Acórdão nº 11199//21.2T9PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-12-06

Data de Julgamento06 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão11199//21.2T9PRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 11199/21.2T9PRT-A.P1
1ª secção



Acordam em conferência na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto


I - RELATÓRIO
AA, Juiz de Direito a exercer funções no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz ..., Comarca do Porto veio, ao abrigo do disposto no art. 43º do Cód. Proc. Penal, pedir escusa de intervir no processo comum nº 11199/21.2T9PRT distribuído àquele juízo, porquanto nesses autos foi deduzida acusação imputando à arguida a prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 als. a) e e) do Cód. Penal, tendo a acusação sido proferida pelo Sr. Procurador da República BB, que é cunhado do escusante, por ser irmão da sua esposa.
Assim, invocando que poderá haver suspeita sobre a sua imparcialidade, não obstante considerar que a mesma, na sua vertente subjetiva, não está afetada, solicita a sua escusa para intervir nos autos na fase de julgamento.
Mostra-se junta aos autos certidão da acusação deduzida pelo Mº Público.
Colhidos os vistos, foram os autos de imediato à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nos termos do artº. 43º nº 4 do Cód. Proc. Penal, “o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2” do mesmo preceito, isto é, “quando a sua intervenção no processo correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (é a hipótese prevista no nº 1 do mesmo art. 43º) ou quando se verifique a sua intervenção noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo, fora dos casos do artigo 40º (é a situação contemplada no nº 2 do cit. art. 43º).
Como é sabido, o legislador, no respeito pelos direitos dos arguidos consagrou, no âmbito da jurisdição penal, como princípio fundamental, o princípio do juiz natural.
A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.° n.° 9 "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior"), com a exceção de casos especiais legalmente consentidos.
O legislador pretendeu, assim, proteger os arguidos – logo a partir da titularidade do direito de punir – pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito.
O princípio do juiz natural não foi, pois, estabelecido em função do poder de punir, mas somente para proteção da liberdade e do direito de defesa do arguido. O que significa que esse princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa.
Entre esses outros princípios pode seguramente contar-se o da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental (cfr. ainda art.ºs 203.º e 216.º), que pode subsistir na ordem jurídica, compatibilizado com aqueloutro, assim se obstando à ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, acautelando-os através de mecanismos que garantam aquelas imparcialidade e isenção, como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.
E que há de naturalmente prevalecer como o melhor guardião das garantias de defesa do arguido asseguradas pelo legislador constitucional, mas de uma forma precisa e atenta.
Daí que na legislação ordinária se tenha aberto mão da regra do juiz natural somente em circunstâncias muito precisas e bem definidas, tidas por sérias e graves, e, como se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça, «irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção»[1].
Mas quando é que se pode afirmar com rigor que um juiz, legalmente competente para o efeito, deixou de oferecer garantias para julgar um processo de forma imparcial e isenta?
Como referiu o Conselheiro Cabral Barreto[2] «deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos».
Só é, assim, lícito o recurso a tais mecanismos em situação limite, quando, como dispõe o art. 43.º, n.º 1 do CPP, a intervenção de um juiz no processo correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (n.º 1).
O que impõe, para que possa ser pedida a escusa/recusa de juiz, que:
– A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
– Por se verificar motivo,
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