Acórdão nº 1043/18.3T8STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-01-25

Ano2023
Número Acordão1043/18.3T8STC.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 1043/18.3T8STC.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Cível de Santiago do Cacém – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção especial de prestação de contas proposta por AA contra BB, esta veio interpor recurso da sentença proferida.
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Foi deduzido incidente de intervenção provocada activa de CC, DD, EE, FF, GG e HH, respectivamente filhos e marido de II.
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Na pendência da acção, faleceu HH, tendo sido proferida sentença de habilitação.
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Foi proferida decisão na qual se decidiu da obrigação de prestar contas pela Ré desde a data do óbito de II (ocorrido em 26/04/2016) até à data da citação.
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Em sede de sentença, o Tribunal a quo julgou verificada a receita de € 18.732,35 e despesas de € 2.830,00, de onde resulta um saldo positivo de € 15.902,35.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e na peça de recurso apresentou as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas e que reproduzem praticamente na íntegra o corpo da motivação inicial [1] [2] [3] [4] [5]:
«1 – A sentença é nula por violação do disposto nos artigos 607.º/4, 608.º/2 e 195.º/1, do Código de Processo Civil.
2 – Não consta da matéria dada como provada qual o valor que pertencia à herança por morte de II.
3 – A falta de tal facto como provado – qual o valor da receita compreendido na herança de II – acarreta a nulidade da Sentença, porquanto o Tribunal a quo não deu como provado um facto essencial para o objecto dos autos, tal seja, o que compreendia a herança por morte de II.
4 – O Juiz a quo também não indica na sentença qual a prova indicada pelas partes, ou outra adquirida pelo Tribunal, que conduziu à análise crítica da mesma, à tomada da decisão ou na formação da sua convicção, ao decidir que o total dos saldos das quatro contas bancárias (tituladas por II e marido) correspondia na sua totalidade à herança de II e, consequentemente, ao objecto da prestação de contas pelo lado activo.
5 – A Ré/Recorrente apresentou contas em forma de conta corrente, que juntou como doc. 1 através da peça processual com a Refª 31839464, de 2019/03/13, onde inscreveu no activo o valor de € 9.366,18.
6 – Na mesma peça processual indicou 4 contas bancárias e os saldos das mesmas, tal como veio a ser dado como provado [facto A) dos Factos Provados].
7 – A Ré/Recorrente fundamentou a inscrição do valor de € 9.366,18 dizendo “a herança de II integra apenas ½ das aludidas contas bancárias, no valor de € 9.366,18”, o que não foi alvo de contestação.
8 – O Tribunal a quo não só não indicou quais os meios probatórios nem especificou os fundamentos que foram decisivos para considerar verificada a receita de € 18.732,35, como, no oposto, não disse o que conduziu à decisão de não ter considerado o montante € 9.366,18”, e o fundamento alegado pela Ré/Recorrente.
9 – Só a fixação de tal facto e o raciocínio discursivo do julgador a quo sobre tal matéria permitiria conhecer da causa de pedir, sem ambiguidade, pelo que a Sentença é nula por manifesta oposição entre a fundamentação e a decisão e por deixar de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
10 – A sentença fez errada interpretação e integração jurídica ao considerar que o valor de € 18.732,35 corresponde ao valor de receita.
11 – Resulta dos factos provados Ponto A) que à data do óbito de II, ocorrida em 26/04/2016, existiam 4 (quatro) contas bancárias tituladas em nome da falecida e marido e respectivos saldos.
12 – Logo, as quatro contas bancárias, como resulta da alínea A) dos Factos Provados, eram contas colectivas com dois titulares, II e marido, pelo que os saldos/fundos, pertenciam a ambos os titulares.
13 - Falecendo uma pessoa na situação de casada nos regimes de comunhão geral de bens ou de comunhão de adquiridos, o cônjuge sobrevivo tem direito à sua meação nos bens comuns do casal.
14 - Não resultando da Sentença que II fosse casada sob regime diverso, ou que tivesse havido testamento, constitui a sua herança o correspondente ao seu quinhão como herdeira, ao abrigo do artigo 2133.º do CC, no caso concreto, metade dos saldos bancários das contas identificadas no Ponto A) dos Factos Provados.
15 – Ainda que assim não fosse, sempre teria de ter sido ilidida a presunção constante do artigo 516.º do Código Civil, ou seja, que os valores depositados nas quatro contas bancárias (Ponto A) Factos Provados) pertenciam em partes iguais aos co-titulares, o que manifestamente não se verificou e o inverso resulta da matéria dada como provada.
