Acórdão nº 1116/21.5T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-04

Data de Julgamento04 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão1116/21.5T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO n.º 1116/21.5T8AVR.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro– Juízo do Trabalho de Aveiro - AA, instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J2, contra D..., LDA, pedindo que seja julgada procedente, em consequência sendo:
- declarado que o A. resolveu o contrato de trabalho por justa causa;
- condenada a Ré no pagamento da quantia global de 36 125,31 euros reclamada nos artigos 11.º, 12º, 13.º e 15º da PI;
- condenada a Ré no pagamento de juros de mora, à taxa legal, reclamados no artigo 16 da PI, até integral pagamento.
Para fundamentar os pedidos, alega, no essencial, que a Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao agenciamento de jogadores de futebol, no exercício dessa actividade tendo-o admitido, em Maio de 2016, mediante ajuste verbal e por tempo indeterminado, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desempenhar as funções de agente desportivo, cumprindo um horário de 40 horas semanais e com isenção de horário fixo, auferindo a retribuição base ilíquida de 2.229 euros, acrescida de subsídio de alimentação, no valor líquido de 1.657,11 euros.
Trabalhou ininterruptamente para a Ré até 12 de Março de 2021, data em que lhe enviou uma carta registada c/ AR, comunicando a resolução do contrato de trabalho com o fundamento de ter 14 salários por liquidar, desde Janeiro de 2020, até àquela data, bem como subsídio de Natal e férias. O seu crédito sobre a Ré, nos termos que discrimina, totaliza o valor de € 36.125,31 euros.
Citada a Ré e realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
A R veio apresentar contestação.
Defendendo-se por excepção, alega que entre A. e Ré não foi celebrado qualquer contrato de trabalho, sendo que aquele omite “[..] a relação societária e de gerência que manteve na empresa ora Ré”. A empresa foi constituída em Abril de 2016, com dois sócios de capital, o Sr. BB e o Sr. AA, aqui, respectivamente, representante da Ré e Autor.
Mais alega, que desde a sua constituição que a Ré tem por gerente o Sr. AA, mediante procuração passada pelo sócio gerente designado no pacto social, tendo sido este a representar e a gerir a empresa desde o início de actividade. Foi também o Autor, na qualidade de gerente da Ré, quem declarou, à Segurança Social a existência de um contrato de trabalho entre si e a empresa Ré.
Pelo que, ao contrário do que alega, o Autor nunca foi trabalhador da Ré, sendo sócio e gerente da mesma, desempenhando as funções designadas entre as partes como de CEO, contratando e agenciando em nome da Empresa Ré e definindo a sua estratégia de funcionamento, negociando com atletas, clubes, prestadores de serviços e parceiros. Era o Autor quem detinha os cartões de débito e crédito da empresa ora Ré e os utilizava para pagamentos diversos; e, foi quem contratou, em nome da Ré, o gabinete de Contabilidade M..., LDA., e com ele se correspondia.
Nunca sendo o Autor submetido a qualquer horário de trabalho, a ordens de serviço, nem poder regulamentar ou disciplinar. Foi o próprio que comunicou a cessação do seu contrato de trabalho à SS., revogando a Procuração que lhe foi passada e renunciando à gerência.
Não existe qualquer relação laboral entre A. e Ré, já que o Autor sempre foi o gerente da empresa Ré.
Assim sendo, e mesmo se crédito existisse, nunca poderia este litígio ser dirimido pelo Juízo do Trabalho de Aveiro, por não ser sua competência em razão da matéria.
Sendo o Tribunal do Trabalho absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar o presente litígio, deve a Ré ser absolvida da presente instância, por absoluta incompetência do Tribunal onde foi proposta a acção.
O Autor apresentou resposta, pugnando pela improcedência da arguida excepção.
I.2 Findos os articulados o Tribunal a quo fixou o valor da acção em € 36.125,31.
E, do mesmo passo, proferiu despacho saneador, no âmbito do qual procedeu à apreciação da arguida excepção de incompetência material, proferindo a decisão seguinte:
-«[..]
