, ou seja, a salvaguardar uma sobrevivência condigna e não deve o tribunal sobrepor-se à previsão legal;
13. O que releva para o cálculo da parte penhorável da retribuição mensal é a globalidade das prestações auferidas mensalmente;
14. Por conseguinte, constituindo os subsídios de férias e de natal prestações adicionais à retribuição mensal, deverá ser admissível a penhora da parte que ultrapassar o valor correspondente ao salário mínimo nacional, uma vez que o mínimo indispensável ao sustento do executado não é colocado em questão;
15. De acordo com a jurisprudência, tendo em conta a globalidade do rendimento, o princípio constitucional protegido pelo 738° CPC não é ferido, e a penhora dos subsídios poderá ser realizada nos limites da lei, tendo em vista a satisfação da prestação a que o credor tem direito;
16. Face ao exposto, requer-se que o despacho de 13/03/2023 seja revisto e substituída por decisão conforme à maioria da jurisprudência dos tribunais superiores, permitindo prosseguir com a penhora dos subsídios de férias e natal auferidos pela Executada por forma a satisfazer o crédito da Exequente.
Termos em que, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão do tribunal “a quo”, e deverá a douta decisão ser substituída por outra acompanhe a jurisprudência maioritária.
COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!»
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Devidamente notificada, a executada contra-alegou, alinhando as seguintes conclusões:
«V- Conclusões,
A) A norma do artigo 738, nºs 1 e 3 do CPC não foi violada, foi devidamente interpretada com dignidade e de expoente elevação máximo
A) Os subsídios de férias e natal são impenhoráveis, quando globalmente sejam inferiores ao SNM. Assim o entende a jurisprudência maioritária,
B) A penhora que recai nos subsídios de férias e Natal da Recorrida, afeta a subsistência da Recorrida
C) Os subsídios de férias e Natal são impenhoráveis, quando globalmente sejam inferiores ao SNM.
D) A pensão de velhice da recorrida recebida em duodécimos é inferior ao SMN quando dividido por 12 meses, apesar de receber 14 meses, subsídio mínimo garantido
E) A pensão de 590,21 € é o seu único meio de subsistência
F) A penhorabilidade do subsídio de ferias e de Natal da Recorrida a manter- se afeta sua dignidade
G) Devem ser os subsídios impenhoráveis, enquanto situação global e não isolada
H) O SNM é impenhorável quando esta em causa a dignidade da vida humana
I) Devem ser restituídos à Recorrida os indevidos penhorados
J) Deve ser ordenado à CNP o levantamento da penhora
K) Deve manter -se a decisão recorrida inalterada, por estar conforme a jurisprudência e ser conforme o espírito da lei do SNM
L) Deve ser assegurado à Recorrida a condição possibilidade de viver, condignamente, levantando- se a penhora nos subsídios e restituindo- se o indevido.
Termos em que, deve ser negado total provimento ao recurso e consequentemente manter -se a decisão recorrida, confirmando-a e ser ordenado a devolução dos valores indevidos recebidos e os a receber na pendencia deste, bem como, ser ordenado o levantamento imediato da penhora que incide na pensão de velhice da Recorrida,
Como é de inteira Justiça!»
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Objecto do Recurso
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC), verifica-se que cumpre decidir:
- da (im)penhorabilidade do subsídio de Natal/Férias auferido pela Executada.
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3. Fundamentação de Facto
A matéria de facto a considerar para a decisão é a seguinte:
1) Feita a consulta aos Serviços da Segurança Social, em 5.11.21, resulta que a executada aufere a título de pensão de velhice a quantia de €590,21 ilíquidos;
2) Com data de 7.2.2022, e face à penhora efectuada sobre o sobredito montante, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de 20/01/2022:
Sendo de €590,21 o valor da pensão mensal auferida pela Executada, e, por conseguinte, inferior ao salário mínimo nacional (665 € em 2021), a dita pensão é impenhorável (artigo 738.º, n.º 3 do CPC).
Nesta sequência, por não terem sido respeitados, na penhora concretizada, os limites legais da penhorabilidade, de onde decorre a ilegalidade daquela, determina-se desde já o levantamento imediato da penhora sobre a pensão realizada, com a subsequente restituição à executada das quantias penhoradas provenientes da dita penhora.
Notifique.»
3. Veio então atravessado nos autos requerimento da Sra. A.E. do seguinte teor:
«…Agente de Execução nomeada nos presentes autos vem no seguimento das comunicações enviadas pela Patrona da executada, …. muito respeitosamente INFORMAR e REQUERER o seguinte:
INFORMAR
- Nos presentes autos foi enviada a 05/11/2021 a notificação para penhora de pensão da executada B ao Centro Nacional de Pensões (CNP).
- Em resposta o CNP informou que a executada recebia de pensão o valor ilíquido de 590,21 euros.
- Atento a resposta do CNP, em 26/11/2021, foi lavrado o respectivo auto de penhora uma vez que seria possível a penhora nos meses em que a executada recebesse os subsídios de férias e de natal.
- Do referido auto foram as partes notificadas.
- Nos termos do artigo 738º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC) que “São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, mais acrescentando o n.º 3 da mesma disposição legal que “A impenhorabilidade prescrita no nº1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”;
- Resulta da disposição legal citada, que é legalmente inadmissível a penhora quando dela resulte um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional, por se entender ser este montante a referência para se aferir do mínimo de subsistência, tendo em atenção o princípio constitucional da dignidade humana.
- Os subsídios de férias e de natal, pela sua natureza, são penhoráveis e devem entrar na base de cálculo para a realização da penhora, sejam estes pagos pela forma habitual ou em duodécimos.
- Assim, nos termos do n.º 3 do art.º 738.º do CPC, na determinação do valor a penhorar mensalmente e considerando sempre o limite de impenhorabilidade de determinado mês deverá o Centro Nacional ter em consideração o valor de pensão acrescido do valor dos subsídios de férias e de natal, nos meses em que estes são
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