Acórdão nº 1015/21.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão1015/21.0T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na ausência de acordo na fase conciliatória dos presentes autos de acidente de trabalho, veio AA (sinistrado), com o patrocínio do Ministério Público, dar início à fase contenciosa do processo, por via da apresentação de petição inicial deduzida contra FIDELIDADE – Companhia de Seguros, S.A. (seguradora), pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
- O capital de remição de uma pensão anual de € 525,67, devido desde o dia imediato ao da alta;
- O diferencial de indemnização por incapacidades temporárias ( IT´s), no valor de € 1.651,93;
- O reembolso das despesas de transportes para comparência a atos judiciais, no montante de € 18,00;
- Juros de mora sobre as quantias em atraso até integral pagamento.
O objeto do litígio, delimitado logo no final da fase conciliatória do processo, relacionava-se com o valor da retribuição transferida para a seguradora no âmbito do contrato de seguro de acidente de trabalho e o não pagamento integral das indemnizações devidas pelas IT’s.
De acordo com o sinistrado, a retribuição atendível para efeitos de cálculo da indemnização e da pensão que seriam devidas, teria de ser a que foi declarada no aludido contrato de seguro (isto é, a retribuição diária de € 40,00)
Já a seguradora, na defesa que apresentou, reiterou a posição que havia assumido na anterior fase processual, entendendo que a retribuição atendível deveria ser a que resulta da multiplicação do salário mínimo nacional em vigor à data do acidente por 14 meses.
O Meritíssimo Juiz da 1.ª instância, por despacho datado de 30/01/2023, ordenou a citação da sociedade Explazeite- Transformação de Azeites, Lda. (entidade empregadora) para intervir na ação, como eventual responsável (parcial) pela reparação do acidente de trabalho.
A chamada veio apresentar o respetivo articulado, do qual se extrai, com relevância, que, no seu entender, a inteira responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, deveria recair sobre a seguradora
Em 28/04/2023, foi proferido saneador-sentença, contendo o seguinte dispositivo:
« 4.1. Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condeno a ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor AA:
a) O capital de remição de € 5.507,99, correspondente a uma pensão anual de € 525,67, devida desde o dia 15/7/2021, obrigatoriamente remível;
b) O diferencial de indemnização por IT´s no valor de € 1.651,93;
c) O reembolso das despesas de transportes para comparência a atos judiciais no valor de € 18; e,
d) Os juros de mora sobre as quantias em atraso até integral pagamento.
4.2. As custas são a suportar pela ré Fidelidade.
4.3. Fixo o valor da ação pelo montante das reservas matemáticas e demais acréscimos acima reconhecidos ao autor, isto é € 7.177,92 – art.º 120.º, do Código de Processo do Trabalho.
Notifique, sendo a ré Fidelidade para comprovar de imediato nos autos o pagamento das quantias acima reconhecidas ou proceder ao seu caucionamento.».
-
Inconformada, veio a seguradora interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1ª
A sentença sufraga entendimento no sentido de que nos casos em que o empregador tenha transferido a sua responsabilidade infortunística declarando para o efeito remuneração superior à realmente auferida pelo sinistrado, é àquela (declarada) que tem de atender-se para efeito de cálculo do direito à reparação.
A discórdia trazida a recurso centra-se na questão da retribuição a considerar para efeitos de reparação (se a realmente auferida ou se a declarada) no âmbito do contrato de seguro.
A retribuição realmente auferida pelo A/sinistrado ficou assente no auto de não conciliação e pelo valor de 10.454,34€ [665,00€ (base) x 14m + 4,77€ (subsídio alimentação) x 22 d x 11 m], realidade demonstrada na alínea C) dos Factos Provados/Sentença.
A Ré Fidelidade, no auto de não conciliação deixou exarado, a significar que aceitou, por transferido a coberto do seguro, o valor anual ilíquido de 9.310,00€ [665,00€ (base) x 14m].
Tendo a Ré aceite a remuneração transferida pelo valor anual ilíquido de 9.310,00€, a sentença é totalmente meritória quando afasta para efeitos de reparação, quer uma retribuição anual segura de 560,00€, quer o valor de 3.500,00€ para riscos traumatológicos referenciado na Apólice.
Ficam em equação três escalões de valor para efeitos de reparação, a saber por ordem crescente de valor a quantia de 9,310,00€ que a Ré Fidelidade aceitou por transferida no auto de não conciliação, a quantia de 10.454,34€ em correspondência com a retribuição realmente auferida pelo A/sinistrado (alínea c) /factos Provados/Sentença) e a quantia de 16.800,00€ em função da retribuição diária de 40,00€ e que está em correspondência com a opção da sentença sob recurso.
