Acórdão nº 1063/20.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão1063/20.8T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

E. T., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra; ”X - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.“ (1ª) e “Y – Rondas e Segurança, Ldª” (2ª).

O autor pede que o tribunal:
– declare que não existiu transmissão de empresa ou estabelecimento da 1ª ré para a 2ª ré e, em consequência, condene a 1ª ré a reconhecer o autor como seu trabalhador e a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade no valor mínimo de € 21.189,80, acrescida de retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura desta ação, até essa data no valor de € 729,11 e após essa até ao trânsito em julgado da decisão da ação, das retribuições de férias vencidas e não gozadas e subsídio de férias no valor total de € 593,66, dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no valor total de € 91,13, da formação contínua no valor de € 504,76, todas acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o respetivo vencimento das retribuições intercalares, desde a citação da 1ª ré quanto à indemnização por antiguidade caso não ultrapasse o mínimo legal ou a partir da data da sentença caso o decurso do processo o faça ultrapassar e quanto aos restantes montantes a contar desde a citação da 1ª ré;
- ou, para o caso de vir a ser julgada como verificada a transmissão de empresa ou estabelecimento da 1ª ré para a 2ª ré, subsidiariamente, ser condenada a 2ª ré nos exatos termos acima peticionados.
*
A 1ª ré contestou, pedindo que a ação seja julgada improcedente quanto a si, reiterando a existência de transmissão para a 2ª ré da sua posição como empregadora do autor e, caso assim não seja considerado, que os valores da indemnização por antiguidade, das férias e subsídio de férias e da formação eram, respetivamente, de € 14.096,13, € 1.458,22 e € 336.
A 2ª ré contestou, pedindo a improcedência da ação quanto a si, invocando a falta de transmissão de estabelecimento para si e impugnando o demais O autor respondeu, reiterando o já alegado na petição inicial quanto a ambas as rés.
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Realizado o julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos:

“ Pelo exposto, julgo provada e procedente, nos termos sobreditos, a presente ação e consequentemente:
I – Absolvo a 2ª ré, Y – Rondas e Segurança, Ldª”, da totalidade do pedido formulado pelo autor, E. T.;
II – Condeno 1ª ré, ”X – Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.“, a reconhecer o autor, E. T., como seu trabalhador e, em consequência do seu despedimento ilícito, a pagar-lhe a sobredita quantia total de € 24.159,76, sem prejuízo das eventuais quantias vincendas a título de retribuições intercalares caso cesse o subsídio de desemprego até ao trânsito em julgado da decisão desta ação e a título de indemnização por antiguidade que se venha a vencer mais até ao trânsito em julgado da decisão desta ação e tudo acrescido dos peticionados e sobreditos juros de mora até integral, respetivo e efetivo pagamento.
(…)”

Inconformada a primeira ré interpôs recurso concluindo em síntese:

