Acórdão nº 110895/21.2YIPRT.L1 -7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-14

Data de Julgamento14 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão110895/21.2YIPRT.L1 -7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I. RELATÓRIO


1.Hospital Cuf Descobertas S.A. intentou a presente acção de injunção contra A pedindo a condenação desta a pagar-lhe € 4 889,48, acrescidos de juros, alegando que, no exercício da sua actividade de prestação de serviços de saúde, prestou à R., a pedido desta, vários bens e serviços, não tendo a R. procedido ao pagamento da totalidade do valor devido

2.A R. contestou, alegando a excepção de ineptidão do requerimento injuntivo, a inexigibilidade do crédito reclamado e a inexistência da obrigação de juros, tendo ainda impugnando a factualidade alegada pela A., alegando que os valores peticionados nos autos se referem a serviços que visaram única e exclusivamente corrigir o erro cometido em cirurgia anteriormente realizada.
Mais requereu a condenação da A. como litigante de má fé.

3.–Remetidos os autos à distribuição, foi proferido despacho convidando a A. a, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção.

4.–Apresentou a A. requerimento no qual defendeu a improcedência das excepções alegadas.

5.–Foi proferido despacho julgando não verificada a excepção de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e mais convidando as partes para se pronunciarem sobre a eventual verificação da excepção dilatória inominada de inadequação processual.

6.–Pronunciaram as partes sobre tal questão, após o que foi proferido despacho, cuja parte final é a seguinte:
“Em face do exposto, por não se encontrarem verificadas as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção, julga-se verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e, em consequência, absolve-se a Ré da instância, cf. artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, todos do CPC”.

7.–Inconformada, a A. recorre desta decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A.-O Tribunal a quo andou mal quando julgou verificada a existência de uma exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção.
B.-É reconhecido pelo Tribunal a quo que se encontram verificados os requisitos para o uso do procedimento de injunção no caso em apreço,
C.-contudo o mesmo considera ser necessário que a complexidade da causa seja reduzida.
D.-Ora, com o devido respeito, que é muito, não podia o Tribunal a quo ter decidiu como decidiu.
E.-A não admissão do procedimento de injunção, decorrente da apresentação de Oposição, a contratos que originem questões eventualmente mais complexas carece de fundamento,
F.-sendo certo que não existe norma legal que imponha essa interpretação.
G.-A decisão recorrida viola as normas constantes dos artigos 547.º e 6.º do CPC,
H.-normas essas que consagram o princípio da adequação formal e o dever de gestão processual
I.-Ora, da interpretação dessas normas deveria ter resultado a prossecução da ação,
J.-porquanto ambas permitem ao julgador adequar a tramitação da causa a uma maior complexidade do litígio, na medida em que,
K.-o poder-dever de gestão processual, previsto no artigo 6.º do CPC, incumbe ao juiz a direção formal do processo, devendo o mesmo providenciar o andamento regular e célere do mesmo,
L.-e o poder de adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC, permite ao julgador edificar a tramitação processual que entenda que, perante os dados factuais alegados e os ditames de um processo equitativo, melhor se adapte à ação em concreto,
M.-Ademais, a decisão do Tribunal a quo viola, também, o artigo 152.º n.º 1 / 1ª parte,
N.-uma vez que não é razoável que este se escuse do seu dever de administrar a justiça,
O.-o que se verificou na medida em que o Tribunal a quo dispunha dos meios que lhe permitiam envidar esforços para conhecer do mérito da causa,
P.-mas, ainda assim, decidiu pela extinção da instância por razões meramente formais.
Q.-Dúvidas não restam de que as normas suprarreferidas teriam sido bastantes para que ao douto Tribunal a quo se impusesse a descoberta da verdade material.
R.-Assim, em face do exposto, impõe-se que a douta sentença recorrida seja substituída por outra que determine a prossecução dos autos.”.

8.–Em contra-alegações, a R. defendeu a improcedência do recurso.
*

II.–QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a única questão submetida a recurso é determinar se os autos devem ou não prosseguir.
*

III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para a decisão são os que decorrem do relatório supra.

IV.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Iniciaram-se os presentes autos com a apresentação de um requerimento de injunção, ao qual foi deduzida oposição, tendo o tribunal recorrido entendido que não estão verificados os requisitos necessários para este meio processual, o que constitui uma excepção dilatória inominada, a qual não permite qualquer adequação processual ou convite ao aperfeiçoamento.
Defende a apelante a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que determine a prossecução dos autos, porquanto a mesma viola o disposto nos arts. 547º e 6º do CPC e ainda no art. 152º, nº 1, 1ª parte, todos do CPC.

Vejamos.
Nos termos do art. 7º do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro (substituído pelo DL 62/2013, de 10 de Maio)”, sendo que o citado art. 1º se refere às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00.

Nas palavras de Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Coimbra, 4ª edição, 2004, pág. 150, a injunção “é um processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo extrajudicial na sequência de uma notificação para pagamento, sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição de o requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição”, visando, como refere este autor “objectivos de celeridade, simplificação e desburocratização da actividade jurisdicional, pensada com vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de médio ou reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio actual e efectivo entre o requerente e o requerido”.
Donde, o procedimento de injunção apenas pode ser utilizado para obter o pagamento de quantias que decorram do incumprimento de contratos celebrados entre as partes.

Por seu turno, o DL 32/2003, de 17 de Fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa, a Directiva nº 2000/35/CE, de 29 de Junho, alargou a aplicação da providência de injunção aos pagamentos emergentes de transacções comerciais, independentemente do valor da dívida, diploma este que foi parcialmente revogado pelo DL 62/2013, de 10 de Maio que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, e transpõe a Directiva nº 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011.
Assim, nos termos do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, o atraso de pagamento em transacções comerciais confere ao credor o direito a recorrer à
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