Acórdão nº 103/21.8T8MMV.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-09-2022

Data de Julgamento13 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão103/21.8T8MMV.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO


INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A e IP TELECOM, SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES, S.A., intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os Réus AA e CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A., peticionando a condenação solidária dos RR. ou, na medida da respectiva responsabilidade que se vier a apurar, no pagamento às Autoras do valor total de €9.943,50, acrescido de juros de mora legal vincendos desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, na proporção de €289,00 à 1.ª Autora e de €9.654,50€ para a 2.ª Autora.

Como fundamento dos pedidos formulados, alegam que o 1.º Réu, quando se encontrava a proceder à preparação de um terreno confinante com o domínio público ferroviário, mediante a utilização e condução de um veículo tractor de matrícula NI-..-.., da sua propriedade, seguro na 2ª R., ultrapassou os limites do referido terreno, entrando dentro do domínio público ferroviário, e, em consequência, provocou o desaterro de terras e o corte de um cabo de fibra de telecomunicações sob gestão da 2.ª Autora, tendo a 1ª Autora despendido a quantia de €289,00 a título de mão-de-obra e de equipamentos utilizados e a 2ª Autora a quantia de €9.654,50, pela reparação dos cabos.


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Contestou o 1º Réu, alegando a prescrição da dívida e a ausência de culpa por os cabos não estarem devidamente sinalizados e por desconhecer os limites dos terrenos e a 2ª R. por o sinistro se não mostrar coberto pela apólice de seguro.


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Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova, e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual se decidiu:

5.1 Condenar o Réu AA a pagar à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. a quantia de €109,00 (cento e nove euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

5.2 Condenar o Réu AA a pagar à IP TELECOM, SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. a quantia de €9.654,50 (nove mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

5.3 Absolver a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A do peticionado;

5.4 Condenar o Réu AA no pagamento das custas processuais (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).”


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Não conformado com esta decisão, impetrou o 1º R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“EM CONCLUSÃO:

1. Face ao facto dado como provado no ponto 2.1.24 dos factos provados e ao que dispõe o nº 1 do artigo 80º do Decreto Regulamentar 1/92, de18/02/1992, deveria e deverá ser dado como provado que a profundidade dos monotubo e cabos identificados em 2.1.5. não respeitava os respectivos parâmetros de passagem/montagem de distribuição da rede para cabos elétricos.

2. Face aos factos dados como provados nos pontos 2.1.13 a 2.1.20, entendemos que o Réu atuou sem culpa, pois em face dessas circunstâncias, o homem médio, o homem normal, mediamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso, o bom pai de família, não atuaria doutra forma.

3. Não se verificando o requisito/pressuposto da culpa – sequer negligência inconsciente - não deveria, nem deverá, o ora recorrente ser condenado no pedido.

4. Mas mesmo que assim se não entenda, na fixação da indemnização há que ter em atenção o estatuído no artigo 494º do C. Civil, considerando o grau de culpabilidade do Réu, a sua situação económica e a situação económica dos AA. e as demais circunstâncias do caso.

5. Ficou provado que o Réu é motorista no Município ...; que aufere o vencimento mensal líquido de € 663,97 e que faz uma agricultura de subsistência no horários pós-laboral (factos 2.1.29., 2.1.30. e 2.1.31).

6. Por seu turno, como é público e notório, as AA. têm uma muita boa situação económica e um grande património.

7. Assim sendo, a entender-se que o Réu agiu com negligência, deverá a indemnização ser fixada por equidade em montante não superior ao vencimento mensal do Réu.

Nestes termos e nos demais de direito, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogar-se in totum a sentença recorrida. E, se assim se não entender, deve a indemnização ser fixada equitativamente, ao abrigo do disposto no artigo 494º do Código Civil.

Assim se fazendo a costumada justiça!”


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As AA. interpuseram contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“1- A douta sentença mostra-se em consonância com a qualificação jurídica dos factos provados e não provados.

2- O sentido da decisão preconizada na douta sentença valora na sua globalidade todos os meios de prova que concorrem para o sentido de decisão de condenação do Apelante.

3- Face aos factos provados e à fundamentação globalmente valorada pela Meritíssima Juiz a quo outro não poderia ser o sentido de decisão.

4- Primis, o caso sub judice está naturalmente excluído do âmbito de aplicação do DR 1/92, de 18 de fevereiro.

5- Isto é, sem censura: Não foi provado que a profundidade dos monotubos e cabos não respeitava os respetivos parâmetros de passagem/montagem de distribuição da rede para cabos eléctricos.

6- Pois, aliás, até ficou provado a não aplicabilidade das normas trazidas pelo Apelante, ao caso em apreço!!

7- Porque o cabo da propriedade das Apelantes estava (e está) enterrado em pleno Domínio Público Ferroviário (DPF), sob gestão destas.

8- Como decorre dos factos provados e bem assim expressamente da prova testemunhal produzida pelas Autoras, através dos seus técnicos especializados na área, que com razão de ciência depuseram a respeito.

9- Improcedendo assim a sua pretensão de alterar o Facto Não Provado 2.2.4 para provado, que não o foi, nem tinha aptidão para ser.

10- No que respeita ao facto do tribunal a quo ter considerado, sem censura, a atividade exercida pelo Réu Apelante, atividade perigosa para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil, a verdade é que

11- No caso em concreto, o Apelante utilizou uma charrua com lâmina acopolada a um trator agrícola para abrir uma vala em terreno no qual não tinha autorização para exercer essa atividade; no qual não tinha autorização para, sequer, estar.

12- Os danos produzidos na esfera das Autoras deveram-se, em exclusivo, à atuação do Apelante/Réu, ao perigo resultante de um evento de laboração ou exploração de máquina, no âmbito de actuação das suas funções específicas e do seu funcionamento próprio, ainda que na dependência da circulação devida ao tractor associado e promotor dessas funcionalidades.

13- Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em considerar a atividade exercida pelo Apelante enquanto atividade perigosa, nos termos e para os efeitos julgados ao caso em concreto.

14- E, sem dúvida, atuou com culpa!

15- Porquanto é inegável que

O homem médio e o bom pai de família SABE (sem poder alegar desconhecimento) que não pode transpor sem qualquer autorização os limites da propriedade que cultiva;

O homem médio e o bom pai de família SABE (sem poder alegar desconhecimento) que não pode abrir uma vala em terreno no qual não tinha autorização para lavrar, passar, ou exercer qualquer atividade.

16- Sendo-lhe este comportamento elementarmente exigido, o que não acautelou nem verificou, no caso sub judice!

17- E, na realidade, não há qualquer demonstração fundada de que o Apelante tenha empregue todas as providências, exigidas pelas circunstâncias, com o fito de prevenir a produção dos danos, bem pelo contrário, como resulta da factualidade provada.

18- Desde logo desrespeitou os limites da propriedade que cultivava, extravasando-a!!

19- Quando a cultivava há cerca cinco/seis anos (Facto Provado 2.1.34) ; quando sabia da existência e localização do ramal ferroviário nas proximidades (Facto Provado 2.1.18).

20- Assim, porque

infringiu todas as normas legais vigentes do direito de propriedade privada e com maior relevo do Domínio Público Ferroviário do Estado (DPF),

não lhe foi autorizada a passagem em terreno do DPF,

não lhe foi autorizada a lavragem ou mesmo abrir valas em terreno do DPF,

não pode circular, passar ou exercer qualquer atividade quer no terreno do DPF, e até mesmo no terreno confinante com o DPF, sem que cumpra o disposto no DL 276/2003, de 4 de novembro,

o terreno do DPF encontrava-se facilmente diferenciado do terreno confinante que cultivava, porquanto coberto de vegetação,

até, cultivava o terreno confinante com o DPF há cerca de 5/6 anos,

conhecia da existência e localização do Ramal Ferroviário, isto é, do terreno do DPF.

assumidamente extravasou a propriedade, sem autorização e por sua conta e risco,

21- Evidente é que, não pode vir alegar qualquer incumprimento por parte das Apeladas, quanto à colocação dos seus cabos nos seus terrenos. Incumprimento esse que nem sequer existe!

22- Não pode vir alegar a falta de qualquer prova das AA, porquanto estas...

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