A - O regime da transmissão de estabelecimento, à data dos factos dos presentes autos e no que aos mesmos importa, encontra acolhimento no artº 285º do Código do Trabalho de 2009, com a redação dada pela Lei 14/2018, de 19 de março.
B - Este preceito visa não só proteger os trabalhadores garantindo o direito à manutenção dos seus postos de trabalho nas circunstâncias ali previstas de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, mas também com o objetivo de “tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objeto da transmissão)”.
C - Decorre, da conjugação do regime legal previsto na Diretiva nº 2001/23/CE – arts. 1.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) – com o art. 285º, nºs 1 e 3, do Código do Trabalho de 2009, que o conceito de transmissão, para efeitos laborais, é especialmente amplo.
D - Decisiva é sempre a manutenção da entidade económica, e para se verificar se essa entidade continuou a ser a mesma, há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade, ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo em princípio decisivo nenhum deles.
E - Podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis, ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência.
F - Dos autos resultou apurado que as Rés se dedicam à prestação de serviços de segurança privada, e que a atividade exercida pelas Rés para um mesmo cliente, a W, era a mesma atividade de vigilância e segurança de pessoas e bens.
G – Para o exercício dessa mesma atividade, era exigida o mesmo tipo de recursos humanos em número de vigilantes, o mesmo tipo de equipamento, um mesmo espaço físico, uma secretária e uma cadeira, pertencentes ao Cliente.
H - Para além da transmissão da atividade exercida – de vigilância – a Ré aqui recorrente abriu mão de objeto dos específicos serviços de vigilância exercidos no espaço providenciado pelo cliente, de uma secretária e de uma cadeira deste cliente.
I - As Rés são empresas similares, no sentido de que prestam um serviço similar, a saber, a vigilância, e as Rés prestaram sucessivamente, à mesma cliente, a W, um serviço similar, usando para o efeito o mesmo número de funcionários, o mesmo tipo de equipamento, as mesmas instalações e alguns equipamentos cedidos pela cliente.
J - Daqui resulta que houve uma continuidade de cliente, de espaço e de atividade exercida, sendo certo que para o seu exercício, é necessário o mesmo número de vigilantes, exercendo as mesmas funções e usando equipamento similar.
K - Bastará, para existir uma unidade económica, que seja possível identificar um conjunto de meios – corpóreos ou incorpóreos, humanos ou não – aptos ao exercício de uma atividade económica, sendo que o TJUE tem vindo a identificar um conjunto de elementos capazes de fundar um juízo quanto à verificação ou não de um fenómeno transmissivo, adotando um juízo de carácter tipológico, onde cada indício assume um valor relativo e variável em função do relevo atribuído aos demais.
L - Já ao tempo da prestação dos serviços de vigilância e segurança por parte da aqui recorrente, existia um conjunto de meios organizados – trabalhadores adstritos a esses serviços, e equipamento posto pelo cliente à sua disposição, e que utilizavam na execução desses serviços com suficiente autonomia para poder funcionar no dia-a-dia, portanto organizados, estruturados, tinham uma “identidade” mínima.
M - A montante estava todo o acervo empresarial da recorrente, desde logo os seus alvarás, e decerto que o trabalho destes trabalhadores era, de algum modo e em alguma medida, fiscalizado, que em algumas ocasiões, por este ou por aquele motivo, os trabalhadores colocados neste posto de trabalho recorriam aos seus superiores. Mas o cerne dos serviços, o seu asseguramento um dia após o outro, todos os dias do ano, consecutivamente, é essa equipa de trabalhadores que o faz, sem necessidade de recorrerem/interagirem com a «sede», e não se descortinando dificuldade de maior em prestarem os trabalhadores o mesmo serviço, com esse mesmo elevado grau de autonomia, sob a alçada de um outro enquadramento empresarial, o que vale por dizer, outra empresa como a Ré Y.
N - Manteve-se a identidade dos serviços prestados, não houve qualquer hiato entre a prestação dos serviços por parte de uma e outra rés, tendo a ré Y retomado a essencialidade dos meios e equipamentos pertencentes ao cliente.
O - No caso não houve manutenção do pessoal ou do essencial deste por parte da R. Y. Todavia, a objeção referida parece assentar no pressuposto de que, se essa absorção de trabalhadores não ocorrer, não restará maneira de detetar a unidade económica e, por conseguinte, a transmissão relevante. Mas não é evidentemente assim. O conjunto de índices a atender, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é muito mais amplo, e permite identificar unidades económicas imateriais a partir da própria configuração que os contraentes deem à passagem de um para outro prestador de serviços.
P – Deparar-nos-íamos assim, não perante um regime legal imperativo, mas antes de cariz meramente facultativo ou seletivo, dependendo a sua real execução da disponibilidade e/ou boa vontade das empresas de segurança. Tal regime é imperativo e, portanto, não pode ser derrogado por livre vontade das partes, designadamente, por vontade exclusiva e unilateral da Ré Y.
Q - Raciocínio idêntico pode, e deve, ser esgrimido quanto à não transmissão de alvará de uma empresa para a outra, que a decisão recorrida releva para também concluir no sentido plasmado.
R - O equipamento, a documentação e o fardamento com o logótipo da empresa constituem bens distintivos de cada empresa de segurança que refletem o modo como cada uma se apresenta ao mercado, mas não integram a unidade económica.
S - Igualmente, no que se refere ao alvará que permite a prestação de serviços de segurança privada, é específico para cada empresa – Cfr. Arts. 14º e 51º da Lei nº 34/2013, de 16 de maio.
T - Assim, também falece o argumento segundo o qual a não transmissão do alvará é significativo e suficientemente indicativo da não transmissão de estabelecimento traduzido numa unidade económica.
U - É de concluir, por para aí confluírem os índices no caso relevantes, que ocorreu a transmissão de unidade económica propugnada pela recorrente.
V - Tem de se concluir que a Ré Y assumiu um comportamento – quer...

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