Acórdão nº 1/21.5T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-11-2022

Data de Julgamento22 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1/21.5T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 1/21.5T8PVZ.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunto: Alberto Taveira
Adjunta: Maria da Luz Seabra


SUMÁRIO:
………………………………..
………………………………..
………………………………..


I.
RELATÓRIO
1.
AA, BB e CC intentaram a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra DD e mulher, EE; FF; e GG e mulher, HH.
Alegaram, em síntese, que são proprietários, respetivamente, das frações autónomas M, AC e AQ de prédio que identificam, do qual fazem parte também as frações B e BI que, sendo partes comuns do edifício - desde logo por assim terem sido criadas e utilizadas, a primeira para posto de transformação elétrica da Câmara Municipal ... e a segunda para casa de porteiro – por lapso, não constam como tal do título constitutivo da propriedade horizontal datado de 20.12.1974, antes tendo sido adjudicadas em comum aos herdeiros do construtor que, entretanto em 2019 - sem que tenha sido obtida a aprovação de todos os condóminos, desde logo por muitos deles serem emigrantes, para integrar as ditas frações nas partes comuns, “o problema foi-se arrastando no tempo”- atribuíram e registaram a fração BI na totalidade aos 1.ºs RR., a quem a mesma foi penhorada no âmbito de um processo executivo.
Pediram:
[I – Se declare serem partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o nº ..., as frações B e BI, decretando-se, se necessário, a nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal;
II – Condenando-se os Réus a reconhecer e a aceitar como partes comuns as frações B e BI;
III – Seja ordenado o cancelamento do registo e de todas as inscrições a favor dos Réus].
2.
Os Réus DD e mulher, EE contestaram, excecionando a ilegitimidade dos AA. AA e BB por estarem desacompanhados dos respetivos cônjuges, assim como a ineptidão da PI por os pedidos serem ininteligíveis e substancialmente incompatíveis, e impugnando a essencialidade dos factos relativos à natureza comum das frações em causa.
3.
Notificados para se pronunciarem sobre a matéria das exceções invocadas, os AA. mantiveram os pedidos formulados e requereram a intervenção principal de II e JJ, cônjuges dos AA. AA e BB, respetivamente, que, admitidos como tal, foram citados.
4.
Após ter sido dada oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a viabilidade da ação, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a ação e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.
5.
Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – A sentença é nula nos termos da alínea b), nº 1 do art. 615º, do CPC., porquanto o juiz a quo não especifica os fundamentos de facto (é totalmente omissa) e de direito que justificam a presente decisão.
2 – A sentença também é nula nos termos da alínea d), nº 1 do art. 615º, do CPC., porquanto o juiz a quo não se pronunciou relativamente a todos os pedidos efetuados pelos Recorrentes, nomeadamente a questão da nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.
3 – O objeto do presente recurso refere-se à possibilidade legal de alterar os termos da propriedade horizontal por usucapião.
4 – A sentença a quo entendeu, sem mais considerações, que a presente ação improcedia, porque a alteração do título constitutivo só é possível nos termos do art.1419 do Código Civil.
5 – Contudo, esta interpretação não será a correta, pois o art.º 1419, n.º 1, do CC não constitui impedimento legal a que por decisão judicial se altere os termos da propriedade horizontal, nomeadamente por usucapião.
6 – Acresce que, se a usucapião tem aptidão para constituir a propriedade horizontal, isto nos termos do art.1417º do Código Civil, também tem, por maioria de razão, aptidão para alterar os termos da constituição.
7 – A decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis dos arts.1287º e 1291º e 1417º do Código Civil.
6.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, o que importa decidir no presente recurso é:
a) Se a decisão recorrida padece de vício de nulidade, seja por falta de especificação dos respetivos fundamentos de facto, seja por omissão do conhecimento de questões que devia conhecer, nos termos do preceituado no art. 615.º, n.º 1, b) e d), do CPCivil; e
b) Se o pedido deduzido pelos Autores não é manifestamente improcedente em face da causa de pedir invocada.

III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
Da invocada nulidade da decisão recorrida
Nos termos do art. 615.º, 1, do CPCivil, a sentença enferma de vício de nulidade nos casos em que, para além do mais: “b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”; e “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Estamos perante nulidades da decisão (por contraposição a nulidades processuais), de natureza meramente formal e, como tal, sempre supríveis.
No que concerne à fundamentação das decisões, a cit. al. b) do art. 615.º, n.º 1 constitui decorrência do dever de fundamentação previsto no art. 154.º do mesmo Código: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
A doutrina e a jurisprudência têm decidido de forma reiterada e unânime que o vício decorrente de falta de fundamentação só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respetivo enquadramento legal.
No caso dos autos, não é verdade que a decisão omita em absoluto a referência à factualidade tida por relevante, assim como as regras de direito aplicável.
No que concerne à factualidade, importa atentar que estamos perante uma decisão que afirma a manifesta improcedência da ação em face unicamente da causa de pedir invocada, e daí que tenha necessariamente de se inferir que os factos considerados são necessariamente todos os alegados pelos Autores na petição inicial, sem necessidade de reprodução em sede de decisão. A decisão recorrida expõe também de forma suficiente os fundamentos de direito que conduzem à solução alcançada, pelo que também nessa matéria não é a mesma merecedora de censura.
Também não podemos acolher a ideia defendida pelos Apelantes, no sentido de que a decisão sob recurso não conheceu de todas as questões que devia conhecer, designadamente no que se refere à “nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal”.
Com efeito, em face do específico pedido formulado pelos Autores – “I – Se declare serem partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o nº ..., as frações B e BI, decretando-se, se necessário, a nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal; II – Condenando-se os Réus a reconhecer e a aceitar como partes comuns as frações B e BI; III – Seja ordenado o cancelamento do registo e de todas as inscrições a favor dos Réus” –, assim como da concreta causa de pedir invocada, a questão da “nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal” apresenta-se claramente subalterna relativamente ao que que é essencial ou estrutural na pretensão dos Autores: declaração de que o que no título constitutivo da propriedade horizontal se apresenta como “frações ... e ... corresponde antes a “partes comuns” do prédio em causa.
Por outras palavras, a questão da “nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal” não assume autonomia relevante em face do tudo o mais peticionado, surgindo referenciada pelos Autores unicamente em sede de pedido, desacompanhada de absoluta falta de fundamentação específica, tanto em matéria de facto como de direito.
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT