Acórdão nº 1059/13.6PJPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-04-19

Data de Julgamento19 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão1059/13.6PJPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1059/13.6PJPRT.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do despacho de 05.01.2023 proferido no Processo Comum Colectivo nº 1059/13.6PJPRT do Juízo Central Criminal do Porto (J6) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que não aderiu à promoção do Ministério Público de 04.01.2023 no sentido de se declarar prescrita a pena aplicada ao arguido AA de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e considerou que a sobredita pena não se encontra prescrita.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Ministério Público, considerando encontrar-se prescrita a pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, adstrita a regime de prova, irrogada a AA, promoveu em conformidade, o que veio a ser indeferido;
2. O despacho em crise exprime a violação do disposto nos art.s 122º/1-d), 126º/1-a), 2 e 3 do CP, defendendo, em nossa opinião, incorretamente, que o último dos referidos segmentos legais, o n.º 3 cit. – o qual, prevê um termo absoluto de prescrição, decorrente da adição ao prazo normal, da sua metade, sem embargo da suspensão – será sempre aplicável se no desenvolvimento do período prescritivo advier alguma causa de interrupção, independentemente dos momentos concretos em que esta surgiu e cessou;
3. Pormenorizemos o devir processual revelante para a operação em apreço:
a) o acórdão condenatório consolidou-se definitivamente na ordem jurídica a 23.09.2015, dies a quo para a contagem da prescrição – cfr. art. 122º/2 do CP;
b) tal prazo, atendendo à pena concretamente irrogada, cifra-se em quatro anos - cfr. art. 122º/1-c)-d) do CP;
c) o decurso prescritivo ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período inicial da suspensão e posterior prolongamento, reiniciando-se a 23.06.2018 – cfr. art. 126º/1-a) e 2 do CP no sentido que o prazo de suspensão da pena consubstancia causa interruptiva do art. 126º/1-a) do CP vide acórdão do STJ de 13.02.2014, disponível em www.dgsi.pt;
4. A decisão a quo perfilha precisamente o raciocínio até agora delineado, identificando as mesmíssimas causas de interrupção e de suspensão e correspondentes momentos temporais;
5. Todavia, dela dissentimos quando calcula a prescrição exclusivamente eivado no disposto no art. 126º/3 do CP;
6. A mencionada norma consagra um termo absoluto, o limite a partir do qual o direito punitivo do Estado perde a sua essência, et pour cause, força executiva, precisamente pela ultrapassagem do prazo aí fixado;
7. Todavia, não estabelece o regime regra de cômputo da prescrição, pois ela pode ocorrer em momento anterior, mercê da lógica operatividade e dos efeitos da cessação de causas de suspensão e interrupção instituídas nos art.s 125º e 126º do CP;
8. Significativamente, aquele preceito serve de “válvula de segurança” para evitar a extensão desmesurada da duração da prescrição só merecendo aplicabilidade nas situações em que aquela, por força das regras de interrupção, superasse aquele limite máximo;
9. Contabilizar o devir prescritivo fundando-se somente no referido termo absoluto, como defendeu a instância, significou tornar “letra morta” e esvaziar de sentido, quer os prazos de prescrição previstos no art. 122º, quer os efeitos de cessação da interrupção - relembremos, a voz legal, “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”, art. 126º/2 - porquanto, a mera existência de causa de interrupção, importou, na tese judicial, a majoração automática em metade do prazo prescritivo cabível, sem cuidar de aferir quais os momentos concretos em que tal causa ocorreu e deixou de existir;
10. E aí reside o seu erro.
11. Tornando ao dia 23.06.2018, percebe-se que então, devido ao terminus da causa de interrupção, passou a desenvolver-se por inteiro um novo prazo de quatro anos, ulteriormente sustado durante cento e cinquenta e nove dias, devido ao surto pandémico “Covid-19” – cfr. art.s 125º/1, 2, 126º/1-a), 2 do CP e art.s 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04;
12. Efetuando as necessárias operações aritméticas, verifica-se que a prescrição ocorreu a 29.11.2022, devendo declarar-se a pena extinta, observando-se as comunicações legais - cfr. art.s 122º/1-d), 125º/1-a), 2 126º/1-a), 2 do CP, 475º do CPP, 6º-a), 7º/1-a) e 2 da Lei 37/2015 de 05.05.
PELO EXPOSTO, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, nos termos aduzidos, como é de LEI!”

