Acórdão nº 1001/21.0T8PBL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-01-2023
Data de Julgamento | 10 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 1001/21.0T8PBL.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Processo nº 1001/21.0T8PBL.C1 – Apelação
Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Paulo Correia
2º Adjunto: Helena Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha do património hereditário por óbito de AA, o interessado/Requerente, BB veio reclamar contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, CC:
- pugnando pela exclusão da verba n. 21, bem como das verbas um a nove do passivo, por terem sido pagas com dinheiro da herança;
- impugnando o valor da verba nº1;
- acusando a falta de relacionação de um terreno urbano da herança onde o filho DD tem implantada a sua habitação, bem como de vários bens móveis, de um prédio rústico, e de todos os montantes existentes na CCA;
- acusando a existência de débitos da herança ao Requerente/reclamante;
- acusando a existência de créditos da herança sobre a cabeça de casal (art. 27º);
- acusando a existência de um crédito da herança sobre o interessado EE (artigo 26º).
Pelo juiz a quo foi proferido Despacho, a considerar tal reclamação extemporânea, por apresentada depois de decorrido o prazo de 30 dias a contar da notificação do reclamante, nos termos do artigo 1104º, nº1 do CPC, determinando o seu desentranhamento.
*
Não se conformando com o decidido, o Requerente/Reclamante, dela interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1.ª - Ora, o douto despacho datado de 22.06.2022, e notificado em 27.06.2022 que rejeitou o articulado de reclamação contra a relação de bens, por manifesta extemporaneidade e ordenou o desentranhamento do dito articulado apresentado sob a ref.ª: ...15, salvo o devido respeito, que é muito, deriva fundamentalmente de uma incorreta interpretação do disposto no art. 1104.º do CPC e de todo o regime do processo de inventário como um todo e da violação do princípio da economia processual.
2.ª - Antes da realização da conferência de interessados, o interessado e aqui recorrente, BB apresentou uma reclamação contra a relação de bens, isto porquanto, a cabeça de casal apresentou com inexatidão a relação de bens.
3.ª - Na relação de bens foram relacionados bens que não existem no acervo da herança, outros que, existem mas os mesmos foram indevidamente descritos e mal relacionados, ainda outros que não foram relacionados e por fim, outros cujo valor patrimonial dos mesmos não correspondem a uma atual avaliação.
4.ª- É consabido que nesta sede de sindicância, apresentada a relação de bens são os restantes interessados dela notificados, podendo dela reclamar no prazo, normal, de trinta dias, seja para acusar a falta de bens na relação apresentada e que devam ser relacionados, seja para requer a exclusão de bens indevidamente relacionados.
5.ª - É jurisprudência uniforme, e pese embora a reclamação da relação de bens tenha prazo específico, ela pode sempre ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha.
6.ª - O art.º 1104.º do CPC admite a reclamação contra a relação de bens apresentada, fora dos trinta dias.
7.ª - O princípio da economia processual, invoca a admissibilidade da reclamação contra a relação de bens, sob pena de se tornar absolutamente inútil, isto é, sem finalidade alguma para os interessados, sendo que à posterior uma eventual procedência do recurso à final determinaria a anulação de todos os atos subsequentemente praticados no processo de inventário.
8.ª - Não é preclusivo do direito de reclamar o prazo estabelecido no n.º 1 do art.º 1104.ºdo CPC, já o sendo a faculdade de reclamar após decisão do incidente transitada em julgado.
9.ª - Pelo que, podemos com segurança concluir, que deve ser a alegada reclamação contra a relação de bens ser aceite, pese embora fora do prazo dos trinta dias, por ser tempestiva.
10.ª - Em consequência, dúvidas não restam que o douto despacho que antecede enferma de irregularidades, que devem inequivocamente provocar a aceitação e consequente admissão da invocada reclamação à relação de bens apresentada, bem como os meios de prova nela consignados, e ser revogado o despacho que ordenou o desentranhamento do articulado de reclamação contra a relação de bens apresentado sob a ref.ª ...15, o que desde já se almeja.
11.ª - Pelo acima exposto, deverão V. Exas declarar que se encontram violadas todas as disposições e considerações referidas anteriormente, que aqui se reproduzem na íntegra para todos os efeitos legais, e decidirem em conformidade com o ora invocado.
12.ª - Ora, salvo o devido respeito, não andou bem o Tribunal “a quo”, na medida em que não é preclusivo do direito de reclamar o prazo estabelecido no n.º 1 do art.º 1104.º do CPC, já o sendo a faculdade de reclamar após decisão do incidente transitada em julgado, razão pela qual deverá o Tribunal “ad quem”, proferir um acórdão que anule a decisão ora sindicada e tudo sob as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de Direito e Doutamente supridos por V. Exas Venerandos Desembargadores, deverá o presente recurso merecer provimento, conforme conclusões supra e a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que ordenará a prolação de despacho que admita o articulado de reclamação contra a relação de bens, a prova requerida e entre outros em nome da efetiva descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, que atendendo aos princípios existentes no nosso ordenamento jurídico e aqui aplicáveis, deve o julgador procurar oficiosamente, mesmo para além do contributo das partes tendo com fim último a justa composição do litígio e a realização da costumada Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações
Dispensados foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a reclamação à relação de bens é de não admitir por extemporânea.
É o seguinte o teor da decisão objeto de recurso:
“Tendo em conta que o despacho que ordenou a citação/notificação dos interessados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1104.º, n.º 1 do Código de Processo Civil foi proferido a 22.03.2022, assim como que o reclamante BB foi notificado do mesmo no dia 24.03.2022, é manifesto que o prazo de 30 dias para a apresentação da reclamação contra a relação de bens se encontra ultrapassado.
Considerando a data em que o interessado BB veio apresentar a sua reclamação (17.06.2022), parece-nos que o mesmo laborou erradamente no pressuposto de que poderia apresentar aquele articulado fazendo-se valer do prazo concedido ao últimos dos interessados citados, ou seja, do Sr.º DD, o qual apenas foi citado a 13.05.2022 (ref.ª ...86), faculdade essa que apenas se encontra prevista para a apresentação de contestação no âmbito do processo declarativo comum (art. 569.º, n.º 2).
Sucede que a norma constante no art. 1104.º, n.º 1 do Código de Processo Civil constitui norma especial em relação àquela norma geral, não tendo o legislador previsto neste normativo disposição idêntica para efeitos de reclamação contra a relação de bens. Como refere Abrantes Geraldes, posição com a qual concordamos na integra “não sendo o articulado de oposição qualificado legalmente como contestação e existindo frequentemente conflito de interesses entre os vários interessados, não é aplicável – na falta de específica previsão no âmbito do processo de inventário – regime constante do art. 569.º, n.º 2. O referido prazo corre separadamente para cada um dos interessados citados” (O Novo Regime do Processo de Inventário e...
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