Acórdão nº 0939/15.9BEPRT 0620/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-09-08

Data de Julgamento08 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão0939/15.9BEPRT 0620/17
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO



I. Relatório

1. A…………… - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 10.2.2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto, de 30.5.2016, que julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM instaurada contra o MUNICÍPIO DE GONDOMAR, onde pedia que fosse declarado sem termo o seu contrato de trabalho e fosse considerado ilícito o seu despedimento.
Nas suas alegações formulou, com relevo para esta decisão, as seguintes conclusões:
« 1) Salvo o devido respeito por opinião contrária, é inequívoco que a decisão enferma na violação na lei substantiva ou processual, nomeadamente, na Diretiva comunitária 1999/70/CE;
(…)
3) Deverá aplicar-se, no presente caso, a Directiva comunitária 1999/70/CE pelo deverá o presente contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado entre a Recorrente e a Recorrida ser convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, na medida em que o limite máximo de renovações já foi ultrapassado;
4) Na Diretiva Comunitária 1999/70/CE não se fez qualquer distinção quanto à natureza pública ou privado do empregador, pelo que deverá aplicar-se ao presente caso.
5) Mesmo que exista dissonância entre o ordenamento nacional e o comunitário, deve sempre prevalecer o primado do regime jurídico europeu, incluindo Diretivas, sobre o estatuído em normas de direito interno, incluindo normas constitucionais, sem prejuízo da reserva constitucional de respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, estipulada no Art.º 8.º, n.º 4 da C.R.P.;
6) No caso da não aplicação da referida Directiva no âmbito do direito público, deve ser enviado o referido processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia

2. O Recorrido contra-alegou, concluindo, no que ao mérito da causa diz respeito, que:
« (…)
2. O Acórdão recorrido não viola a lei substantiva nomeadamente a não transposição da directiva comunitária 199/70/CE;
3. Todos estes contratos foram celebrados ao abrigo da lei 59/2008, que impede que esses contratos sejam convertidos em contrato sem termo;
4. Pelo que a directiva que a autora pretende ver aplicada à situação em apreço viola a Constituição da República.»

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal em 8.6.2017 «(...) tendo em vista uma melhor interpretação e aplicação do direito, designadamente a possibilidade de colocar a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia (...)».

4. Por Acórdão de 13 de fevereiro de 2020, este Tribunal decidiu submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais:

1. «O Direito da União Europeia, nomeadamente o art. 5.º do Acordo-Quadro anexo à Diretiva n.º 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que proíbe em absoluto a conversão de contratos de trabalho a termo certo celebrados por entidades públicas em contratos de trabalho por tempo indeterminado?

2. A Diretiva n.º 1999/70/CE deve ser interpretada no sentido de que impõe a conversão dos contratos como a única forma de evitar os abusos decorrentes do recurso sucessivo a contratos de trabalho a termo certo?»

5. Por Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção), de 30 de setembro de 2020, proferido no Processo C-135/20, aquelas questões foram respondidas nos seguintes termos:

«O artigo 5.º do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro que proíbe de forma absoluta, no setor público, a conversão de uma sucessão contratos de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado, desde que essa legislação não preveja, para o referido setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos a termo certo.»

