Acórdão nº 1118/18.9JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-05-2023

Data de Julgamento29 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão1118/18.9JABRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
Nos presentes autos com o nº1118/18...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), por despacho proferido em 16/1/2023, foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº1, alínea a), do C.Penal, revogar a suspensão da execução da pena de 4 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido AA.

2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. O arguido, aqui recorrente, foi condenado por douto acórdão, proferido em 02-06-2021, transitado em julgado em 24-11-2021, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e dez meses de prisão, a qual foi suspensa, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, o qual assentará num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
2. Entretanto, por douta decisão proferida no dia 16 de janeiro de 2023, o Tribunal a quo revogou tal pena suspensa, por ter entendido que o arguido, aqui recorrente, ao não ter comparecido na DGRSP a fim de ser elaborado o plano de reinserção social, infringiu de forma grosseira e reiterada os deveres a que estava obrigado, pelo que e, consequentemente, o mesmo é desmerecedor do juízo de prognose favorável propugnado no douto acórdão que o condenou e que lhe suspendeu a execução daquela pena.
3. A douta decisão, ora recorrida, revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado o arguido/recorrente, com o fundamento essencial de que, o mesmo, não compareceu nas instalações da DGRSP, a fim ser elaborado o seu plano de reinserção social, durante um período aproximado de um ano (na verdade foram 10 meses), apesar de ter sido contactado e convocado para o efeito, situação que configura - segundo a decisão recorrida - uma infração culposa, grosseira e reiterada dos deveres a que estava obrigado.
4. Salvo o devido respeito, que é muito, o arguido, aqui recorrente, não se conforma com tal conclusão na medida em que entende que a douta decisão/recorrida, violou o princípio fundamental – em sede do direito-penal - de que a sujeição de alguém à pena de prisão é sempre a ultima ratio.
5. Conforme resulta dos autos o arguido foi contactado telefonicamente pela DGRSP, tendo informado que não tinha recebido a convocatória escrita para comparecer naquele organismo, tendo então sido agendada data para a realização da entrevista presencial para o dia 17-01-2022, à qual não compareceu, por motivos pessoais – (cf. articulado com o n.º 6, dos factos dados como provados).
6. Após tal data, a DGRSP tentou contatar o arguido, aqui recorrente, por via telefónica, sem sucesso, porque o mesmo encontrava-se em Lisboa e por tal motivo não rececionou as notificações que lhe foram dirigidas e também não atendeu as chamadas telefónicas efetuadas, por aquele organismo, devido ao facto do seu telemóvel “ter tido problemas”.
7. Face a tal insucesso de contacto, a DGRSP disso deu conhecimento ao Tribunal a quo, o qual ordenou a notificação pessoal do arguido/recorrente – (cf. articulados com os n.ºs 8º, 9º e 10º, dos factos provados).
8. Para o efeito foi enviada uma convocatória, para a morada constante do TIR, a fim de se proceder à sua audição, no dia 03-10-2022, notificação que o arguido/recorrente não rececionou, devido ao facto de não residir na morada indicada em tal termo, estando nessa altura em Lisboa, razão pela qual não compareceu no dia designado.
9. Tendo a DGRSP, uns dias depois, informado o Tribunal a quo que o arguido/recorrente, até àquela data, não tinha comparecido nas suas instalações, nem tinha de alguma forma sido contactado – (cf. Articulados com os n.ºs 8º e 11º, dos factos provados).
10. Contudo, em 17/11/2022, a DGRSP informou o Tribunal a quo que o arguido/recorrente tinha comparecido nas suas instalações, no dia 11 de novembro de 2022 – (cf. articulado com o n.º 12º, dos factos provados).
11. Tendo, então, o arguido/recorrente, sido notificado, na sua atual morada, sita na Rua ..., em ..., para comparecer no Tribunal a quo, no dia 28-11-2022, tendo o mesmo comparecido – (cf. articulados com os n.ºs 12º e 13 dos factos dados como provados).
12. Por outro lado, o arguido, aqui recorrente, só tomou verdadeiramente consciência de que se encontrava sujeito ao regime de prova e consequentemente da obrigatoriedade de se apresentar perante a DGRSP, quando veio residir novamente para ... e só depois de ter contatado a sua ilustre defensora, na sequência da notificação de 17 de novembro de 2022.
