Acórdão nº 10633/21.6T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-03

Data de Julgamento03 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão10633/21.6T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra SUCH - Serviço de utilização Comum dos Hospitais, ambos com os sinais dos autos.
Alegou que foi ilicitamente despedido pelo Réu, pedindo a condenação deste a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à reintegração, estando vencida a importância de €5.180,00, e os respectivos juros de mora.
Foi realizada a audiência de partes, sem acordo.
O Réu contestou, impugnando a versão do Autor.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos acima citados, julgo integralmente procedente a presente acção e, em consequência:
-- A. Condeno a ré Such – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais a reintegrar o autor AAA no seu posto de trabalho.
B. Condeno a ré Such – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais no pagamento ao autor AAA de todas as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até à reintegração; sendo que, à data de 30-4-2021, o respectivo montante em dívida ascendia a €5.180,00 (Cinco mil, cento e oitenta euros).
C. Às quantias acima referidas em B. acrescem juros de mora à taxa legal sobre tais prestações desde o seu vencimento”.

1.2. Inconformado com essa decisão dela recorre o Réu, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
A. i. A ora Recorrente entende que o Douto Tribunal andou mal em não ter considerado como provado, e com relevância para a Decisão da causa, o fato de o Recorrido não ter efetuado, em devido tempo, a entrega do certificado temporária para o trabalho e referente ao período entre 9 de agosto e 7 de setembro;
ii. Da prova produzida, e em especial do depoimento de parte do Recorrido (prova gravada 2022046100809 minutos 20:38 a 29:25), bem patente ficou que a Recorrente nunca teve conhecimento de qualquer comunicação das baixas do Recorrido, e referentes a junho, julho e agosto de 2020.
iii. Tanto mais que, a baixa referente ao mês de agosto de 2020, a qual tinha início a 9 de agosto e termo a 7 de setembro de 2020, tão só foi entregue após o Recorrido ter rececionado, a 31 de agosto de 2020, a carta que o notificava do abandono do posto de trabalho.
iv. É o próprio Recorrido quem espontaneamente afirma “eu simplesmente não me preocupei na situação de que não tinham recebido”
v. Posto que deveria o Mertº Juiz “a quo” ter dado como provados os seguintes fatos: <> O Autos não fez a entrega do certificado da incapacidade temporária para o trabalho, referente ao período entre 9 de agosto e 7 de setembro de 2020, e <> O Autor só fez a mesma entrega após ter rececionado, a 31 de agosto de 2020, a carta que o notificava do abandono do posto de trabalho, tendo-se dirigido ao hospital e feito a mesma entrega e 7 de setembro (cfr. docº 10 junto com a p.i).
B.
i. Não decidiu corretamente o Mertº Juiz “a quo” ao proferir a douta Sentença do modo como o fez, ou seja, 2º motivo para a cessação do contrato de trabalho celebrado entre o autor a e ré deve ser considerado improcedente, pelo que a cessação operada pela ré configura um despedimento informal e sem justa causa …”. Fundando tal posição por o autor nunca ter manifestado perante a ré a sua intenção de não retomar as suas funções, alem de que, face ás sucessivas baixas apresentadas pelo autor impõe concluir-se que o contrato de trabalho encontrava-se suspenso na sua execução. Porém,
ii. Sendo certo que, e por força da lei, a suspensão contratual dá-se quando exista impedimento do trabalhador a prestar a sua atividade, por causa que não lhe seja imputável, e que dure mais de um mês;
iii. Todavia, no presente caso, em que o Recorrido, após ter expirado um prazo de baixa médica, conhecida pela Recorrente – 9 de junho de 2020 -, deixa de comparecer ao serviço, não justifica a sua ausência, não é crível que a ora Recorrente averigue a razão, o porquê de tal conduta, nem que fique a aguardar o decurso do prazo de uma eventual suspensão, que nem sequer sabia se tinha fundamento legal para vir a acontecer;
iv. Exigia-se que o Recorrente indica-se os motivos da sua falta, que no presente caso, não o fez, nem tão pouco teve o cuidado de atentar ao teor da mensagem que, alegadamente, enviou a 12 de junho e em 14 de julho de 2020 (fato dado como provado. E, mais, não serão necessário conhecimentos informáticos para entender o que ali está escrito, basta saber ler, e tanto mais que o Recorrente tem o 3º ciclo de escolaridade (fato dado como provado 16);
v. Pelo que, decorridos os prazos das baixas de junho, julho e agosto, e pelo fato de o Recorrente não ter retomado a sua atividade, nem nada disser, findo o prazo de 10 dias úteis (art.º 403 nº 2 do CT e Clausula 126 nº 2 do AE, podia o ora Recorrente considerar a presunção de abandono de trabalho;
vi. Ora, o Recorrente não tem conhecimento, a que título vai imputar a ausência do recorrido a doença deste, ou como poderia concluir pela suspensão do contrato de trabalho se nenhuns elementos para tal?
