Acórdão nº 1010/21.0T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2023

Data de Julgamento18 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão1010/21.0T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A, B, C, D e E, intentaram no Juízo Local Cível de Lisboa a presente ação declarativa de simples apreciação positiva, com processo comum, contra F , pedindo que o Tribunal “determine o “quantum” do valor da comissão devida pelos Autores à Ré pela atividade de mediação imobiliária efetivamente exercida em concreto por esta no negócio conducente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado, em 30 de Julho de 2020, entre os Autores e a sociedade “Villa Gouveia, Gestão de Espaços Urbanos, S.A.”, pertencente ao grupo Eiffage Immobilier, de acordo com o previsto nos artigos 400º e 883º, nº 1, do Código Civil, com todas as consequências legais.”
Para tanto alegaram o que segue:
- São proprietários de determinado imóvel, que identificam;
- A dado momento decidiram vender tal imóvel;
- A ré soube do interesse dos autores em vender o referido imóvel, e ofereceu os seus serviços como mediadora imobiliária;
- Após negociações, foi acordado que a remuneração da ré seria de 5% do valor da venda do imóvel;
- A ré apresentou aos autores uma empresa interessada na compra do mesmo;
- Os autores vieram a acordar com esta empresa a venda do mesmo imóvel;
- Uma vez que a ré se limitou a apresentar a referida empresa aos autores, não tendo acompanhado as múltiplas reuniões em entre ambos, os autores entendem que a remuneração ajustada de 5% do valor da venda é excessiva, razão pela qual recusaram pagá-la à ré, bem como a assinar o contrato de mediação imobiliária que haviam negociado;
- O montante de tal remuneração deve ser fixado pelo Tribunal, nos termos previstos no art. 400º e 883º do CC.
Regular e pessoalmente citada, a ré contestou, invocando a exceção dilatória de falta de interesse em agir, impugnando substancialmente os factos e conclusões jurídicas vertidos na petição inicial, e concluindo nos seguintes termos:
“A. Deverá ser julgada procedente a exceção dilatória invocada pela Ré relativamente à falta de interesse em agir por parte dos Autores, e consequentemente, ser a Ré absolvida da presente instância, desde logo em sede de despacho saneador (Art. 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC);
Caso assim não se entenda, o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética e por estrito dever de patrocínio:
B. Deverá ser declarado pelo Douto Tribunal que o “quantum” do valor da comissão devida pelos Autores à Ré será correspondente e calculado nos termos da Cláusula 5.ª do Contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre as partes, sendo assim consequentemente declarado que os Autores:
i. São devedores à Ré do valor de € 36.900,00 (trinta e seis mil e novecentos euros), ao qual devem acrescer juros de mora vencidos contabilizados desde o dia 31.07.2020 (data da interpelação junta supra como Doc. 11) e que, na presente data, se cifram no valor de € 1.967,33 (mil novecentos e sessenta e sete euros e trinta e três cêntimos), assim como os juros de mora vincendos, até integral e efetivo pagamento, valor vencido por força da celebração do CPCV já outorgado no dia 30 de julho de 2020 (Doc. 10); e
ii. São também devedores à Ré do remanescente da remuneração correspondente à percentagem de 5% sobre o preço pelo qual o negócio prometido for efetivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor assim como dos juros de mora vincendos, até integral e efetivo pagamento; e
C. Por fim, deverá o Tribunal considerar procedente o pedido de litigância de má-fé e, em consequência, condenar os Autores ao pagamento de uma indemnização à Ré de valor correspondente a todas as despesas que esta foi (e continuará a ser) obrigada a suportar, nomeadamente, os honorários despendidos com os respetivos mandatários para efeitos de resposta acompanhamento jurídico do presente processo, até final (Arts. 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d), 543.º, n.º 1, alínea a) do CPC).”
Correspondendo a convite expresso manifestado em despacho do Tribunal a quo, os autores apresentaram novo articulado, no qual se pronunciaram sobre a exceção de falta de interesse em agir e sobre a questão da litigância de má-fé, pugnando pela improcedência de uma e outra.
Subsequentemente realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador julgado procedente a invocada exceção de falta de interesse em agir, e consequentemente, absolvendo a ré da instância.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações que resumiram nas seguintes conclusões:

