Acórdão nº 0952/10.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão0952/10.2BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
O Ministério da Defesa Nacional, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido em 27.02.2020 pelo Tribunal Central Administrativo Sul dele vem recorrer, concluindo como segue:
A. O Acórdão ora posto em crise deu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Réu MDN junto do TCA Sul, tendo revogado a sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que aplicou aos abonos devidos ao recorrido em dólares americanos, no período de 4.9.2006 a 31.12.2007, a taxa de câmbio de 1,109139 e, condenado o Recorrente a recalcular o valor em dívida ao autor/recorrido, no período de 4.9.2006 a 31.12.2007, à taxa de câmbio média de EURO/USD de 0,9016, mantendo o acórdão recorrido em tudo o mais que conheceu e decidiu.

B. O presente recurso reveste-se de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social, face ao número de ações (22) e de autores (193) envolvendo elevados custos financeiros, atenta a dimensão orçamental que decorrerá da interpretação do quadro jurídico legalmente aplicável a estas situações, importando, por isso, clarificar de forma segura o regime aplicável, de modo a salvaguardar o interesse público que norteia a atuação da Administração Pública.

C. Do ponto de vista jurídico, o mesmo deve ser admitido para uma melhor aplicação do direito, pelos fundamentos que se enunciaram e que sucintamente passamos a expor.

D. O recurso ora apresentado tem por fundamento a verificação de um claro e notório erro de julgamento, porque incorre em erro quando determina a aplicação ao caso sub judice do artigo 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 56/81, de 31 de março, com base no entendimento vertido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2018, no processo n.º 0548/17.

E. Com efeito, o citado acórdão por sua vez cita o acórdão do mesmo tribunal de 11.05.2017, proferido no processo nº 628/16, o qual fundamenta a sua análise numa antiga decisão do STA, datada de 05.05.1992, cuja matéria não é totalmente equiparável à matéria em apreciação nestes autos

F. O acórdão do STA de 05.05.1992, abundantemente invocado pela jurisprudência, não trata a exata mesma matéria jurídica. Estava em causa aplicação de um regime de abonos diferente, sem aplicação da regra da remissão para regime do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que demonstra que nem sempre a equiparação se fez pela técnica da remissão regulamentar, dado que, então, era o próprio Ministério da Defesa que fixava os exatos valores pecuniários que atribula aos militares abrangidos pelo regime jurídico.

G. O presente recurso de revista tem, ainda, por fundamento a violação do princípio constitucional da separação de poderes.

H. Entende o Recorrente que a admissão do presente recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito, porquanto ao determinar-se no Acórdão ora recorrido a emissão do mencionado despacho conjunto, está o douto Tribunal em causa a ingerir-se em matéria que integra o poder discricionário da Administração.

I. Com efeito, competindo constitucionalmente ao Governo, no exercício das suas funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis, é cada Ministro que, deverá editar os regulamentos administrativos necessários a essa boa execução ou à satisfação das necessidades coletivas, tanto mais quando, de acordo com a Lei Fundamental, lhes compete executar a política estabelecida para os seus Ministérios.

J. O Decreto-Lei nº 56/81, de 31 de março, determina que as remunerações adicionais devidas aos militares em missão do estrangeiro sejam fixadas em despacho conjunto do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (sendo hoje competente o Ministro da Defesa Nacional) e do Ministro das Finanças, devendo ser tidos em conta os critérios em uso para o pessoal equiparável do MNE.

K. Aliás, como já foi decidido pelo TAF de Sintra, em Acórdão de 4 de maio de 2007, no âmbito de um processo que já apreciou a presente questão de direito, extrai-se que não resulta da lei que as remunerações adicionais devidas aos militares em missão do estrangeiro tenham de ser as fixadas pelo MNE para o seu pessoal, mas sim que, na fixação de tais remunerações, por despacho conjunto dos responsáveis pelas pastas das Finanças e da Defesa Nacional, se atenda aos critérios em uso para o pessoal equiparável do MNE, sendo o MDN totalmente soberano para proceder à equiparação em causa.

L. Entende o Recorrente que o mesmo Tribunal, no âmbito do presente processo, procedeu a uma correta apreciação e aplicação da matéria de direito ao considerar que o Decreto-Lei nº 56/81 não determina uma equiparação pura e simples dos militares ao pessoal do MNE, conferindo aos ministros competentes uma margem de discricionariedade na regulamentação do referido diploma.

M. Entendimento este que também se aplica em relação à taxa de conversão cambial, pois o facto de o MNE ter decidido aplicar a taxa de 0.9016USD para um euro para o seu pessoal não determinou, obrigatória e automaticamente, que o MDN fosse obrigado ao mesmo comportamento.

