Acórdão nº 101821/22.2YIPRT.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão101821/22.2YIPRT.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.Relatório
A, LDA.,
veio apresentar requerimento de INJUNÇÃO que se transmutou em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias a que se reporta o regime anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro contra,
B, LDA. e C,
solicitando a sua condenação solidária no pagamento da quantia global de 7.113,81 EUR, sendo (i) 5.334,23 EUR respeitante fornecimento de bens e (ii) 1.333,55 EUR relativos a cláusula penal convencionada pelo incumprimento do pagamento dos bens fornecidos à Ré B.
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Considerando o eventual erro na forma de processo relativamente ao pedido de condenação no pagamento de cláusula penal, foram as partes notificadas para se pronunciarem em respeito pelo disposto no art.3.º, n.º 3 do CPCivil aplicável aos presentes autos por força do disposto no art.º 549.º do mesmo diploma legal.
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Nessa sequência, apenas a Autora se pronunciou, defendendo a improcedência da excepção de erro na forma de processo.
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Veio então a ser proferida a decisão final ora sob recurso que, a final, decide:
«… ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do CPC, julga-se verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, resultante do erro na forma de processo e, em consequência, absolvem-se as Rés B e C da instância.»
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Do assim decidido, veio a A. interpor recurso concluindo como segue:
«CONCLUSÕES
I. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos que julgou verificada a excepção dilatória inominada de erro na forma de processo e, como consequência, absolveu as Rés da instância, por entender que o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais.
II. Ora, os presentes autos correspondem a acção declarativa especial destinada ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nessa espécie distribuídos em face da oposição deduzida pelas Requeridas.
III. O processo especial será o adequado quando o pedido formulado se enquadre no escopo da Lei ao estabelecer esse processo, apenas havendo erro na forma do processo quando seja feito uso de uma forma de processo que não se adeque à pretensão deduzida.
IV. A referida acção declarativa especial tem, precisamente, como finalidade a obtenção do cumprimento coercivo de obrigações pecuniárias de fonte contratual, dizendo-se que a obrigação é pecuniária «quando na fixação da prestação se atende ao valor da moeda devida, e não às espécies concreta ou individualmente determinadas ou ao género de certas espécies monetárias, abstraindo do seu valor liberatório ou aquisitivo» (cf. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª Edição, Revista e Actualizada [Reimpressão], Coimbra [2003], Almedina, págs. 845 a 848).
V. Com a obrigação pecuniária principal, as partes poderão, no contrato de que ela emerge, estipular cláusulas acessórias, como é o caso da cláusula penal através de que as partes estabelecem, por acordo, o montante indemnizatório a ser satisfeito ao credor em caso de não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso da obrigação principal.
VI. Efectivamente, tem vindo a ser entendido por alguns Tribunais que os procedimentos previstos no DL 269/98, de 1 de Setembro, não são adequados para exigir o pagamento da indemnização prevista na cláusula penal, designadamente por esta constituir uma dívida de valor ou uma obrigação valutária, não tendo por objecto uma importância monetária, pelo menos enquanto essa obrigação não for convertida em dívida de dinheiro, seja por decisão judicial, seja por acordo.
VII. Acontece que o mesmo raciocínio implicaria, em bom rigor, que também se considerasse estar, nestes procedimentos, vedado ao credor exigir o pagamento de juros moratórios.
VIII. Afigurando-se, porém, pacífico o entendimento de que os autores/requerentes, que recorrem a estes procedimentos não estão impedidos de reclamar o pagamento dos respectivos juros moratórios, não se crê haver, por identidade de lógica e de razão, qualquer motivo que justifique a oposição judicial de entraves a que o credor possa peticionar a cláusula penal, acordada e prevista, aliás, para a situação de mora.
IX. Acresce que, ao convencionarem uma cláusula penal em que o valor da indemnização, desde logo, se encontra definitivamente estabelecido, como in casu sucede, as partes acabam não só por determinar o valor da indemnização, mas também por operar a referida conversão da dívida de valor em dívida de dinheiro, cuja prestação passará, assim, a ser entendida, sem necessidade de mais, como uma obrigação pecuniária stricto sensu.
X. No mais, considerando a evolução legislativa do regime do procedimento injuntivo bem como o disposto nos artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do Anexo ao DL 269/98, de 01/09, e 3.º e 10.º n.º 1 do DL 62/2013, de 10/05, não se vislumbra que a simplicidade e a celeridade que caracterizam tais procedimentos possam mostrar-se incompatíveis com a eventual discussão da exigibilidade da cláusula penal, tanto mais que é tendencialmente admissível a formulação de pedido relativo a cláusula penal quando esta seja de natureza compulsória (cf., além do mais, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Junho de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 365/09.9TBCNT-A.C1, e Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Coimbra [2008], Almedina, pág. 50 ).
XI. Por regra, «[o] erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei» (artigo 193.º do CPC), nada impedindo, ademais, que, sendo caso disso, apenas o pedido relativo à cláusula penal fosse desconsiderado ou viesse a improceder.
XII. Acresce que, uma vez deduzida a oposição e apresentados os autos à distribuição (i. e., ultrapassada a fase administrativa ou injuntiva), caberá ao Tribunal apenas tramitar e julgar a acção declarativa, tanto mais que, em face da referida distribuição, já não existirá um procedimento de injunção propriamente dito cuja verificação - que foi da incumbência da respectiva Secretaria - possa agora ser novamente realizada pelo Tribunal, estando-lhe, por isso, vedado decidir que o procedimento de injunção não era, afinal, o meio adequado.
XIII. Em face do exposto, ao decidir como decidiu – i. e., que o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória, sob pena de verificação da excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por erro na forma de processo – , o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, 7.º e 11.º, n.º 1 do respectivo Anexo, 2.º, 3.º e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, 193.º, 196.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do Código de Processo Civil, e 804.º, 806.º e 810.º do Código Civil, preceitos estes que, conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que do referido pedido formulado pela Autora, considerado isoladamente ou em conjugação com a finalidade para que o procedimento em causa foi estabelecido, não emerge qualquer uso indevido ou inadequado do procedimento injuntivo ou qualquer erro na forma do processo.
XIV. Ademais, ao julgar, após distribuição, verificada a excepção de uso indevido do procedimento de injunção, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto nos artigos 7.º e 11.º, n.º 1 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, 2.º, 3.º e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido de que uma vez apresentados os autos à distribuição como acção declarativa, caberá ao Tribunal apenas tramitar e julgar a mesma, posto que não existe, nessa fase, um procedimento de injunção propriamente dito cuja verificação possa agora ser novamente realizada pelo Tribunal a quo.
TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a sentença revidenda, substituindo-se por outra que considere adequada a providência requerida pela Recorrente, julgue inverificada a excepção dilatória e mande prosseguir os autos, far-se-á JUSTIÇA.»
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O recurso foi devidamente admitido em 1ª instância pelo que cumpre apreciar e decidir.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
In casu importa a única questão que importa decidir é se acção pode prosseguir nos termos em que se encontra processada ou se se verifica erro na forma de processo susceptível de determinar a absolvição das Rés da instância.
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3. Fundamentação
3.1. Fundamentação de Facto
Os factos a considerar para a decisão do recurso são os constantes do relatório que acima se deixaram relatados.
3.2. Fundamentação de Direito
Estando em causa a nulidade de erro na forma de processo cumpre, antes de mais, estabelecer os contornos doutrinários de tal figura.
A nulidade de erro na forma de processo vem prevista no art.º 193º do CPCivil cujo teor é o seguinte:
«1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto
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