6. Notificadas para se pronunciarem sobre o referido despacho, as partes nada disseram.

7. Sem necessidade de novos vistos, cumpre decidir.


II. Matéria de facto

8. As instâncias deram como provados os seguintes factos:
«1. Em Novembro de 2000 a autora celebrou com a ré “contrato de trabalho a termo certo”, em que se estipulava que a primeira exerceria as funções de “bilheteiro” inserida na carreira profissional de “auxiliar da Administração Local”, pelo período de doze meses, com início a 06.11.2000, “por urgente conveniência de serviço” — cfr. doc. 1 junto com a PI, a fis. 20 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. A autora exerceu as suas funções, no âmbito do contrato referido em “1.”, na Piscina Municipal de …………, pertencente à ré.
3. Em 06.11.2001 a ré renovou o contrato referido em “1.” até ao limite de dois anos — cfr. doc. 2 junto com a PI, a fls.. 22 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Em 07.11.2002 a autora celebrou com a ré “contrato de trabalho a termo certo”, em que se estipulava que a primeira exerceria as funções correspondentes à categoria de “fiel de armazém”, pelo período de seis meses, com início a 07.11.2002 e termo em 07.05.2003, “podendo ser renovado até ao limite de dois anos”— cfr. doc. 3 junto com a PI, a fls.. 23 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
5. A autora exerceu as suas funções, no âmbito do contrato referido em “4.”, na Piscina Municipal de ………….., pertencente à ré.
6. Em 19.11.2003 a autora celebrou com a ré “contrato de trabalho a termo certo”, em que se estipulava que a primeira exerceria as funções correspondentes à categoria de “assistente administrativo”, pelo período de seis meses, com início a 19.11.2003 e termo em 19.05.2004, “podendo ser renovado até ao limite de dois anos” — cfr. doc. 4 junto com a PI, a fls. 25 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
7. A autora exerceu as suas funções, no âmbito do contrato referido em “6.”, na Piscina Municipal de …………, pertencente à ré.
8. Em 21.11.2005 a autora celebrou com a ré “contrato de trabalho a termo resolutivo certo”, em que se estipulava que a primeira exerceria as funções correspondentes à categoria de “auxiliar técnico de turismo”, pelo período de um ano, com início a 21.11.2005 e termo em 21.11.2006. podendo “ser objeto de renovação” — cfr. doc. 5 junto com a PI, a fls. 27 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
9. A autora exerceu as suas funções, no âmbito do contrato referido em “8.”, na Piscina Municipal de …………, pertencente à ré.
10. Em 22.11.2007 a autora celebrou com a ré “contrato de trabalho a termo resolutivo certo”, em que se estipulava que a primeira exerceria as funções correspondentes à categoria de “assistente administrativo”, pelo período de seis meses, com início a 22.11.2007 a termo em 22.05.2008, podendo “ser objeto de renovação”— cfr. doc. 6 junto com a PI, a fls. 38 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
11. A autora exerceu as suas funções, no âmbito do contrato referido em “10.”, na Piscina Municipal de ………….., pertencente à ré.
12. O contrato referido em “10” foi renovado por despacho de 30.04.2008, até ao limite de um ano — cfr. doc. 1 junto com a contestação, a fls. 152 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
13. O contrato referido em “10” foi objeto de nova renovação, por despacho de 21.10.2010, por um período de 3 anos — cfr. doc. 2 junto com a contestação, a fls. 153 dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
14. A autora trabalhou ao serviço da Ré até Novembro de 2013, desempenhando sempre, desde Novembro de 2000 a Novembro de 2013, as seguintes funções: atendimento ao público, efetuar inscrições dos utentes, receber dinheiro relativo ao pagamento das quotas dos utentes, entregar e receber as chaves dos cacifos.
15. A autora foi surpreendida e ficou triste com a comunicação da cessação do contrato de trabalho.»


III. Matéria de Direito

9. A questão central que se discute no presente recurso é a da eventual violação da Diretiva Europeia 1999/70/CE pela legislação nacional relativa a contratos de trabalho a termo celebrados por pessoas coletivas de direito público, mais concretamente pelo número 2 do artigo 92.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), que proíbe expressamente a conversão daqueles contratos, no termo máximo do seu prazo de duração, em contratos por tempo indeterminado.
A questão vem suscitada a propósito daquela disposição legal, porque era ela que vigorava à data da cessação do último contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, mas a questão de direito mantém-se substantivamente inalterada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a nova Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), cujo número 2 do artigo 63.º reproduz a mesma solução, e que, no essencial, era também a solução legal estabelecida pelos diplomas legais precedentes sobre a mesma matéria, nomeadamente pelo número 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, e pelo artigo número 2 do 10.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
Conformando-se com o entendimento expresso pelas instâncias, de que, à luz do direito interno português, o seu contrato de trabalho a termo certo com o recorrido caducaria no termo da sua última renovação, não se convertendo num contrato de trabalho por tempo indeterminado, a recorrente considera, não obstante, que essa solução é desconforme com o regime quadro...

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