N. Assim bem entendeu o TCA Sul no douto Acórdão de 19.01.2017, quando, sobre a interpretação da mesma norma jurídica, determinou que do artigo 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 56/81, de 31 de março, "não se pode retirar uma completa equiparação do estatuto remuneratório aos correspectivos funcionários diplomatas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dado resultar do preceito em apreço, apenas, que as remunerações adicionais, a fixar por despacho conjunto, devem ser estabelecidas com base no mesmo critério em uso para o pessoal equiparável do Ministério dos Negócios Estrangeiros em serviço no estrangeiro,

O. Resulta assim que a intenção do legislador, expressa no artigo 8º nº 1 do DL nº 56/81, não foi a estabelecer uma equiparação absoluta, como se conclui no Acórdão recorrido, mas sim estabelecer um critério que, em sede regulamentar, deveria ser seguido, que era o (critério) em uso para o pessoal equiparável do Ministério dos Negócios Estrangeiros em serviço no estrangeiro".

P. A aplicação aos militares das Forças Armadas providos em cargos internacionais ou integrados em missões militares junto das representações diplomáticas no estrangeiro e em missões militares junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte do regime de abonos em vigor para o pessoal da carreira diplomática do MNE em funções nas missões diplomáticas e postos consulares decorre do Despacho nº 27676/2007, publicado no DR, 2ª Série, nº 237, de 10 de dezembro de 2007, e não diretamente da lei.

Q. Não pode o MDN aceitar tal entendimento, porquanto na verdade, cabe a cada Ministro, no exercício das suas funções administrativas, fazer os regulamentos administrativos necessários à boa execução das leis ou à satisfação das necessidades coletivas - o que decorre também do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 201º da CRP - não podendo os Tribunais interferir nessa competência, tanto mais quando, de acordo com a Lei Fundamental, compete aos Ministros executar a política estabelecida para os seus Ministérios.

R. O ordenamento jurídico português está alicerçado no princípio da separação de poderes, daqui decorrendo que está vedado aos Tribunais a intromissão em matéria reservada ao exercício da função administrativa, designadamente na determinação do conteúdo de um despacho conjunto normativo quando este resulte do exercício de poderes discricionários.

S. A não aceitar-se este entendimento, os Tribunais estarão a substituir-se à Administração - quando não o podem fazer - mediante o esvaziamento da margem de discricionariedade administrativa que lhe havia sido concedida pelo legislador, através do artigo 8.º do Decreto-Lei 56/81, de 31 de março, em violação do princípio constitucional da separação de poderes, invadindo a esfera administrativa e contrariando o exercício da função administrativa.


*

O Recorrido contra-alegou, concluindo como segue:

1. O presente recurso de Revista não cumpre com os requisitos de admissibilidade enunciados no art. 150º do CPTA. Razão porque o recurso não deverá ser admitido.

2. O pensamento legislativo do DL nº. 56/8, foi o de tratar o pessoal militar e civil das missões militares integradas nas representações diplomáticas de Portugal no estrangeiro, no âmbito do respetivo estatuto remuneratório, em pé de igualdade com o pessoal equiparável destas outras missões, de forma a que esse pessoal receba, nas mesmas condições, as remunerações acessórias e os abonos a que aquele tenha direito, assim respeitando o carácter unitário da missão diplomática em que presta serviço.

3. À luz deste entendimento, não pode deixar de se concluir que o sentido do nº 1 do artº 8º do DL nº 56/81, quando determina que as remunerações adicionais a que se refere "devem ser estabelecidas com base no mesmo critério em uso para o pessoal equiparável do Ministério dos Negócios Estrangeiros em serviço no estrangeiro" é o de que estas devem corresponder à norma aplicável nesse MNE, tanto em termos de substância como de temporalidade, de modo a que o pessoal com estatuto idêntico ao de outro não sofra diferenciação relativamente a este.

4. Como resulta claramente das decisões das instâncias, estando fixado o sentido e alcance da norma do art. 8º nº 1, do Decreto-lei nº 56/81, de 31 de Março, o que estas fizeram foi verificar se, pelo réu, foi dado efectivo cumprimento à referida norma. E tendo presentes os factos provados, concluíram as instâncias negativamente, razão porque decidiram ter o autor direito a parte substancial do valor pedido. Trata-se apenas e tão só do controle jurisdicional da legalidade dos actos do réu Estado Português, feito pelo órgão de soberania competente, os Tribunais, em conformidade com o determinado nos arts. 202º, nºs. 1 e 2, 266º e 268º, nºs. 4 e 5 da CRP. Não se vislumbra, pois, qualquer ingerência dos Tribunais na actividade dos...

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