Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 1121/21.1T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-24)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022
Procº nº 1121/21.1T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1296)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

O A., AA, aos 16.04.2021, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., Lda., pedindo que:
I – Seja reconhecida válida a rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho que existiu entre autor e ré, operada pelo A.;
II – A Ré seja condenada a pagar ao Autor:
1. €. 436,62 do Subsídio de Férias de 2020;
2. €. 655,00 do Subsídio de Natal de 2020;
3. €.272,16 da restante remuneração do mês de Março de 2020;
4. €.18.10 da restante remuneração do mês de Abril de 2020;
5. €. 234,81 da restante remuneração do mês de Junho de 2020;
6. €.665,00 da remuneração do mês de Fevereiro de 2021;
7. €.50,00 do subsídio de alimentação do mês de Fevereiro de 2021;
8. €.354,67 da remuneração de 16 dias do mês de Março de 2021;
9. €.665,00 das férias vencidas a 1/01/2021 (artigos 237º, 238º e 245º do CT) – 22 dias úteis;
10. €.665,00 do Subsídio de Férias vencido a 1/01/2021 (artigos 237º, 238º e 245º do CT) – 22 dias úteis
11. €.306,92 dos Proporcionais de Férias e Subsídio de Férias pelos meses de contrato trabalho em 2021 (artigo 245º do CT) – 5 dias uteis x 2;
12. €.138.54 proporcionais Subsídio de Natal de 2021 (alínea b) do nº 2 do artº 263º do Código do Trabalho) – 6,25 dias x 22.16;
13. A indemnização devida nos termos conjugados do disposto no art.º 391º do Código do trabalho, no valor de €.6.816,25 assim calculada €.665 : 30 x 45 = 997,50 x 6 anos e 10 meses;
14. A título de danos não patrimoniais a quantia de €.10.000,00.
III - A Ré seja condenada em demais acréscimos legais, designadamente juros legais de mora, incluindo custas e procuradoria.
Alegou para tanto e em síntese que resolveu o contrato de trabalho com justa causa com base em remunerações em atraso, tendo direito às quantias que peticiona.

Realizada a audiência partes, a Ré, aos 07.06.2021, contestou, em síntese: alegando que a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa é desprovida de factos que a sustentem e invocando a caducidade do direito de resolução. Mais alega que se encontram em dívida, apenas, parte dos subsídios de férias e de Natal, mas em montantes inferiores aos reclamados e a retribuição de fevereiro de 2021, não se encontrando em dívida as retribuições de março, abril e junho de 2020; invoca dificuldades financeiras e de tesouraria; nega a existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho; invoca o abuso de direito; e deduz pedido reconvencional reclamando indemnização correspondente ao aviso prévio em falta.
Concluiu nos seguintes moldes: “NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EX.A DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER CONSIDERADA IMPROCEDENTE DESDE LOGO POR PROCEDENTE A EXCEÇÃO DA CADUCIDADE E, AINDA, POR NÃO PROVADA E ABSOLVIDA A DEMANDADA DOS PEDIDOS, NOS EXACTOS TERMOS DEFINIDOS NA PRESENTE CONTESTAÇÃO DEVE A RECONVENÇÃO SER CONSIDERADA PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA SER DECLARADA ILÍCITA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR DEMANDANTE, DEVENDO ESTE SER CONDENADA A PAGAR A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO A QUANTIA DE € 1 310, 00, ACRESCIDA DE JUROS À TAXA LEGAL, DESDE 17.3.2021”

O A. respondeu à contestação de concluindo no sentido de: “a) AS EXCEPÇÕES INVOCADAS PELA RÉ SEREM JULGADAS IMPROCEDENTES E b) O PEDIDO RECONVENCIONAL FORMULADO PELA RÉ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE E NÃO PROVADO (…)”.

Por requerimento de 08.07.2021, a Ré informou ter no dia 02.07.2021 dado início ao Processo Especial de Revitalização (PER) nº 974/21.8T8AMT, requerimento esse notificado ao A. (notificação entre mandatários).

Foi junto aos autos anúncio do despacho de nomeação de administrador judicial provisório e, aos 15.07.2021, foi nos presentes autos proferido o seguinte despacho: “Uma vez que se encontra a correr processo especial de revitalização da aqui Ré, conforme decorre do anúncio de fls. 185, ao abrigo do disposto no art. 17º-E, nº 1, do CIRE declaro suspensa a presente acção. despacho declarando, ao abrigo do disposto no art. 17º-E, nº 1, do CIRE suspensa a presente acção”, notificado ao A., via citius, com data de elaboração de 16.07.2021.