A) Os presentes autos versam uma ação declarativa de simples apreciação positiva, para definição do conteúdo quantitativo do direito a que a Ré ora Recorrida se arroga, ou como se formula no peticionado que o Tribunal “determine o “quantum” do valor da comissão devida pelos Autores à Ré pela atividade de mediação imobiliária efetivamente exercida em concreto por esta no negócio conducente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado, em 30 de Julho de 2020, entre os Autores e a sociedade “Villa Gouveia, Gestão de Espaços Urbanos, S.A.”, pertencente ao grupo Eiffage Immobilier, de acordo com o previsto nos artigos 400º e 883º, nº 1, do Código Civil.”
B) Existe interesse processual ou interesse em agir quando se puder dizer que se verifica a necessidade de instaurar e fazer seguir uma ação judicial, para dirimir um conflito de interesses, sendo que o art.º 30º, nº 2 do Código de Processo Civil, que se refere ao interesse processual, determina que “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.”
C) Os Autores ora Recorrentes têm um manifesto interesse processual ou interesse em agir ao intentar uma ação declarativa de simples apreciação positiva para dirimir a incerteza objetiva sobre o “quantum” do crédito devido à Ré ora Recorrida, porque não lhes é possível propor uma ação declarativa de condenação, dado que figuram no lado passivo, de obrigados ao pagamento de um crédito, na relação material controvertida, e não no lado ativo, de titulares do direito de crédito.
D) Não obstante o direito de crédito pertencer à esfera jurídica da Ré ora Recorrida, aquele constitui inversamente uma obrigação de pagamento, ou seja, de entrega de quantia certa, a cargo ou na esfera jurídica dos Autores ora Recorrentes, ou seja, o direito versus obrigação de satisfação do direito são como “duas faces da mesma moeda”.
E) A incerteza real, séria, objetiva, concreta e grave existe, como se disse, em relação à definição do “quantum” da obrigação de pagamento por parte dos Autores ora Recorrentes em relação à Ré ora Recorrida, a título de comissão pelo exercício da atividade de mediação imobiliária desta no âmbito de um determinado negócio de compra e venda, de que lhes pode resultar um dano grave, sendo legítimo, de acordo com as disposições legais constantes dos artigos 400º e 883º, nº 1 – parte final do Código Civil, o recurso ao tribunal para pôr termo a essa situação de incerteza.
F) Da factualidade vertida na petição inicial atinente à relação jurídico-comercial estabelecida entre os Autores ora Recorrentes e a Ré ora Recorrida a propósito da atividade de mediação imobiliária exercida por esta quanto a uma concreta situação negocial na venda de um imóvel, emerge uma controvérsia objetiva e séria referente ao cumprimento de deveres pela mediadora imobiliária e inerente ao valor da comissão devida – situação que preenche o requisito da existência de factos exteriores, que implicam colocar em dúvida a consistência quantitativa do direito creditício referente à aludida comissão, que não uma mera dúvida subjetiva, académica ou hipotética dos demandantes.
G) Por seu turno, o prejuízo ou desvantagem, de ordem material, que a situação de incerteza pode acarretar para os demandantes consiste na diferença entre os 688.800,00 euros, exigidos pela Ré ora Recorrida àqueles, e o valor que o Tribunal vier a fixar.
H) Parece curial concluir estar, assim, demonstrada a necessidade de se obter uma declaração judicial definidora de uma situação jurídica complexa, no sentido da existência quantitativa (que não qualitativa) de um direito de crédito versus a respetiva obrigação de satisfação daquele – a qual espelha a correlatividade de interesses processuais ou de agir em juízo quer por parte dos Autores ora Recorrentes, quer por parte da Ré ora Recorrida.
I) Por último, a utilidade derivada da presente lide, para além de prática, quanto ao cumprimento voluntário de uma decisão judicial, exprime-se pela vinculatividade desta, em termos de caso julgado formado entre as partes para todos os efeitos legais.”.
Remataram as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, por conseguinte, ser o despacho saneador sentença que absolveu a Ré da instância por falta de interesse em agir por parte dos Autores revogado, com todas as consequências legais.”
A apelada contra-alegou, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões:

A) O Tribunal “a quo” decidiu de forma correta ao julgar, em sede de Saneador-Sentença, procedente a exceção dilatória invocada pela Ré / Recorrida relativamente à falta de interesse em agir por parte dos Autores / Recorrentes, e em conformidade, ao ter absolvido a Ré / Recorrida da presente instância, nos termos e para os efeitos dos Artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, n.º 2, ambos do CPC.
B) O recurso apresentado pela Recorrente está manifestamente votado ao insucesso, sendo sintomático que a ação judicial que lhe subjaz não tenha sequer passado da fase saneadora.
C) A presente ação consiste num mero expediente dilatório no âmbito do qual os Recorrentes tentam transformar o grave incumprimento contratual que perpetraram numa manifestamente inexistente “incerteza jurídica”.
D) Conforme desenvolvido
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