Acórdão nº 101/21.1T8PCV.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-02-15

Ano2022
Número Acordão101/21.1T8PCV.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENACOVA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)







Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO[1]

Foram remetidos a juízo pela Conservatória do Registo Predial de ..., os autos de impugnação judicial interposta pela Exmª Notária do Cartório Notarial de ..., da decisão da respetiva Conservadora de recusa dos registos de aquisição do direito de propriedade a que correspondem as apresentações nºs 1934 e 1935, ambas de 2020/01/27, respeitantes, respetivamente, ao prédios descritos sob o números 12.894 e 12.895, ambos da freguesia e concelho de ..., na sequência da decisão proferida pela Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP, que homologou o parecer do respetivo Conselho Consultivo, no âmbito dos recursos hierárquicos interpostos pela referida Notária dos despachos, datados de 2020/04/27, da mesma Conservadora, que lavrou tais registos como provisórios por dúvidas.

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Os registos de aquisição supra referidos foram solicitados pela Exmª Srª Notária AA, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 8º-B do Código do Registo Predial, tendo a Exmª Srª Conservadora do Registo Predial de ..., lavrado os registos de aquisição do direito de propriedade sobre os prédios a que respeitam as descrições 12894 e 12895, da freguesia e concelho de ..., provisórios por dúvidas, por entender exigível a inscrição prévia dos imóveis em nome de todos os comproprietários, o que não ocorria com um dos comproprietários.

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Por despachos de sustentação de 13 de julho de 2020 a Exmª Srª Conservadora do Registo Predial de ... manteve as qualificações dadas aos registos, e remeteu o processo ao Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, IP.

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Obtido parecer do Conselho Consultivo, veio a Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP homologar este parecer, decidindo que:

“1- O registo definitivo de aquisição, com base em divisão de coisa comum, de prédio descrito e com inscrição em vigor apenas quanto à quota-parte de ½ basta-se com a intervenção do titular inscrito (art. 34º/4) e a apresentação do documento comprovativo do direito do comproprietário não inscrito (art. 34º/2), não se mostrando, por isso, exigível a inscrição prévia em nome de todos os comproprietários.

2- Não é legalmente admissível o negócio jurídico no qual se proceda à divisão de dois prédios em compropriedade, mediante adjudicação de um prédio a cada um dos comproprietários, como se de um só direito, versando sobre uma pluralidade de coisas, se tratasse.”


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A impugnante insurgiu-se contra a decisão de recusa dos registos, na sequência da decisão proferida pela Presidente do INPI, com dois fundamentos:

1º Por violação da proibição da reformatio in pejus e do direito do contraditório;

2º Pela inverificação da nulidade da escritura de divisão de coisa comum.


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O Ministério Público emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso em apreço e, assim, pela manutenção da decisão proferida pelo IRN, aderindo aos fundamentos expostos nessa mesma decisão e por entender que se tratava de questão de conhecimento oficioso.

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Foi após proferida decisão pelo Tribunal a quo que julgounula e sem efeito a decisão da Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC, aplicável ex vi artigo 156º do Código do Registo Predial, e determina-se a devolução dos autos à Conservatória do Registo Predial de ..., que os deverá remeter ao IRN, para concessão expressa do contraditório em relação à concreta questão da validade do negócio jurídico a que respeita a escritura de divisão de coisa comum referida no ponto 3 dos factos assentes.”


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Notificada da decisão, veio a Presidente do INRI interpor recurso, do qual constam as seguintes conclusões:


I. A impugnação judicial não deveria ter sido admitida pelo Tribunal, mas sim rejeitada, por inadmissibilidade legal, pelo que, ao admiti-la, violou o Tribunal o disposto no artigo 145.° do Código do Registo Predial.
II. Com efeito, em face do disposto no artigo 145.°, a impugnação judicial subsequente é admitida após a notificação da decisão do presidente do Conselho Diretivo do I.R.N. que tiver julgado improcedente o recurso hierárquico e só pode visar a modificação da decisão tomada pelo conservador - nunca aquela decisão de improcedência hierárquica.
III. O recurso hierárquico previsto nos arts. 140,° e ss. do Código do Registo Predial não é um processo de partes, que assente num litígio que oponha o Conservador recorrido ao recorrente, uma vez que tanto o Conservador recorrido como o superior hierárquico (Presidente do Conselho Diretivo do IRN), nas posições e pronúncias que aí defendam e emitam, atuam desprovidos de qualquer interesse próprio ou pessoal e unicamente movidos pelo dever funcional de não permitirem senão a feitura de registos válidos, em nome da segurança do comércio jurídico imobiliário.
IV. Consequentemente, por não ser um processo de partes, não se aplica ao processo de recurso hierárquico das decisões do conservador o princípio do contraditório que, como princípio geral, se acha consagrado no art. 3.°/3 do Código de Processo Civil.
V. Consequentemente, não violará o princípio do contraditório, nem sofrerá de nulidade alguma por excesso de pronúncia (art. 615.º/1, d) do Código de Processo Civil), a decisão proferida no recurso hierárquico que, a fim de evitar a feitura de registo nulo (art. 16.° do Código do Registo Predial), recuse o seu provimento com base em razões não suscitadas na decisão (do conservador) objeto de recurso.
VI. Assim como a decisão proferida no recurso hierárquico, também a sentença proferida na impugnação judicial da decisão registral deve conhecer oficiosamente das questões não suscitadas na fundamentação dessa decisão registral, se a omissão de pronúncia sobre essas questões puder conduzir à feitura de registos nulos.
VII. Na decisão recorrida foi violada a norma do artigo 145.º do Código do Registo Predial e mal aplicadas as normas dos arts. 3.°/3 e 615.º/1 do Código de Processo Civil.

Nos termos expostos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, o presente recurso deverá ser julgado procedente e simplesmente revogada a douta sentença recorrida, na medida em que versa exclusivamente sobre a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, de que não podia conhecer.

Ou

Caso se entenda que a sentença a proferir no âmbito da impugnação judicial prevista no artigo 145.° do Código do Registo Predial pode versar exclusivamente sobre a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, deve o presente recurso ser julgado procedente e substituída a decisão recorrida por outra que considere o recurso hierárquico improcedente, com fundamento nas deficiências do título não conhecidas no despacho de qualificação e na sentença, devidamente identificadas na decisão hierárquica proferida no recurso com que se instruiu a impugnação judicial, visto que, de contrário, se permitirá a feitura de um registo nulo.


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FUNDAMENTAÇÂO DE FACTO

O Tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto, relevante para a decisão a proferir:

1-Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 12894... o prédio urbano composto de casa de habitação com 3 pisos, situado na localidade de ..., da freguesia e concelho de ..., com a área total e coberta de 94,37 m2, a confrontar a norte com herdeiros de BB, a sul com estrada, a nascente com CC e a poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1255.

2- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 12895/... o prédio urbano composto de casa de habitação com 2 pisos, situado na localidade de ..., da freguesia e concelho de ..., com a área total de 185 m2, sendo a área coberta de 97 m2 e a área descoberta de 88 m2, a confrontar a norte com herdeiros de BB, a sul com estrada, a nascente com CC e a poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1256;

3- Na escritura de doação, partilha e divisão de coisa comum, outorgada no Cartório Notarial ..., a cargo da Notária AA, a 28/11/2019, EE, casado com FF no regime de comunhão de adquiridos, e GG e marido HH, casados sob o regime de comunhão geral, declararam: “Que são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade para cada, dos seguintes prédios sitos na freguesia e concelho de ...:

UM - PRÉDIO URBANO composto de casa de habitação com 3 pisos, com a superfície coberta de noventa e quatro vírgula trinta e sete metros quadrados, a confrontar a norte com herdeiros de BB, de sul com estrada, de nascente com CC e de poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1255, com o valor patrimonial de 10.652,38€;

DOIS - PRÉDIO URBANO composto de casa de habitação com 2 pisos, com a superfície coberta de noventa e sete metros quadrados e descoberta de oitenta e oito metros quadrados, a confrontar a norte com herdeiros de BB, de sul com estrada, de nascente com CC e de poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1256, com o valor patrimonial de 7.855,46€,

Que os referidos prédios, aos quais atribuem o valor de dez mil seiscentos e cinquenta e dois euros e trinta e nove cêntimos cada, provêm do artigo matricial urbano 449 da mesma freguesia de ... e não se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial ... (…).

Que a metade que pertence ao primeiro outorgante veio à sua posse por escritura de partilha lavrada hoje a folhas que imediatamente estas antecedem e metade que pertence aos segundos outorgantes faz parte das heranças abertas por óbito de II e JJ, de quem a segunda outorgante mulher foi declarada sua única herdeira conforme consta da escritura de habilitações lavrada a folhas cento e vinte e oito e seguintes do Livro número Trinta e Três – C do extinto Cartório Notarial Público de ....

Que não lhes sendo conveniente permanecer nesta indivisão põem termo à compropriedade, adjudicando o...

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