16 – Assim, quer fosse pelo regime definido pelos artigos 512.º e 516.º do Código Civil, relativo às obrigações solidárias, quer fosse ao abrigo do disposto, conjugadamente, nos artigos 1724.º, 1730.º e 2133.º do Código Civil, relativo à meação conjugal, à data da morte de um dos titulares, no caso II, apenas metade desses saldos, ou seja, o montante de € 9.366,18, poderia ser dado como pertença do titular falecido, ou integrando a sua meação, o que impunha decisão diversa, pelo que, ao assim não ter decidido, há notório erro de julgamento por violação da lei substantiva, por errada interpretação e integração jurídica na matéria objecto dos presentes autos, devendo as normas ora invocadas ser aplicadas com o sentido que a Recorrente apresenta e com as consequências inerentes, quanto ao valor do activo.
17 – Deverá igualmente ter-se por verificada a violação do disposto nos artigos 941.º e 944.º do Código de Processo Civil, laborando em erro o julgador a quo por considerar saldos bancários uma receita, o que não deve assim ser atendido, por não constituírem entradas/receitas/créditos, obtidas pela obrigada a prestar contas do exercício do cabeçalato, devendo ser este o sentido que no entender da Recorrente deve prevalecer.
18 – A violação da lei substantiva, que advém de uma interpretação e enquadramento jurídico incorrectos, acabou por afectar o conteúdo da decisão, dando origem ao denominado erro de julgamento, que no caso abrange o erro de julgamento de facto e o erro de direito.
19 – No entender da Recorrente, quanto à matéria de facto, o Tribunal a quo deveria ter considerado como matéria de facto provada o que constituía herança de II e, considerado que face aos saldos bancários (€ 18.732,35) das quatro contas tituladas pela mesma, e marido, apenas metade desse valor (€ 9.366,18) poderia ser dado como pertença da titular falecida.
20 – Indica a Recorrente como concreto meio probatório o Doc. 1 junto com peça processual com a Refª 31839464, de 2019/03/13.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser:
1 – a sentença recorrida declarada nula, por falta de fundamentação da matéria de facto – artigo 615.º-b), do CPC e por falta de pronúncia sobre questões que devesse apreciar – artigo 615.º/1, d), do CPC, com as legais consequências.
Ou, caso assim não se entenda:
2 – Se declare a nulidade da Sentença por erro de julgamento, por errada interpretação e integração jurídica, decidindo-se que saldos bancários não constituem receita obtida pela obrigada a prestar contas nos termos e para efeitos dos artigos 941.º e 944.º do Código de Processo Civil.
3 – Se declare a nulidade da Sentença por erro de julgamento, por violação da lei substantiva quanto aos artigos 512.º e 516.º que regula o regime das obrigações solidárias ou os artigos 1724.º, 1730.º e 2133.º, todos do Código Civil, por violação do direito do cônjuge sobrevivo à sua meação nos bens comuns do casal.
Ou, caso ainda assim não se entenda
4 – Deve a Sentença ser aditada na matéria de facto, atento o disposto nos artigos 607.º/3, 662.º/1 e 663.º, todos do Código de Processo Civil, fixando-se o valor € 9.366,18 como pertencente à herança por morte de II e, em consequência,
5 – Decidido que o valor líquido da presente prestação de contas é de € 6.536,18 (€ 9.366,18 - € 2.830,00).
Assim decidindo Vossas. Exas., será feita a costumada Justiça!».
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Não foi apresentada resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
1) nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto.
2) nulidade da sentença por falta de pronúncia.
3) erro na aplicação do direito [quanto à interpretação da propriedade do dinheiro depositado].
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III – Matéria de facto:
3.1 – Factos provados:
Encontram-se provados, com relevo para a decisão os seguintes factos:
1) À data do óbito de II, ocorrida em .../.../2016, existiam 4 (quatro) contas bancárias tituladas em nome da falecida e marido e respectivos saldos, a saber:
 n.º ...28 da CA Crédito Agrícola, com o saldo de € 333,97.
 n.º...74 da CA Crédito Agrícola, com o saldo de € 1.410,40.
 n.º...49 da CA Crédito Agrícola, com o saldo de € 9.987,98.
 n.º...17 da CA Crédito Agrícola, com o saldo de € 7.000,00.
2) Deste valor, a Ré, de acordo com as instruções de seu pai, HH, pagou o funeral de II, no montante de € 2.830,00.
3) Durante um período aproximado de 8 meses, antes de II e o marido optarem frequentar o Centro de Dia e numa altura em que HH se encontrava mais fragilizado, foi acordado que a cabeça de casal e uma cunhada desta – JJ – tomassem conta do casal, mediante a contrapartida de € 300,00 mensais para cada uma que foi paga.
4) Este valor seria integralmente suportado pelas reformas dos pais no valor de € 385,19 e de € 404,69 e que eram depositadas na conta à ordem.
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