Acórdão nº 10054/20.8T8LRS.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-06

Data de Julgamento06 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão10054/20.8T8LRS.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1 A e B intentaram acção especial de fixação judicial do prazo contra a C, pedindo que «o Tribunal se digne fixar prazo não superior a um ano para a Ré cumprir a obrigação por si assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977, sob pena de, caso tal condição não se verifique no prazo judicialmente fixado, se dar a reversão a favor dos Autores enquanto herdeiros do vendedor, pelo preço estabelecido entre as partes vendedor e compradora em 14 de Setembro de 1977, devendo a presente acção de fixação judicial de prazo ser julgada procedente e provada».
Para tanto, alegaram, em síntese, que o seu falecido pai vendeu à Requerida um lote de terreno para que a mesma ali construísse a sua sede social, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verificasse, dar-se-ia a reversão a favor do vendedor ou seus herdeiros, pelo preço da venda, sendo que a Requerida nunca construiu a sua sede, incumprindo a obrigação por si assumida, para a qual, contudo, não foi estabelecido entre o vendedor e a compradora prazo para o cumprimento, não tendo, também, as partes logrado acordar nessa fixação.
1.2. A Requerida respondeu, invocando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, a inexistência de um direito de crédito dos Requerentes sobre a Requerida e a prescrição do mesmo caso fosse existente e defendendo que as partes não acordaram qualquer prazo para a construção da sede, sendo certo que a reversão apenas teria lugar se a Requerida desse ao lote de terreno outro destino, o que não sucedeu.
Concluiu da seguinte forma:
«(…) deve ser:
a) Julgada totalmente improcedente, com fundamento na matéria da impugnação, por manifesta falta de fundamento da pretensão dos A, nos termos do artigo 595º do CPC com todas as demais consequências.
b) Que seja declarada a inépcia do requerimento inicial por ausência da causa de pedir (falta de acordo na determinação do prazo nos termos do art.ºs 186, n.º1 e 2, alínea a) do CPC).
c) Deve ser julgada procedente por provada a prescrição e em consequência a Ré ser absolvida do pedido.
d) Caso assim não entenda, e por se tratar de uma Associação de elevado valor social e comunitário, tendo em conta a atual conjuntura económica que o prazo não seja inferior a 20 anos»
1.3. Os Requerentes ainda responderam por escrito, pronunciando-se pela improcedência das excepções invocadas e concluindo como na petição inicial.
1.4. Realizou-se a audiência de inquirição de testemunhas, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes a excepção da ineptidão da petição inicial e a acção e absolveu a Requerida da totalidade do pedido.
1.5. Inconformados, apelaram os Requerentes, formulando as seguintes conclusões:
«1. A douta Sentença proferida em 20 de Dezembro de 2022 julgou a presente acção de fixação judicial do prazo totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu do pedido a Recorrida C;
2. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando entendeu que os Recorrentes decidiram alcançar uma resolução contratual por via de uma acção de fixação judicial do prazo;
3. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando concluiu que inexiste qualquer prestação que recaia sobre a Recorrida, considerando que a Recorrida não se obrigou a construir um edifício no lote de terreno vendido em 14 de Setembro de 1977;
4. A acção de fixação judicial de prazo, prevista nos artigos 1.026º e 1.027º do Código de Processo Civil, tem como pedido o pedido de fixação do prazo e como causa de pedir a ausência de acordo das partes na fixação do prazo;
5. Na presente acção de fixação judicial de prazo, o que se mostra peticionado pelos Recorrentes é que o Tribunal fixe judicialmente o prazo para a Recorrida cumprir a obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977;
6. Não há acordo das partes na fixação do prazo;
7. Entendem os Recorrentes que a Recorrida encontra-se obrigada e vinculada ao cumprimento da condição estabelecida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977;
8. Nos termos acordados entre o vendedor V e a compradora C, conforme consta na escritura pública de compra e venda outorgada em 14 de Setembro de 1977, o lote de terreno para construção urbana destinava-se “a nele ser construída a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verifique, se dará a reversão a favor dele, vendedor, ou seus herdeiros e pelo preço agora vendido” (Factos Provados N.º 3);