vii. Foi dado como provado que o Recorrido não fez chegar ao conhecimento da Recorrente a razão da sua ausência, nem nada exige que se indague sobre tal, é perfeitamente legítimo que se considere o abandono de trabalho, utilizando a presunção legal que a Lei estabelece a favor da Recorrente (art.º 403 nº 2 do CT e Clausula 126 nº 2 do AE);
viii. Ora, a ausência do recorrido por um período mínimo de 10 dias úteis, no caso 52 dias úteis, entre 9 de junho e 7 de setembro, sem que tivesse da sua parte a existência de qualquer comunicação, leva forçosamente à presunção de abandono de trabalho podendo a ora Recorrente, com base em tal ausência, emitir a comunicação a que refere o nº 3 do art.º 403 do CT e nº 5 da Clausula 126 do AE, enquanto formalidade essencial para que a cessação do contrato por abandono de trabalho seja operante (fato provado 13);
ix. Se o recorrido pretendia evitar, a partir do momento em que terminou a baixa, que a mencionada presunção não funciona-se contra ele deveria ter providenciado pela comunicação sucessiva das razões da sua ausência;
x. Não obstante até alegou que o fez – fatos provados 10 e 11, todavia não logrou fazer prova de tais fatos, como lhe era exigível;
xi. Passando a funcionar a presunção, legal, “iuris tantum” só poderia ser ilidida, nos termos do nº 4 do art.º 403 do CT e Clausula 126 nº 4 do AE, com a demonstração por motivo de força maior.
xii. O que o Recorrido não fez prova, e se atentarmos ao fato provado 11, em que o Recorrido recebe a mensagem nos documentos, datados de 12.06.2020 e 14.07.2020, com o seguinte teor “Endereço não encontrado. A sua mensagem não foi entregue a (…)”, isto por um lado, e por outro, quanto à baixa de agosto de 2020, que se iniciou a 9 de agosto de 2020 e termo a 7 de setembro de 2020, nem tão pouco se preocupou em tentar enviar;
xiii. Transparecendo de toda a factualidade dada como provada, que a presunção legalmente estatuída, o abandono de trabalho passou a presumir-se, não conseguindo o Recorrido ilidir a mesma presunção;
xiv. Como o Recorrido não provou que fez a comunicação à Recorrente, prevista no art.º 403 nº 4 do Cód.Trabalho indicativa dos motivos da sua ausência, ou até a impossibilidade, por motivos de força maior, de a efetuar, nem demonstra que a ora Recorrente tinha deles conhecimento, não pode relevar para a contagem do aludido prazo de 10 dias úteis, uma eventual demonstração “a posteriori” de entretanto ter ocorrido uma causa de suspensão do contrato de trabalho.
xv. Pelo que, não podia o Mert.º Juiz “a quo” ter decidido do modo como decidiu.
Termos em que,
Deve a Mui Douta Sentença “a quo” ser revogada e absolver-se a Recorrente de todos os pedidos Só assim se fará JUSTIÇA.
1.3. O Autor contra-alegou com vista à manutenção da sentença.
1.4. O recurso foi admitido com o efeito e regime de subida adequados.
1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deste modo, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto e em aquilatar se ocorreu abandono do trabalho por parte do Autor.
3. Fundamentação de facto
3.1. Encontram-se provados os seguintes factos:
1. O réu é uma pessoa colectiva de Direito privado e utilidade pública administrativa, que exerce a sua actividade nas áreas instrumentais à actividade de prestação de cuidados de saúde, designadamente nas seguintes áreas [documento n.º 2 junto com a PI – certidão permanente da ré – e documento n.º 1 junto com a contestação – Estatutos da ré -, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido].
2. O autor foi admitido ao serviço do réu em 01/03/2019, mediante contrato de trabalho escrito, a termo incerto, para desempenhar as funções inerentes à categoria de técnico de electromecânica (documento n.º 3 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
3. O seu local de trabalho era nas instalações do CHULC, EPE – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (Hospital …).
4. Mediante a retribuição mensal ilíquida de €600,00, que passou para €635,00 no ano de 2021, a que acrescia a quantia de €4,77 por dia efectivo de trabalho a título de subsídio de alimentação.
5. No âmbito do aludido contrato, o autor cumpria o horário de 40 horas semanais, das 08:00 h às
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT