Acórdão nº 1068/23.7T8OAZ-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-02-2024

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1068/23.7T8OAZ-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 1068/23.7T8OAZ-B.P1

[Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis - Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos: Anabela Andrade Miranda

João Diogo Rodrigues

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

Nestes autos de incidente de qualificação da insolvência, por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de A... UNIPESSOAL, LDA., vieram os Credores AA, BB, CC, DD e EE pronunciar-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, alegando em síntese, que a Devedora nunca pretendeu liquidar qualquer das suas dívidas e que o atraso na apresentação à insolvência foi só um pretexto para a dissipação do património através da celebração de negócios com pessoas especialmente relacionadas.

2.

A Exma. Administradora da Insolvência (AI) também defendeu que a insolvência da Devedora é culposa, decorrente da dissipação de bens e da celebração de negócios ruinosos com pessoas especialmente relacionadas, para além da verificação de irregularidades na contabilidade.

3.

O Ministério Público acompanhou o entendimento dos ditos Credores e AI acerca da qualificação da insolvência.

4.

Em 11.09.2023 foi proferido o seguinte despacho:

[Regularmente notificada a devedora e citada a requerida gerente, não foi apresentada qualquer oposição aos pedidos de qualificação de insolvência como culposa.

Nos termos do disposto no artigo 188.º, n.º 8, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas é aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações.

De harmonia com o estatuído no artigo 134.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º.

De igual modo, nos termos do artigo 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respectiva lista e não impugnados. Ou seja, inexistindo impugnação os créditos são reconhecidos – salvo erro manifesto – como constantes da lista de créditos reconhecidos apresentada, o que configura um efeito cominatório da revelia equivalente a considerar-se os factos como provados, em caso de falta de impugnação.

E se é certo que a Lei não confere uma resposta clara em caso de não existir apresentação de oposição em sede de incidente de qualificação de insolvência, temos que por aplicação do mencionado artigo 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi do art. 188.º, n.º 8 do mesmo código, caso inexista oposição ao incidente de qualificação de insolvência, dever-se-á proferir decisão, o que equivale a dizer que se consideram confessados os factos alegados.

Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 293.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere. Ora, a causa em que o incidente se insere é o processo de insolvência.

No âmbito do processo de insolvência, temos que o artigo 30.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas refere expressamente que “Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial”.

Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed, pág. 242, defendem que “ainda assim, o único sentido possível da parte final do nº 5 do artigo 30º é o de que a falta de oposição não tem um efeito cominatório pleno, cabendo ainda ao juiz proceder a uma reapreciação dos factos que constituem a causa de pedir e se consideram confessados (a solução geral dada pela lei processual civil comum para o tratamento da revelia – cfr. artigo 567º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Deste modo, impõe-se concluir que nos termos dos mencionados preceitos legais, em caso de falta de oposição por parte do(a/s) requerido(a/s), se consideram como provados os factos alegados no requerimento de abertura do incidente de qualificação de insolvência, bem como alegados pelo Sr. Administrador de Insolvência e pelo Ministério Público, caso não sejam os requerentes do incidente.

Poderia questionar-se se as consequências gravosas da qualificação da insolvência como culposa deveriam, antes, levar a que considerássemos a revelia inoperante (entendimento que temos vindo a defender até ao momento).

Porém, num novo estudo deste instituto, de outras normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e das normas do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, cremos não existir razões para tal até porque a condenação nesta sede não tem efeito probatório pleno em sede de processo criminal.

Veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 12.03.2015 (Proc. n.º 227/12.2TBSSB-D.E1) em que se decidiu que não choca que, quando não existe oposição por parte do devedor no incidente de qualificação da insolvência, se tenham por confessados os factos contra si alegados pois que a confissão dos factos não representa, só por si, a condenação no pedido, já que é sempre necessário que o juiz integre tais factos no direito, ou seja, que deles retire as devidas consequências jurídicas.

Nestes casos o juiz terá em conta não apenas os factos e argumentos constantes do incidente de qualificação de insolvência, mas todos os factos, documentos e circunstâncias que constem do processo de insolvência e que se mostrem relevantes para o adequado juízo referente à qualificação da insolvência (artigo 11º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Em face do exposto, considerando os preceitos legais aplicáveis e supra descritos, impõe-se concluir, agora, que no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, em caso de falta de oposição dos requeridos, se consideram confessados os factos.


*

Assim, em face da falta de oposição dos requeridos, declaro confessados os factos constantes nos pareceres dos credores requerente, da Exma. AI e do Ministério Público.

Notifique, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.]

5.

Cumprido o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPCivil), ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), vieram os Credores AA, BB e CC apresentar alegações, mantendo o teor dos pareceres de qualificação.

6.

Em 3.11.2023 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

[Nestes termos, decide-se:

a) Qualificar a insolvência da “A... Unipessoal, Lda.” como culposa;

b) Declarar afectada por tal qualificação a requerida FF;

c) Decretar a inibição da requerido para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 4 (quatro) anos;

d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo requerido e a sua condenação a restituir os bens ou direitos que haja recebido em pagamento desses créditos.

e) Condenar o requerida a indemnizar os credores da devedora no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do seu património.


*

Custas pela MI.

Valor para efeito de custas: 30.000,01€.

Notifique.


*

Após trânsito, dê-se cumprimento ao disposto no artigo 189º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.]

7.

Inconformada com a sentença, a Insolvente A... UNIPESSOAL, LDA. veio interpor o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

I) O Tribunal limita a sua fundamentação de direito, e concretamente...

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