Acórdão nº 1/22.8T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-12-19

Ano2023
Número Acordão1/22.8T8MAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1/22.8T8MAI.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível da Maia - Juiz 1

Relatora: Des. Eugénia Maria Cunha
1º Adjunto: Des. José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Des. Ana Olívia Loureiro

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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Recorrente: AA
Recorrido: A..., S.A,

I. RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., 1º, Maia, intentou a presente ação declarativa de condenação contra A..., S.A, com sede na Avenida ..., Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento de:
a) 37.845,00 €, a título do desaparecimento do veículo segurado de matrícula ..-QT-.., nos termos contratualmente fixados no Contrato de Seguro titulado pela Apólice n.º ...;
b) 933,57 €, a título de ressarcimento pelo custo pago pelo Autor pelo aluguer de uma viatura em virtude da privação de uso de viatura automóvel para o desempenho da sua vida profissional, pessoal e familiar;
c) 4.320,00 €, a título de ressarcimento pela privação de uso de viatura automóvel para o desempenho da sua vida profissional, pessoal e familiar;
d) Juros de mora, à taxa legal, contados desde 26.03.2021 (60 dias após a participação do furto) até integral e efetivo pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que entre as 19h30 de 7.12.2020 e as 10h de 8.12.2020 foi furtado, na Rua ..., Maia, o veículo de matrícula ..-QT-.., sua propriedade e objeto de contrato de seguro celebrado com a Ré, com o valor de 37.845,00 € e que, por força do furto, se viu privado do veículo, pelo que deverá ser indemnizado, também, pelo valor de 4.320,00 €, a título de privação do uso, bem como na quantia de 933,57 €, correspondente ao valor que despendeu pelo aluguer de uma viatura.
Regularmente citada, a Ré contestou impugnando os factos alegados e invocando o sobresseguro do veículo, cujo valor de mercado à data dos factos não ultrapassava 27.000,00 €, e a falta de cobertura de privação do uso da viatura de entre o elenco de coberturas facultativas convencionadas, concluindo pela improcedência da ação.
Dispensada a realização de audiência prévia foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio, enunciou os temas de prova e admitiu os meios de prova.
Procedeu-se a audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolvo a Ré do pedido.
Condeno o Autor no pagamento das custas da acção”.
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Apresentou o Autor recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue procedente a ação, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1. O presente Recurso de Apelação vai interposto da Douta Sentença proferida, constante a fls. de Processo, que julgou a Ação totalmente improcedente e em consequência absolveu a Ré do pedido.
2. Salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforma, nem se pode conformar com tal decisão.
3. O Recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria de facto e subsumindo-a à prova produzida e carreada para os Autos bem como às normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, tal como é apanágio, não deixarão de revogar a Sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a Ação apresentada pelo Apelante.
4. Nos Autos ora em crise estamos perante um contrato de seguro responsabilidade civil e danos próprios do ramo automóvel, celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, respeitante à utilização do veículo automóvel de matrícula ..-QT-.., propriedade do Recorrente.
5. No caso dos seguros contra danos, tal qual in casu, estes são seguros reais, em que o titular da indemnização é o próprio segurado, cujos interesses ditam a sua celebração.
6. A respeito do contrato de seguro celebrado, na medida em que inclui danos próprios, nesta parte tendo natureza facultativa, deve salientar-se que as partes gozam de ampla liberdade negocial, podendo negociar as coberturas que entenderem, sempre, obviamente, sem prejuízo das regras da boa-fé que devem nortear toda a negociação.
7. Ora, decorre do contrato de seguro celebrado entre o Recorrente e a Recorrida que o risco de furto da viatura automóvel de matrícula ..-QT-.. se transferiu para a Recorrida, pelo montante contratado de € 37.845,00, sem franquia.
8. O referido seguro automóvel celebrado entre o Recorrente e a Recorrida estava em vigor no período respeitante à data dos factos e a referida Apólice de seguro cobria diversos riscos, em sede de danos próprios, como sejam fenómenos da natureza, incêndio, raio ou explosão e furto ou roubo.