Por despacho de 08.02.2023, foi o recurso admitido com regime de subida imediata, nos próprios autos, sem atribuição de efeito.

O arguido apresentou resposta na qual se limita, por razões de economia e celeridade processual, a subscrever e aderir aos fundamentos, alegações, e conclusões ínsitas no douto recurso apresentado pelo digno representante do M.P, devendo o mesmo ser julgado procedente.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação acompanhou as alegações de recurso por entender que estão plenamente sustentadas pelos argumentos de facto e de direito que nessa peça são apresentados e emitiu parecer no sentido do integral provimento do recurso.

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com jurisprudência assente, o objeto do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Perscrutadas as transcritas conclusões com que o recorrente (Ministério Público) rematou o respectivo recurso, a questão que importa decidir resume-se a saber se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido se encontrava prescrita.

Com relevo para a resolução da antedita questão importa recordar a promoção do Ministério Público e o despacho (objecto de recurso) que sobre a mesma recaiu:

Promoção (transcrição):

“Considerando que:
a) AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado a 23.09.2015, pela comissão, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de Roubo, p. e p. nos art.s 22º, 23º, 210º/1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeitada a regime de prova;
b) por despacho de 28.04.2016, transitado em julgado a 30.05.2016, determinou-se a prorrogação do período suspensivo por um ano;
c) o prazo de prescrição da pena irrogada é de quatro anos – cfr. art. 122º/1-d) do CP;
d) o decurso prescritivo ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período da suspensão e respetiva prorrogação, reiniciando-se 23.06.2018 – cfr. art. 126º/1-a) e 2 do CP no sentido que o prazo de suspensão da pena consubstancia causa interruptiva do art. 126º/1-a) do CP vide acórdão do STJ de 13.02.2014, cit.;
e) e, posteriormente, o mesmo prazo esteve suspenso durante o total de cento e cinquenta e nove dias, por força dos art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, diplomas relacionados com o surto pandémico “Covid-19” – cfr. art. 125º/1 do CP, neste sentido por todos vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.04.2021, in www.dgsi.pt; (tb ac. infra)
f) não se verificou nenhuma outra causa de interrupção, nem de suspensão– cfr. art.s 125º e 126º do CP;
Encetados os necessários cálculos realiza-se que a pena em apreço já prescreveu, devendo ser declarada extinta e remeter-se boletins, após trânsito – cfr. art. 6º-a), 7º/1-a) e 2 da Lei 37/2015 de 05.05 e 475º do CPP”

Despacho recorrido (transcrição):

“O arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado a 23.09.2015, pela comissão, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de Roubo, p. e p. nos art.s 22º, 23º, 210º/1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeitada a regime de prova; por despacho de 28.04.2016, transitado em julgado a 30.05.2016, determinou-se a prorrogação do período suspensivo por um ano.
O prazo de prescrição da pena é de quatro anos (art. 122º/1-d) do CP) e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena, ou seja a pena prescreveria em 23/9/2019.
A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução pelo que ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período da suspensão e respetiva prorrogação, reiniciando-se 23.06.2018 e, posteriormente, o mesmo prazo esteve suspenso durante o total de cento e cinquenta e nove dias por força dos art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, diplomas relacionados com o “Covid-19”
A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Ora, tendo em atenção que a pena foi aplicada a 23/9/2015, e que a pena prescreveria em 23/9/2019, acrescida de
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