13. Tal falta de cognoscibilidade deveu-se ao facto de o arguido não ter recebido as notificações, porquanto, em meados do mês de janeiro de 2022, residia em Lisboa, só tendo regressado a ..., em novembro de 2022, onde ficou – e ainda está – a residir, num hostel, mudança que lhe causou diversos problemas e o impediu de rececionar as aludidas notificações.
14. Razões pelas quais, só no dia 17 de novembro de 2022, foi devidamente explicado ao arguido o teor do acórdão de condenação, bem como todas as condicionantes inerentes à sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução e a correspetiva subordinação ao cumprimento de deveres.
15. Pelo que, o arguido, atentos os motivos supra expostos, não violou culposamente o plano de reinserção social, ao contrário do que foi defendido pelo douto Tribunal a quo. Até porque, nem sequer chegou a ser elaborado um plano de reinserção social.
16. Devendo, ainda, sublinhar-se que o arguido não tem antecedentes criminais de crimes da mesma natureza do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, não representando o mesmo qualquer perigo para a sociedade, pelo que, atendendo ao princípio da subsidiariedade da pena de prisão, se impõe a manutenção da decisão de suspensão da execução da pena.
17. Por fim, cumpre invocar que o arguido necessita de cumprir a pena imposta em liberdade, de forma a poder continuar a trabalhar e a beneficiar do apoio dos seus empregadores que são o seu único suporte neste momento.
18. Acresce, ainda, que o comportamento do arguido aquando da sua audição é demonstrativo que pretende cumprir com o plano de reinserção que lhe venha a ser aplicado, mantendo-se assim a esperança nele depositada de que alcançará a ressocialização em liberdade.
19. Por outro lado, haverá que ter presente que a revogação da suspensão só terá lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, o que não é o caso.
20. Dispõe o artigo 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
21. Sendo a definição de violação grosseira toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou das obrigações impostas, no sentido de se considerar que tal violação é grave na sua própria amplitude e determinação e não quando se traduz num mero incumprimento parcial da obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida – (cf. Neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/10/2012, Proc. n.º 91/07.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/02/2014, Proc. n.º 25/07.5PESTR.E2, in www.dgsi,pt).
22. Conforme se defende no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-02-2020, Proc. n.º 54/13.0JAGRD.C1, in www.dgsi.pt, quanto à definição do conceito de culpa grosseira na revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento da condição ou dever pelo condenado:
“(…)Temos por pacífico que a revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado, uma vez que está afastada revogação automática da suspensão, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo. (…..).
23. Razão pela qual, a culpa grosseira do condenado não se pode presumir, a mesma tem de resultar de factos ou elementos concretos e indiscutíveis coligidos nos autos.
24. Daí que, o Tribunal a quo ao revogar a suspensão de execução da pena de prisão (4 anos e 10 meses), em que foi o arguido condenado, tinha obrigatoriamente de alicerçar a sua decisão em provas irrefutáveis, para lá de toda e qualquer dúvida razoável, mormente que o recorrente infringiu culposamente e grosseiramente os deveres e as regras a que estava obrigado.
25. Ou seja: o Tribunal a quo, para revogar a suspensão da execução da aludida pena de prisão, tinha de obter prova irrefutável e segura que o condenado, aqui recorrente, incumpriu o seu dever de comparência, na DGRSP, durante alguns meses, a fim de tal organismo poder elaborar o referido plano de reinserção social, por única e exclusiva culpa grosseira da sua parte.
26. Só munido de tais provas irrefutáveis é que o Tribunal a quo poderia concluir pela existência de culpa particularmente grave ou grosseira, da parte do recorrente, no incumprimento das obrigações a que estava obrigado, no entanto, os elementos de prova coligidos nos autos não permitem, ainda, formular, com tal grau acrescido de certeza, esse juízo.
27. Aqui chegados e aplicando tais requisitos ao caso vertente, constata-se que, perante o referido circunstancialismo, o douto despacho que revogou a suspensão da execução da aludida pena de prisão, ressalvado sempre o devido respeito por opinião diversa, mostrou-se uma opção, em concreto, desproporcionada e inadequada.
28. Em síntese: atentas as razões...

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