9. Está provado nos presentes autos que a vontade das partes que celebraram o contrato de compra e venda em 14 de Setembro de 1977 “era unicamente o desejo de que o terreno não fosse utilizado para outro fim que não o da construção da sede da C” (Factos Provados N.º 12);
10. Está provado nos presentes autos que a Recorrida “não procedeu até à data à construção da sua sede social no lote de terreno” vendido em 14 de Setembro de 1977 (Factos Provados N.º 13);
11. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando considera provado que a Recorrida “em nenhuma circunstância deu uso diverso ao lote de terreno daquele estabelecido na escritura pública de compra e venda” (Factos Provados N.º 20);
12. O Tribunal “a quo” esqueceu e não relevou devidamente que não dar o uso a que a Recorrida C se vinculou no contrato de compra e venda celebrado em 14 de Setembro de 1977 é objectivamente dar um “uso diverso” ao lote de terreno para construção;
13. Através da presente acção de fixação judicial de prazo, os Recorrentes requereram ao Tribunal que seja fixado um prazo não superior a um ano para a Recorrida cumprir a obrigação de construção no lote de terreno identificado da sua sede social, nos termos do disposto no artigo 777º, n.º 2/ do Código Civil;
14. A Recorrida obrigou-se a construir no lote de terreno para construção urbana vendido em 14 de Setembro de 1977 “a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino”;
15. Recai sobre a Recorrida efectuar o cumprimento da obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977;
16. É admissível ou válida a inclusão da cláusula ou condição estabelecida no contrato de compra e venda celebrado entre o vendedor e a compradora em 14 de Setembro de 1977;
17. Em primeiro lugar, porque esta cláusula consta expressamente da escritura pública de compra e venda outorgada entre vendedor e compradora em 14 de Setembro de 1977 (Factos Provados N.º 3);
18. Em segundo lugar, porque esta cláusula consubstancia uma condição ou uma obrigação voluntariamente assumida pela compradora C, vertida na escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial de …;
19. Em terceiro lugar, porque está inscrita no registo predial a cláusula acordada na escritura pública de compra e venda outorgada em 14 de Setembro de 1977, publicitando, como é função do registo predial, a “reversão para o vendedor ou seus herdeiros e pelo preço da venda, se for dado outro destino ao terreno, expresso na escritura” (Factos Provados N.º 21);
20. Esta condição admissível e válida obriga a Recorrida enquanto compradora a destinar o prédio adquirido à construção no lote de terreno da sede social da compradora, sob pena da reversão a favor do vendedor ou dos seus herdeiros;
21. Sendo admissível e válida esta cláusula, o que é necessário, perante o texto do contrato de compra e venda de 14 de Setembro de 1977, e perante a ausência de acordo entre as partes na sua determinação, é que a fixação do prazo para o cumprimento da obrigação assumida pela Recorrida seja “deferida ao Tribunal”, nos termos do disposto no artigo 777º, n.º 2/ do Código Civil;
22. O que se encontra em discussão na presente demanda é a necessidade ou não da fixação judicial de prazo para a Recorrida cumprir a obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977;
23. A resolução ou a reversão do prédio identificado nos presentes autos a favor dos Recorrentes enquanto herdeiros do vendedor V será uma eventual consequência futura do não cumprimento da obrigação pela Recorrida no prazo judicialmente fixado;
24. A douta Sentença recorrida proferida em 20 de Dezembro de 2022 violou o disposto no artigo 777º, nº 2/ do Código Civil e violou o disposto nos artigos 1.026º e 1.027º do Código de Processo Civil.
25. Deste modo, em suma, a douta Sentença recorrida proferida em 20 de Dezembro de 2022 não fez a correcta interpretação dos factos e não fez a correcta aplicação e interpretação da lei adequada;
26. Nos termos e com os fundamentos anteriormente expostos, deverá ser julgado procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a douta Sentença proferida em 20 de Dezembro de 2022 e, em consequência, deverá ser julgada provada e procedente a presente acção de
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