Acórdão nº 113/17.0T9ELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22-11-2022

Data de Julgamento22 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão113/17.0T9ELV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 113/17.0T9ELV foram os arguidos AA. Ldª, com o NIPC …, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de …, com morada … e BB, nascido a …-…-1979, filho de CC de DD, natural da freguesia de …, concelho da …, titular do CC n.º …, divorciado, empresário, residente …, condenados da seguinte forma:

- O arguido BB pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos artigos 107.º, 105.º n.º 1, 2, 4 alíneas a) e b) e n.º 7, do RGIT na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 300,00 € (trezentos euros).

- A arguida AA,LDA. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos artigos 7.º 107.º, 105.º n.º 1, 2, 4 alíneas a) e b) e n.º 7, do RGIT na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o montante total de 300,00 € (trezentos euros).

*

Inconformado com tal decisão, veio o arguido BB interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“CONCLUSÕES:

1ª- Na sequência dos factos provados constantes da decisão recorrida, nomeadamente nos pontos 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 16., 17., 18., 26., 27., 28. e 29. e da própria fundamentação daquela, resulta que, sem margem para dúvidas que: o Recorrente não foi condenado em qualquer pena nos três anos anteriores à prática do crime em apreço (Maio a Novembro de 2014); que o dano ocasionado com a conduta descrita mostra-se, totalmente, reparado, pois, toda a dívida a que se referem os presentes autos foi paga pelo próprio Recorrente antes da audiência de discussão e julgamento; e que a ilicitude e a culpa do Recorrente são reduzidas, quer pelo facto em si quer pelo comportamento posterior que este assumiu reparando o dano provocado ao Estado, liquidando, todas as quantias que lhe eram devidas, juros moratórios e todos os encargos associados ao incumprimento da obrigação.

2ª- Sendo por isso, e desde logo, desajustado e desproporcional a aplicação ao Recorrente de uma pena de multa efetiva e na medida determinada pois, atendendo à matéria de facto adquirida no processo e à decisão proferida, estão reunidos os pressupostos necessários para impor ao mesmo uma simples admoestação penal, ou, pelo menos, atenuar de forma especial a pena de multa.

3ª- A medida da pena de multa aplicada pelo Tribunal a quo ao Recorrente situa-se nos 60 (sessenta) dias de multa e, portanto, inferior ao limite máximo estabelecido no artigo 60º do Código Penal para a aplicação da pena substitutiva da admoestação (240 dias).

4ª- Multa, esta, que, quer na sua medida e quer no seu quantitativo, consubstancia, inegavelmente, um valor reduzido e de pequena gravidade, pois é equivalente a € 300,00 (trezentos euros), montante, este, inferior a metade do salário mínimo nacional.

5ª- Pelo que, deverá a pena de multa aplicada ao Recorrente ser substituída pela aplicação de uma pena de admoestação penal porquanto, no caso concreto, se mostram verificados todos os pressupostos legalmente exigidos.

6ª- Sem prescindir, e caso assim não se entenda, sempre a pena de multa aplicada ao Recorrente deverá ser especialmente atenuada.

7ª- Nesta parte, entendeu o Tribunal a quo que “ainda que os valores tenham sido integralmente repostos antes da prolação da decisão final, o certo é que as exigências de prevenção especial desaconselham firmemente a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, porquanto será a terceira vez que o arguido será condenado pela prática do mesmo crime, o que evidencia uma conduta tendencialmente contrária ao Direito, plasmada até posteriormente pela prática de crime de falsificação de documento, ao abrigo do entendimento que perfilhou, no sentido de que a aplicação do instituto de atenuação especial da pena apenas poderá ter lugar em casos extraordinários, que impliquem uma diminuição da ilicitude, culpa e exigências de prevenção (necessidade da pena),

8ª- Numa clara interpretação unitária do disposto no artigo 72º do Código Penal.

9ª- No entanto, e na senda do decidido no douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-02-2018, consultável em www.dgsi.pt, não só “o art. 72.º do Cód. Penal refere-se às circunstâncias comuns de especial valor atenuativo (que modificam a moldura penal abstracta), não expressamente previstas na lei,”

10ª - Como é inegável que, a norma constante do artigo 22º do R.G.I.T., determina um tratamento privilegiado, enquanto lei especial, na medida em que a atenuação especial da pena surge, nesse contexto, em termos mais amplos do que no âmbito do Código Penal.

11ª- Exigindo-se apenas para o accionamento do instituto da atenuação especial da pena constante do artigo 22º do RGIT, o reconhecimento da responsabilidade por parte do infractor e a regularização da situação tributária até à decisão do processo,

12ª- Pressupostos esses que, como se viu, se mostram cumpridos no caso dos autos,

13ª- E que justificavam, como justificam, por si só, a atenuação especial da pena aplicada ao Recorrente.

14ª- Razão pela qual, ao decidir como decidiu, a sentença de que ora se recorre violou e fez uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 40º, n.º 1 e 2, 60º, 71º e 72º todos do Código Penal e dos artigos 12º, n.º 1, 13º e 22º do R.G.I.T.

15ª- Devendo por isso, ser revogada, determinando-se, em consequência, que a pena de multa aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo seja substituída pela aplicação de uma pena de admoestação penal ao abrigo do disposto no artigo 60º do Código Penal, ou, pelo menos, que se proceda à atenuação especial da pena de multa aplicada, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 22º do RGIT.

Termina pedindo a substituição da pena de multa pela pena de admoestação ou, subsidiariamente, a atenuação especial da pena de multa.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público, devidamente notificado para o efeito, não apresentou resposta ao recurso.

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Tendo tido vista do processo, a Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso, defendendo que deverá proceder-se à aplicação da atenuação especial da pena prevista no n.º 2º do artigo 22º do RGIT, reformulando-se a pena de multa em que o arguido foi condenado.

*

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta pelo arguido.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação e considerando as questões de conhecimento oficioso, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir:

Determinar se os critérios e os parâmetros utilizados pelo tribunal “a quo” para proceder à escolha da pena aplicada ao arguido se revelam legalmente fundados, ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do arguido, imporiam a aplicação ao recorrente da pena de admoestação, ou, subsidiariamente, de uma pena de multa especialmente atenuada.

***

II.II - A sentença recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos:

“Factos provados:

1. A sociedade arguida AA, Ld.ª, com o NIPC …, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de … e com sede na …, em …, dedicou-se, durante o período infra indicado, à atividade de agência de viagens de turismo e outras atividades de apoio turístico, prestação de serviços a operadores turísticos, transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, aluguer de veículos automóveis e prestação de serviços na área das telecomunicações e serviço de mudanças.

2. Desde 05-02-2014 até ao presente a gerência de tal sociedade esteve a cargo do arguido BB, sendo o responsável por todas as decisões relativas à gestão da referida sociedade, assinando contratos com trabalhadores, estabelecendo contactos com clientes e fornecedores, com entidades bancárias e entidades públicas como Serviços de Finanças e Segurança Social, e procedendo a pagamentos aos credores da sociedade arguida.

3. No âmbito de tais funções e no período de tempo mencionado em 2., cabia ao arguido BB a tarefa de efetuar os pagamentos dos vencimentos aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais da sociedade arguida, efetuar as deduções em tais remunerações das quotizações devidas à Segurança Social, bem como proceder à sua entrega àquela entidade.

4. No decurso da sua atividade e no...

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