Aos 05.01.2022 foi, no mencionado Processo 974/21.8T8AMT, proferida sentença homologatória do plano de revitalização, a qual transitou em julgado aos 21.01.2022 (conforme informação do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este de 01.02.2022), decisão essa de onde consta, para além do mais, o seguinte: “A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, nos termos previstos no artigo 17.º-F, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”

Aos 08.02.2022 foi, nos presentes autos, proferida a seguinte decisão, ora recorrida:
“Resulta dos autos que foi aprovado e homologado plano de recuperação da Ré no âmbito de processo especial de revitalização, não tendo aí sido previsto o prosseguimento desta acção pendente contra aquela sociedade.
Consequentemente, nos termos do disposto nos arts. 17º-E, nº1, do C.I.R.E. e 277º, al. e), do C.P.Civil, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide.
Custas pela Ré – art- 536º, nº3, do C.P.Civil.
Valor da acção: €11.278,09.”.

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida constitui ofensa ao direito e aos princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente por violar o principio do acesso ao direito e aos tribunais legalmente consagrado no artigo 20º da nossa Lei Fundamental, ao não permitir à Recorrente o recurso ao tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito que a devedora (C..., Lda. ) requerente do PER já no decurso do processo do Recorrente, não relacionou nem reconheceu;
II. O Recorrente propôs no tribunal a quo acção Emergente de Contrato de Trabalho sob a forma de Processo Comum, contra a Recorrida, peticionando que seja reconhecida válida a rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho operada pelo Autor (Recorrente);
III. Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
IV. Seguindo a causa os seus devidos termos, estava já designado dia para a audiência final, quando sobreveio conhecimento aos autos da existência do PER e posterior homologação de plano de revitalização da C..., Lda.
V. O tribunal a quo, invocando o disposto nos arts. 17º-E, nº1, do C.I.R.E. e 277º, al. e), do C.P.Civil, julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
VI. O Tribunal a quo interpretou incorrectamente o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, partindo de dois pressupostos incorrectos quanto a esta questão particular, pois pese embora o plano de recuperação não o tenha previsto, a continuação do presente processo era do pleno conhecimento da Ré/Recorrida e, quando o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE se menciona “acções para a cobrança de dívidas” o legislador não pretendeu incluir as acções declarativas, na qual se insere o presente processo (acção declarativa emergente de contrato de trabalho).
VII. Uma acção declarativa na qual se peticiona o reconhecimento como válida a resolução do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador e a condenação da contraparte a, sendo reconhecida essa validade da resolução com justa causa, a um pagamento não pode ser entendida como uma acção para cobrança de dívida porquanto o que se visa exactamente com aquela acção é o reconhecimento ou tutela judicial dessa dívida;
VIII. O Recorrente, no processo a quo, pretende que o tribunal lhe reconheça a existência de um crédito que, por ora, apenas surge como potencial, mas o Tribunal a quo apenas enquadrou a presente acção como uma mera acção para cobrança de dívida, o que ainda assim tal não redundaria na extinção da presenta acção.
IX. O Tribunal a quo era plenamente conhecedor, conforme consta da sentença, que o Autor, ora Recorrente, não viu o seu crédito ser reconhecido no PER da Ré; e que não foi apreciado nesse mesmo PER o mérito da pretensão que o Recorrente submeteu à consideração do Tribunal a quo;
X. A Sentença de que se recorre – se não for revogada - confinaria o Recorrente ao “pior dos dois mundos”: Por um lado, não foi reconhecida ao Recorrente a qualidade de credor para ser notificado pela Ré do início das negociações ou para ser incluído da relação de credores no PER da Ré; Por outro lado, o seu crédito também não seria apreciado na presente acção declarativa, ficando o Recorrente impedido de ver os tribunais pronunciarem-se sobre a questão de mérito
XI. A decisão recorrida priva o Recorrente de ter uma definição jurisdicional acerca do direito de que se arroga, quando, em tempo e na forma que a lei processual prevê, recorreu ao Tribunal;
XII. A decisão do Tribunal a quo de que se recorre é inconstitucional porquanto confronta e viola os direitos de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.” (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
XIII. A interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE que se coaduna com as normas legais superiores é de: que as acções que versem sobre créditos litigiosos que não foram reconhecidos ou reclamados num PER e sobre as quais não tenha havido decisão de mérito, não podem ser extintas com a homologação do plano de revitalização, devendo prosseguir.
XIV. Interpretação dominante da Doutrina e Jurisprudência mais recente, pelo que deveria o Tribunal a quo, em estrito cumprimento do disposto nos artigo e do Código Civil Português, ter prosseguido com os
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT