Acórdão nº 11/22.5PAGDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão11/22.5PAGDM.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 11/22.5PAGDM.P1

Tribunal de origem: Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 15 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto


Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


A. RECLAMAÇÃO APRESENTADA (ART. 417º/8 C.P. PENAL)

Pelo ora relator, e no âmbito do exame preliminar do processo, foi, por despacho datado de 30/03/2023, proferida decisão (que adiante se transcreve) determinando, nos termos e com os fundamentos ali elencados e ao abrigo do disposto no art. 417º/7 do Cód. de Processo Penal, não haver lugar à renovação de prova nos autos, e indeferindo a requerida realização de audiência, mais decidindo, em conformidade, dever o presente recurso ser decidido em conferência.
De tal decisão vem o arguido/recorrente AA apresentar reclamação, nos termos do disposto no art. 417º/8 do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.os 6 e 7.».
Nos termos do nº10 do mesmo art. 417º do Cód. de Processo Penal, «A reclamação prevista no n.º 8 é apreciada conjuntamente com o recurso, quando este deva ser julgado em conferência».
É o que passa, pois, a fazer–se.
*
Comecemos por fazer presente o teor integral do despacho de que ora se reclama, o que desde logo permitirá percepcionar de forma mais rigorosa a contextualização processual que lhe deu origem – e os motivos pelos quais, adianta–se, deve ser mantido na sua integralidade, não merecendo deferimento a reclamação em análise.
O despacho reclamado é, pois, o seguinte:

«2. Recurso próprio, tempestivo, legitimamente interposto, com regime e efeito de subida correctamente fixados.

No seu requerimento de recurso, complementado agora com a apresentação das respectivas “Conclusões”, vem o arguido/recorrente requerer a realização de audiência com vista à «repetição do julgamento tudo por força do artigo 411.º nº 5 do Código Processo Penal», indicando, para tal efeito, quatro pessoas a serem ouvidas como testemunhas na diligência requerida, – que não o foram em sede de audiência de julgamento em primeira instância –, e mais pretendendo apresentar nova prova documental em suporte pen–drive.

Não é, manifestamente, atendível tal pretensão processual do arguido/recorrente.

Assim, e desde logo no que tange à produção de prova que vem requerida, cumpre dizer que no art. 430º/1/a) do Cód. de Processo Penal, e a propósito da possibilidade de renovação de prova em sede de audiência em segunda instância, se especifica que «a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo».
Ora, no presente caso falecem em absoluto os pressupostos para que possa haver lugar à produção da prova que vem requerida.
Assim, e por um lado, percorridos os termos do recurso constata–se que não vem sequer invocado que a decisão recorrida padeça de qualquer dos vícios conceptuais previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal, sendo que, não pode ter lugar nem ser pedida a renovação da prova se não é invocado nenhum dos vícios em causa – neste sentido cfr. designadamente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/02/2015 (proc. 1582/12.0JAPRT.P1)[1].
Além disso, e seja como for, a verdade é que não estamos perante qualquer requerimento de renovação de prova, mas sim de produção de alegados meios de prova totalmente novos e que não foram produzidos em primeira instância, o que liminarmente inviabiliza a sua produção nesta sede de recurso.
Efectivamente, e como da própria designação processual aqui em causa resulta – “renovação de prova” –, em sede de audiência no Tribunal da Relação apenas podem ser produzidos meios de prova que já o hajam sido em primeira instância, e por forma, como se indicou, a colmatar qualquer dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/09/2013 (proc. 2046/10.1PBGMR.G1)[2], «I – A renovação da prova no Tribunal da Relação (art. 430 nº 1 do CPP) pressupõe: a) que a prova, cujo renovamento se requer, tenha sido já produzida na primeira instância; e b) que a decisão recorrida padeça de algum dos vícios indicados nas alíneas do nº 2 do art. 410 do CPP. II – Se fosse admitida na relação outra prova, para além da já produzida, o recurso deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão da primeira instância, passando a ser um segundo julgamento, desvirtuando-se o regime recursivo em processo penal».
Não será, pois, de admitir a produção de prova nos termos que vêm requeridos pelo arguido/recorrente.

