Acórdão nº 1048/08.2TAVFR-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-03-23

Ano2022
Número Acordão1048/08.2TAVFR-G.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1048/08.2TAVFR-G.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado a 26/05/2014, proferido no processo nº 1048/08.2TAVFR, que correu termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi o arguido AA condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos pelos art.ºs 103º, nº 1, al. a) e c), e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT;
1.2. Por despacho de 24 de novembro de 2021, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, determinando-se o seu cumprimento pelo condenado AA;
1.3. De tal despacho interpôs recurso o condenado, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1.ª) O Arguido foi condenado na pena principal de 4 anos e 6 meses de prisão, pena essa que, por douto acórdão transitado em julgado em 26-05-2014, foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão por igual período.
2.ª) E foi notificado da revogação da decisão ora em crise em 24/11/2021, ou seja, volvidos cerca de 8 anos.
3.ª) A maioria da nossa mais conceituada Jurisprudência entende que a suspensão da execução da pena de prisão constitui uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cfr. artigos 50.º, n.º 5, 45.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, e 60.º do CP) - Leia-se, a propósito, Prof. Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90.
4.ª) A autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas, já que, a prescrição da pena principal só se coloca, após o trânsito em julgado do despacho revogatório da pena de substituição referida, pois só a partir daí assume exequibilidade.
5.ª) Logo, até àquele momento, a prescrição a considerar é a da pena em execução, ou seja, a pena de suspensão prevista nos artigos 50.º a 54.º do CP.
6.ª) O artigo 122.º, n.º 1, do CP, alíneas c) e d), estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos.
7.ª) De onde decorre que a pena principal aplicada ao Recorrente/Arguido prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos (cfr. artigo 122.º, n.º 1, al. d) do C.P.)
8.ª) No caso sub judice temos que: a pena de substituição de suspensão da pena de prisão, foi aplicada por douto Acórdão do TRP transitado em julgado em 26-05-2014; nesta data iniciou-se o prazo de prescrição da pena de substituição (cfr. n.º 2 do artigo 122.º do CP), sendo que, desde então, até à prolação da decisão ora em crise (24/11/2021) decorreram 7 anos, 5 meses e 28 dias.
9.ª) Assim, conscientes que o prazo de prescrição da pena de substituição de suspensão da pena de prisão se interrompeu em 26-05-2014 com o início da respetiva execução (cfr. artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do CP), face ao comando do n.º 3 do referido artigo 126.º do CP, face à inexistência de qualquer causa de suspensão, temos que a pena de substituição prescreveu em 26-05-2020, porquanto, à data já tinha decorrido o prazo normal de prescrição, in casu, 4 anos, cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP, acrescido de metade (mais 2 anos), num total de 6 anos.
10.ª) Por conseguinte, quando em 24/11/2021 foi proferida a decisão ora em crise, já a pena de substituição de suspensão da pena de prisão estava prescrita, o que, como é sabido, é de conhecimento oficioso.
11.ª) Pelo que, ao não conhecer da prescrição, a decisão recorrida encontra-se ferida do vício de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP).
12.ª) Assim, porque proferida em data posterior à da prescrição da pena de substituição e sendo omissa quanto a tal questão, a decisão recorrida afigura-se inconstitucional por violação do processo equitativo e violação intolerável das garantias de defesa, assegurados pelos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 20.º, nº 4 e 5, 30.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP.
Mesmo que assim doutamente não se entenda,
13.ª) Considerando que, por factos ocorridos em 01/03/2000, o Recorrente/Arguido foi julgado e condenado por 2 crimes de fraude fiscal, na pena principal de 4 anos e 6 meses de prisão, pena essa que foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão;
14.ª) Que a suspensão da execução da pena de prisão constitui, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cfr. douto Ac. do Tribunal Constitucional de 08/07/2021);
15.ª) Que só o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença, já que, até lá, a pena em apreço é a pena de substituição;
16.ª) Que da conjugação das alíneas c) e d) o artigo 122.º, n.º 1 do CP decorre que a pena principal aplicada ao Recorrente/Arguido prescreve em 10 anos, porém, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos (cfr. douto Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2017);
17.ª) Que o prazo de prescrição, in casu, da pena de substituição, só começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (cfr. artigo 122.º, n.º 2 do CP);
18.ª) Que no caso concreto, a pena de substituição foi aplicada por douto Acórdão transitado em julgado em 26-05-2014;
19.ª) Que o prazo de prescrição da pena de substituição iniciou-se, pois, nesta data (cfr. n.º 2 do artigo 122.º do CP) e interrompeu-se em 26-05-2014, ou seja, com o início da execução da referida pena (cfr. artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do CP).
20.ª) Que desde então, até à prolação da decisão ora em crise ocorrida em 24/11/2021, decorreram já 7 anos, 5 meses e 28 dias.
21.ª) Que não ocorreu qualquer causa de suspensão;
22.ª) Temos que, em 26-05-2020 a pena de substituição prescreveu (cfr. n.º 3 do artigo 26.º do CP), porquanto, naquela data, já tinha decorrido o prazo normal de prescrição da pena de substituição (4 anos, cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP) acrescido de metade, ou seja mais 2 anos.
23.ª) Por conseguinte, quando em 24/11/2021 foi proferida a decisão ora em crise, já a pena de substituição estava prescrita (Neste sentido, veja-se douto Ac. do STJ de 05/07/2017 e, ainda, o Ac. do S.T.J. de Justiça de 13/02/2014 ambos supra transcritos, cujo teor aqui damos por reproduzido.)
24.ª) Este mesmo entendimento foi perfilhado no douto Acórdão da Relação do Porto de 23/06/2021, segundo o qual “ A contagem do prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, inicia-se no dia do trânsito em julgado da condenação (artigo 122º, nº 2, do Código Penal) e interrompe-se durante o período de suspensão da execução da pena, por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal.” (Sublinhado nosso)
25.ª) A prescrição, in casu, da pena de substituição, ocorre pelo simples lapso de tempo, independentemente de qualquer outra condição e é a autoridade judiciária que deve invocá-la ex officio em qualquer momento ou fase do processo (Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, e, ainda, douto Ac. da Relação de Lisboa de 14/12/2011).
26.ª) Por conseguinte, o Tribunal a quo deveria ter apreciado e decretado a prescrição da pena de substituição com a consequente extinção da pena, o que não se dignou fazer, violando assim, o disposto nos artigos 122.º, n.º 1. al. d) e n. 2, 126.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e artigo 57.º do CP e, consequentemente, o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 20.º, nº 4 e 5, 30.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP.
Ainda que assim doutamente não se entenda,
27.ª) O atual regime da revogação da suspensão da pena de prisão exige dois requisitos, o primeiro, nos termos da alínea b) do artigo 56.º do CP, de cariz meramente formal (o cometimento de um crime pelo qual venha a ser condenado, durante o período de suspensão), o segundo de pendor material, consistente em apurar se a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena, afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a suspensão da execução da pena de prisão.
28.ª) Assim, para o preenchimento do anunciado segundo requisito, a Lei não se basta com a prática de um crime durante o período da suspensão.
29.ª) Na sequência da prática de novo crime no período da suspensão, suscita-se a necessidade de uma apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do novo crime, à luz dos fins das penas de harmonia com o artigo 40.º, n.º 1, do CP e, ainda, dos critérios consagrados no artigo 50.º, n.º 1, do CP.
30.ª) O acento tónico está hoje colocado, não no cometimento de crime durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respetiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição (OLIVEIRA, Odete -Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II - CEJ, 1998, pg. 105).
31.ª) Pelo
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