Por a causa e a enunciação dos temas de prova não se revestir de especial complexidade, ao abrigo do disposto nos artigos 49º, n.º 3; e 62º n.º 1 do CPT, dispenso a audiência prévia, e abstenho-me de proferir o despacho previsto no artigo 596º do Código de Processo Civil (de identificação do objecto do litigio e de enunciação dos temas de prova).
*
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade e da hierarquia.
*
Na contestação, a ré invocou a incompetência material do Juízo do Trabalho e, nessa medida, requereu a sua absolvição da instância.
Alega, em síntese, que entre o autor e a ré não foi celebrado qualquer contrato de trabalho.
A ré foi constituída em Abril de 2016, com dois sócios de capital, a saber o Sr. BB e o Sr. AA, aqui, respectivamente, representante da ré e autor. E desde a constituição que a ré tem por gerente o Sr. AA, aqui autor, mediante procuração passada pelo sócio gerente designado no pacto social. Tendo sido o Sr. AA, aqui autor, a representar e a gerir a ré desde o início de actividade.
Conclui pela procedência da excepção invocada.
Na resposta, a ré pugnou pela improcedência da excepção, nos termos ali melhor expressos.
*
Considerando a causa de pedir do presente processo, cumpre apreciar da competência material deste Juízo para apreciar da pretensão do autor:
Definindo a competência do Juízo do Trabalho, estabelece o artigo 126º, n.º 1, al. b) da Lei de Organização do Sistema Judiciário (doravante designada por L.O.S.J) que “compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível..(..). das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.”
Deste modo, atenta a previsão legal decorrente da disposição legal acima citada, para se determinar a competência do Tribunal deve atentar-se nos termos em que foi proposta a acção, quer quanto aos seus elementos objectivos, quer quanto aos seus elementos subjectivos, ponderando-se a forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.
Assim, pretendendo o autor, com base em alegado contrato de trabalho, receber os créditos salariais decorrentes da resolução, com justa causa, daquele, a tramitação desta acção cabe ao Juízo do Trabalho de Aveiro.
Nestes termos, em meu modesto entender, à situação em apreço, aplica-se o disposto no citado artigo 126º, n.º1. al. b) da L.O.S.J., pelo que é materialmente competente para esta causa o presente Juízo do Trabalho de Aveiro. Todavia, considerando que a ré questiona a qualificação do contrato como sendo de trabalho, tal será matéria controvertida que cumpre dirimir em sede de instrução do processo.
À luz do exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência absoluta do Juízo do do Trabalho de Aveiro.
Como tal, o tribunal é competente, em razão da matéria».
I.3 Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o efeito e modo de subida adequados. Apresentou alegações, as quais sintetizou nas conclusões seguintes:
A. O Despacho ora recorrido viola o artigo 98.º do CPC, na interpretação que fazemos do mesmo e que é a de as excepções de incompetência deverem ser decididas definitivamente até à prolação do Despacho Saneador ou logo quando suscitadas pela parte, se posteriormente ao saneamento dos autos.
B. Porquanto, decidiu relegar a decisão definitiva sobre a competência do Tribunal para final, finda a produção de prova.
C. Pois que outro sentido extrair do excerto citado do Despacho recorrido quando a qualificação como contrato de trabalho é matéria controvertida apenas e só, salvo melhor opinião, para efeitos de decisão quanto à incompetência do Tribunal do Trabalho?...
D. O que vale por dize que, tal Decisão pressupõe uma cabal e integral instrução de prova.
E. Que não houve, como aliás o Despacho-Saneador o reconhece quando assevera que a matéria controvertida (…) cumpre dirimir em sede de instrução do processo
F. Tendo a Apelante e Ré sido apanhada de surpresa sem haver sido notificada para expressamente debater exaustivamente a matéria que motivou a excepção que invocou.
G. Pelo que, o Despacho Saneador recorrido viola também o princípio do contraditório e da suficiência da instrução probatória, constituindo também decisão-surpresa ferida de nulidade pois que a Mma. Juiz a quo conheceu de questões de que não podia então conhecer, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC.
H. Afigurando-se devida a convocação da Audiência Prévia para a finalidade descrita na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC, ou seja, para facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias
I. Não sendo legítima a sua dispensa, nos termos do artigo 593.º do
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