Acórdão nº 1109/21.2PSLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão1109/21.2PSLSB.L1-5
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
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AA foi absolvida da acusação deduzida que lhe imputava a prática de um crime de receptação p. e p. pelo nº 1 do artº 231º do Código Penal.
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Interpôs o Ministério Público o presente recurso concluindo, em resumo:
“(...) considerando a matéria dada como provada, designadamente a constante dos pontos 6 e 7, à luz das regras da experiência comum, não é possível concluir de modo diverso do que no sentido da participação, ainda que indirecta, da Arguida no logro de que a Ofendida foi objecto, na medida em que, apesar de concordamos que não foi feita prova de que a Arguida tivesse conhecimento de que as quantias em causa haviam sido obtidas nos termos descritos nos pontos 1 a 5 dos factos provados da sentença recorrida, resulta, pelo menos, que a mesma não podia deixar de ter previsto a origem ilícita de tais quantias monetárias, considerando a condição de quem lhe proporcionou o acesso às mesmas (pessoa que a Arguida mal conhecia, desconhecendo o nome completo da mesma, assim como a sua morada concreta) sendo que, não obstante, não se assegurou previamente da sua legítima proveniência.
C. Impõe-se chegar a tal conclusão através conjugação das declarações da Arguida (cfr. sessão de julgamento do dia 14/9/2023, ficheiro nº 2023091410659_20505738_2871130, com particular relevância a partir do minuto 03:00, assim como a partir do minuto 04:30, altura em que assume a autorização que deu para o acesso à sua conta e o posterior levantamento do dinheiro), com as declarações da Ofendida (cfr. sessão de julgamento do dia 4/10/2023, ficheiro nº 20231004143032_20505738_2871130, com particular relevância a partir do segundo 01:34, sendo que a partir do minuto 06:20 refere que foi ao banco e se apercebeu que, em vez de ter recebido dinheiro pela venda do sofá, lhe retiraram dinheiro da sua conta, sem a sua autorização) e dos documentos de fls. 10, 19 a 47 e 52, que demonstram que foram feitas, a partir da conta titulada pela Ofendida, três transferências de 750€ e uma de 250€, para a conta da Arguida.
D. Deste modo, a matéria de facto dada como não provada deve passar a ser considerada provada, nos seguintes termos:
- indivíduo(s) não identificados (não obstante a Arguida referir que se tratou de pessoa que só sabe chamar-se BB) abordaram a Arguida no sentido de utilizarem a sua identificada conta bancária;
- por essa via, a Arguida deveria assumir a tarefa de proceder ao imediato levantamento e mobilização das quantias que fossem creditadas, por levantamento dos montantes recebidos na sua conta bancária;
- a arguida não podia deixar de prever a origem ilícita dos 2500 € que foram transferidos para a sua conta, tendo actuado nos termos descritos conformando-se com essa possibilidade, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, e, nessa medida, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
E. Sendo assim, e no seguimento do por nós referido em sede de alegações, a Arguida deve ser condenada pela prática, pelo menos, do crime de receptação p. e p. pelo art. 231º, nº 2, do CP, cuja moldura penal é de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias, sendo que consideramos que uma pena de multa ou uma pena de prisão substituída por pena não privativa da liberdade satisfazem as finalidades da punição que in casu se fazem sentir, atentas as circunstâncias apuradas e uma vez que a Arguida tem averbada uma condenação no seu CRC por crime que se afigura ser de natureza semelhante ao crime em causa nos presentes autos (crime de auxílio material).
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Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
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Respondeu a arguida, pugnando pela manutenção do julgado.
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Corridos os vistos, foram os autos à conferência.
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Fundamentação.
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A sentença recorrida estabeleceu os seguintes factos provados:
“1. Em Julho de 2021, CC colocou à venda no OLX, um sofá, por valor não inferior a 195 euros.
2. Nessa sequência, recebeu uma chamada telefónica de um indivíduo, afirmando que estava interessado no artigo.
3.Iniciaram o diálogo para combinar os detalhes de venda, tendo combinado a forma de pagamento.
4. Por forma não concretamente apurada, o indivíduo veio a remeter-lhe dados que lhe transmitiu e que aquela teria de inserir e a pedir-lhe outros, associando, desta forma, a conta bancária ao n.º de telemóvel na aplicação MB Way.
5. Por desconhecer o funcionamento da aplicação, a ofendida veio a inserir os códigos remetidos, possibilitando, inadvertidamente, àquele indivíduo a movimentação da sua conta bancária, através da transmissão dos códigos que lhe eram facultados.