Na modalidade de contrato de seguro agrícola e no caso dos autos, inexistia mapa de inventário (com nome, local, área cultivada e identificação dos prédios que pudessem constituir a unidade agrícola do empregador), mapa esse previsto na Condição Especial 03 da Portaria 256/2011 de 05/07, e que tem por finalidade identificar os imóveis rústicos, as suas caraterísticas, mormente a morfologia do terreno (plano, montanhoso, com declives ou não, rochoso ou socalcado) com influência na determinação do risco e cálculo do prémio de seguro e de algum modo também importante quanto á qualificação de determinada ocorrência como acidente de trabalho ou não, conforme aquela se verifique ou não, dentro dos prédios rústicos acobertados pelo mapa (integrante da Apólice) ou fora deles.
No caso dos autos, a Ré Fidelidade aceitou que a ocorrência constituiu acidente de trabalho, e daí que a referência que a sentença faz quanto á falta do mapa de inventário, seja despicienda.
A Apólice, quanto á remuneração reporta salário máximo para homem de 40,00€/dia a significar que empregador e segurador, nos termos dos artigos 236º/1, 237º e 238º/1 do CC, quiseram que a responsabilidade por AT fosse transferida em função da retribuição real das pessoas seguras a qual seria no máximo de 40,00€/dia, a constituir este valor um teto máximo quer para homens, quer para mulheres (atento o sagrado princípio da igualdade de género constitucionalmente consagrado e adquirido).
10º
Se a vontade da Ré Fidelidade e do empregador tivesse sido a de garantirem a reparação por AT em função da retribuição única de 40,00€/dia independentemente do salário real que o trabalhador/sinistrado auferisse, não constaria na Apólice a adjetivação “máxima” com referência ao salário.
11ª
Temos para nós, salvo melhor opinião, que o empregador agiu contratualmente não com o intuito de beneficiar/gratificar qualquer trabalhador em caso de acidente, mas de proteger-se a si próprio e aqui valem as preocupações a que a sentença faz referência (incrementos salariais e progressão profissional), perspetivadas pelo empregador e contratualizadas para sua própria segurança.
12ª
A empregadora transferiu a sua responsabilidade até ao valor máximo da remuneração diária, todavia a retribuição deve ser obtida com respeito pelos limites diários e semanais para um trabalhador a tempo inteiro/permanente, isto é, 8 horas por dia e 40 horas semanais e é de realçar neste sentido que o próprio A. sustenta que trabalhava 40 horas semanais (de 2ª a 6º feira) ou seja, 5d x 8h e daqui decorre que a remuneração anual ilíquida jamais ultrapassaria 11.200,00€ [40,00€ x 20d (5d x 4s) c 14m] e nesta perspetiva este seria no limite e por excesso a remuneração a ter em conta para cálculo das prestações.
13ª
Todavia, primordialmente, importa ter em conta que a remuneração realmente auferida pelo A/sinistrado, ao tempo, era de 10.454,34€ [665,00€ (base) x 14m + 4,77€ (subsídio alimentação) x 22d x 11 m].
14ª
Na temática objeto do presente recurso, o Ac. do Ac. do STJ de 13.11.2019, proferido no processo 143/14.3TTFUN.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt decidiu e sumariou que “uma vez calculado o dano, o empregador teria que suportar, se não tivesse, em cumprimento da lei, transferido para um segurador, esse dano funciona como um limite da obrigação do segurador mesmo que o empregador por qualquer motivo tenha indicado um volume de retribuição superior ao real”.
15ª
Não obstante existirem acórdãos referenciados no corpo destas alegações que sustentam orientação oposta à do Ac. do STJ de 13.11.2019, validando o critério de aferição para efeitos de reparação na remuneração declarada, ainda que superior à realmente auferida, a verdade é que o referido acórdão do STJ de 13.11.2019 é orientação jurisprudencial mais recente do que aquela tirada pelos acórdãos das Relações, optando nesta questão, ut supra, pela remuneração concretamente apurada em desfavor da declarada para efeitos contratuais.
16ª
O contrato de seguro de acidentes de trabalho/trabalhador por conta de outrem (embora a sua natureza não seja consensual), dentro da sistematização da LCS é claramente um contrato de seguro de danos previsto nos artigos 123º e seguintes da LCS, regível na parte geral pelos artigos 123º a 136º ambos inclusive e na parte especial pelos artigos 137º a 147º também ambos inclusive da LCS.
17º
O artigo 138º da LCS manda aplicar ao seguro de acidentes de trabalho, o princípio do indemnizatório previsto nos artigos 128º a 136º e visa prevenir o enriquecimento do segurado e ou beneficiário do seguro com o sinistro, precavendo a ocorrência de sinistros, intuitos fraudulentos e de desordenação social.
18º
Este princípio indemnizatório está claramente transposto para o artigo 79º da NLAT que impõe ao empregador a obrigação de transferir a sua responsabilidade pela reparação prevista na NLAT, para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro e nada mais do que isso.
LEGISLAÇÃO
A douta sentença que veio proferida fez incorreta interpretação e aplicação do
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