9. Estamos assim perante a responsabilidade civil contratual (obrigacional), que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos.
10. De acordo com o artigo n.º 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16/04, atualizado pela Lei n.º147/2015, de 09/09, “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.” (itálico nosso).
11. Com interesse para a decisão da causa, foram considerados como provados os seguintes factos (…)
12. Tendo ainda sido considerados como não provados os seguintes factos: (…)
13. Ora, salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforma, nem se pode conformar com a Douta Sentença proferida na parte que considera como facto não provado que:
“1. No período compreendido entre as 19h30 de 07.12.2020 e as 10h00 de 08.12.2020, o veículo automóvel de matrícula ..-QT-.. foi furtado da via pública onde se encontrava estacionado, nomeadamente na Rua ..., na cidade da Maia, artéria onde AA reside.”
14. Isto porque, da prova carreada para os Autos bem como das declarações prestadas pelo Recorrente, ouvido em declarações e depoimento de parte, bem como da Testemunha BB, resultam claro e evidente que tal facto deveria ter sido considerado como provado, ao invés do que sucedeu.
15. Na verdade, das declarações prestadas pelo Recorrente, ouvido em declarações e depoimento de parte na sessão de julgamento do dia 18/10/2022, pelas 15.44 horas, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, dos 00.00.33 minutos a 00.02.55 minutos, e 00.07.32 minutos a 00.08.18 minutos, supra transcritas resulta que aquele facto considerado como não provado deveria ser considerado como provado.
16. Ainda sobre este facto, vejam-se as declarações prestadas pela Testemunha BB, esposa do Recorrente, ouvida na sessão de julgamento do dia 18/10/2022, pelas 14.43 horas, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, dos 00.00.45 a 00.01.50, supra transcritas, resulta que aquele facto considerado como não provado deveria ser considerado como provado.
17. A prova testemunhal transcrita e produzida impunha decisão diferente, ou seja, que aquele facto considerado como não provado deveria ser considerado como provado.
18. Além disso, esta prova, conjugada com os factos 3 e 5 considerados como provados impunham decisão diferente, ou seja, que aquele facto considerado como não provado deveria ser considerado como provado.
19. À luz dos factos ocorridos, e constantes dos depoimentos supra transcritos e do facto 3 considerado como provado, resulta que o Recorrente efetuou a participação do furto junto das autoridades, endereçou à Recorrida documento que atestava que alguém circulou com a viatura tendo passado por uma “via verde” com a mesma, procedeu à entrega das duas chaves da viatura ao Sr. Perito e face ao facto de estar separado da sua esposa aquela viatura não era, normalmente, avistada naquela artéria.
20. Ademais, e no que releva nos autos ora em crise, normalmente, pela natureza das coisas, pode não haver prova direta do furto, muitas das vezes praticado de forma sub-reptícia, evitando a presença de testemunhas e/ou câmaras de vigilância.
21. Por essa razão tem-se entendido que o segurado tem o ónus da prova de que o veículo foi furtado, mas para tal basta a existência de uma participação às autoridades policiais, feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verossimilhança.
22. Ademais, neste âmbito, a jurisprudência tem aludido a que ao segurado bastará, na maioria das vezes, a prova de que diligenciou, designadamente junto das autoridades, da apresentação de queixa na sequência do furto já que, admitindo a possibilidade de ocorrência do mesmo, pouco mais se poderia provar.
23.Conforme estabelecido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.07.2019, Rodrigues Pires, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 1521/17.1T8AMT.P1: I - Numa ação em que o autor invoca a titularidade de um direito indemnizatório que lhe assiste por via da celebração de um contrato de seguro com a ré, em consequência de se ter verificado um furto, é a ele que incumbe a prova da verificação do furto, uma vez que este surge como elemento constitutivo do seu direito. II - Porém, como a prova da verificação do furto de um veículo é normalmente difícil de efetuar por este ocorrer de forma sub-reptícia, impõe-se ao autor não uma prova direta deste, mas sim que, tendo apresentado a respetiva queixa junto das entidades policiais, forneça ao tribunal elementos probatórios coadjuvantes que permitam formular um juízo de verosimilhança relativamente a essa queixa. III - Se esses elementos probatórios coadjuvantes não são produzidos, a prova da verificação do furto não poderá ser feita apenas com
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