6. Por essa via, veio aquele a lograr efectuar três transferências de €750 e uma transferência de €250, no total de €2.500, para o n.º MB Way ..., associado à conta com o IBAN ..., titulada pela arguida AA.
7. A arguida levantou, pelo menos parcialmente, tais quantias para entregar a pessoa não identificada.
8. A arguida vive com um companheiro, cinco filhos – sendo que dois trabalham e contribuem para as despesas comuns - e uma neta.
O agregado familiar vive numa casa pertencente à Câmara Municipal, pagando de renda €11,40.
A arguida é DD, ganhando, em média, entre 120 a 150 euros mensais.
O companheiro da arguida trabalha, auferindo a retribuição mínima mensal garantida.
9. A arguida já foi condenada por um crime de auxílio material, em pena de multa, datando os factos de Março de 2020 e o trânsito em julgado de Março de 2022.”
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E os seguintes factos não provados:
“que indivíduos desconhecidos tenham abordado a arguida AA, no sentido de utilizarem a sua conta bancária supra descrita;
que tivesse sido combinado que a arguida deveria assumir a tarefa de proceder ao imediato levantamento ou mobilização das quantias que lhes fossem creditadas, por levantamento dos montantes recebidos na sua conta bancária;
que a arguida tenha aderido a tal plano e que, como pagamento, a arguida tenha conservado para si montante não apurado, que gastou em proveito próprio;
que a arguida soubesse que os 2.500,00 euros tinham sido obtidos após indivíduo de identidade concretamente não apurada ter levado CC a associar o telemóvel, por aquela utilizado, ao sistema MBway da sua conta do ..., assim logrando aceder ao mesmo e transmitir quatro ordens de transferência bancária, tudo sem a autorização ou conhecimento da sua legítima titular;
que a arguida, não obstante estar ciente de tais factos, tenha fornecido o NIB e MBWay associado da conta bancária por si titulada, a fim de que aqueles montantes fossem transferidos para a mesma e posteriormente levantados em ATM e em numerário, com o intuito de obter uma vantagem patrimonial para si e para terceiro de identidade não apurada, agindo com esse propósito e intenção.
que a arguida tenha agido sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”
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E como motivação do que antecede, explanou a sentença recorrida:
“O Tribunal baseou-se, para concluir pelo juízo de provado associado aos factos dados como assentes, nas declarações de CC, que explicou que colocou à venda um sofá na plataforma OLX, e narrou os acontecimentos posteriores, envolvendo o contacto de um indivíduo que disse estar interessado e a convenceu a fazer uma série de operações, envolvendo transmissão de códigos, vindo a descobrir que inadvertidamente, por essa via, tinha facultado o acesso de tal indivíduo à sua conta bancária.
Em conjugação com as declarações da ofendida, foi importante a análise dos documentos de fls. 10, 19 a 47, 52, que demonstram que foram feitas, a partir da conta titulada pela ofendida, três transferências de €750 e uma de €250, para a conta da arguida.
A arguida negou ter conhecimento da proveniência ilícita de tais montantes, explicando que foi uma amiga de nome BB, que morava no mesmo bairro e que lhe pediu se poderia fazer transferências para a sua conta bancária, provenientes de vendas, uma vez que não tinha MBWay.
A arguida aceitou e, posteriormente, foi com essa amiga levantar o dinheiro e entregou‑lhe.
Não foi produzida qualquer prova no sentido de a arguida ter agido em conluio com terceiro, sabendo que a origem do dinheiro, que receberia na sua conta bancária, era ilícita, ou de ter recebido uma contraprestação monetária pela cedência da sua conta bancária para utilização nos termos descritos.
Igualmente não foram apurados outros factos que permitissem corroborar ou infirmar a versão da arguida.
Relativamente à situação sócio-económica da arguida, foram valoradas as suas declarações prestadas em audiência de julgamento.
Foi ainda analisado o certificado de registo criminal da arguida.”
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Cumpre apreciar.
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Atendendo às conclusões apresentadas é questão elementar a resolver o alegado erro de julgamento e apenas na eventualidade de correspondente alteração factual, as consequências jurídico-penais a extrair.
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Erro de julgamento.
O recurso começa por afirmar, em substância, que a sentença sob recurso padece de erro notório na apreciação da prova, pois que “considerando a matéria dada como provada, designadamente a constante dos pontos 6 e 7, à luz das regras da experiência comum, não é possível concluir de modo diverso do que no sentido da participação (...) da Arguida no logro de que a Ofendida foi objecto.”
Mas logo depois vira a argumentação para o erro de julgamento, ao apontar as provas que imporiam solução
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