Acresce que mesmo com relação à própria realização da audiência, não se mostram, afinal, reunidos os pressupostos que permitem tal procedimento nesta instância.
Na verdade, e nos termos expressamente consignados no art. 411º/5 do Cód. de Processo Penal, determina–se que «No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos».
Ora, percorridos os termos do recurso apresentado, desde logo se constata que o arguido/recorrente apenas efectua as seguintes alusões a propósito da citada disposição legal :
«81º Com isto, deve ser apurado a verdade dos factos para saber até que ponto a Ofendida prejudicou o R. na decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria criminal mas mais importante ainda quanto à matéria do homicídio qualificado em forma tentada.
82º Pelo que, é importante e indispensável realização de uma nova audiência, como já referido, isto nos termos do art.º 411.º nº 5 do CPP.»
E, mais adiante :
« Pelo que se impõe mais uma vez a reposição da legalidade quanto a esta matéria e admitir, como é o interesse do Arguido, mas do que o interesse do Arguido a imposição da lei, ouvir-se todas as testemunhas que se arrolam infra não ouvidas em sede a quo assim como aceder à apresentação de prova documental em forma de PEN (que traduzem fielmente as mensagens enviadas pela Ofendida)
E requer-se faze-lo com recurso ao artigo 411.º nº 5 do Código Processo Penal, e com as seguinte motivações de audição:
-os pontos da motivação que o Recorrente quer ver novamente debatidos, são ou têm que ver com as seguintes matérias:
-em que dia o Arguido saiu de casa da Ofendida?
-em que dia o Arguido voltou a casa da Ofendida?
-quantos dias se passaram entre a saída do Arguido da casa da Ofendida e o dia 10 de janeiro de 2022?
-o que fez a Ofendida nesse período de tempo?
-se é verdade que nesse período de tempo o Arguido não largava a Ofendida ou e pelo contrario se era a Ofendida que só descansou quando o Arguido foi a casa dela dia 10 de janeiro de 2022,
-o Arguido estava completamente alcoolizado?
-a Ofendida estava alcoolizada?
-existe prova escrita de que a Ofendida não sossegou enquanto não falou e se encontrou com o Arguido? qual?
-é verdade que a Ofendida, já que não conseguia chegar à fala com o Arguido, tentou durante todo aquele período de tempo chegar ao Arguido por via da mãe do Arguido? ».
Ou seja, muito claramente – aliás, de forma perfeitamente explícita – os “pontos” que o recorrente pretendia ver debatidos em sede de audiência seriam, afinal, concretas questões de facto a cuja demonstração se propunha com recurso aos novos (e não renovados, reitera–se) elementos de prova cuja produção requeria no âmbito «de uma nova audiência» que era, afinal, aquilo que pretendia – mas que não é, de todo, admissível nesta sede, como acima se viu.
Manifestamente não preenche aquela indicação, pela intrínseca inadmissibilidade do acto processual que consubstanciava a respectiva satisfação, os requisitos exigidos no art. 411º/5 do Cód. de Processo Penal. Não sendo aqueles pontos susceptíveis de debate nos termos da mesma disposição processual, deve considerar–se que o recorrente em bom rigor acaba por não identificar de forma adequada os pontos do seu recurso que pretende ver debatidos em sede da requerida audiência, perdendo esta o seu sentido útil.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/11/2009 (proc. 371/07.8TAFAF.G1)[3], «O direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de audiência pública no Tribunal Superior e a oralidade na discussão do recurso. O requerimento do recorrente para julgamento do recurso em audiência com omissão de indicação das questões a debater deixa aquele acto sem objecto, pelo que deve ser indeferido».

Em face de tudo o exposto, nos termos das disposições legais elencadas e mais do art. 417º/7 do Cód. de Processo Penal, decide–se não haver lugar à renovação de qualquer prova, assim como se indefere a realização de audiência, devendo o presente recurso ser decidido em conferência.
Notifique.
*
3. No âmbito da vista processual que foi efectivada nos termos do art. 416º do Cód. de Processo Penal, a Digna Procuradora–Geral da República limitou–se a tomar conhecimento do recurso, nos termos do nº2 do citado artigo, o que fez, naturalmente, em virtude de vir requerida pelo recorrente a realização de audiência e, assim, no pressuposto processual de que seria por via de tal procedimento que o recurso seria decidido.
Sucede que, como acaba de se decidir supra, não foi afinal admitida a realização da requerida audiência, determinando–se que o recurso será decidido em conferência.
Em tais termos, e tendo–se, assim, alterado aquele aludido pressuposto processual, determina–se que, antes de mais, os autos voltem com vista ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art. 416º/1 do Cód. de Processo Penal. ».

Por seu turno, é do seguinte teor a reclamação ora apresentada :
1. Diz o art.º 416.º do CPP, assim:
1 - Antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso.
2 - Se tiver sido requerida
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