Acórdão nº 086/22.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18-01-2023

Data de Julgamento18 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão086/22.7BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório
1.1. S..., S.A., sociedade identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 25.°, n.°s 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro, e 152.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral singular proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.° 528/2021-T, datada de 10 de maio de 2022, invocando oposição com acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal Administrativo, quanto às mesmas questões fundamentais de direito, formulando as seguintes conclusões:
A) A decisão arbitral ora recorrida foi proferida no âmbito de um pedido arbitral cujo objeto imediato foi a decisão de indeferimento tácito, da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação n.° 2019 212841703, n.° 2019 212841803 e n.° 2019 212841903, relativos ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que se reportam ao período de tributação de 2019 e do ato de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.° 2020 4508666, referente ao período de tributação de 2020, constituindo os diferentes atos de liquidação o objeto mediato do pedido.
B) A causa de pedir, do referido pedido arbitral, assentou na ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e na ilegalidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI objecto de discussão, por assentarem no VPT ilegal dos terrenos para construção, calculado por aplicação dos coeficientes de localização, qualidade, conforto e afectação e com recurso à majoração de 25% sobre o valor base dos prédios edificados, apesar da existência de jurisprudência unânime no sentido de que na avaliação de terrenos para construção tais coeficientes não devem ser aplicados, nem deve ser aplicada a referida majoração de 25%.
C) No seu pedido arbitral a ora Recorrente invocou a verificação do vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que os actos de liquidação de IMI e AIMI consubstanciam a liquidação de imposto sobre uma base tributável (VPT) que é apurada em clara violação das regras legais aplicáveis, i.e., assenta num acto de fixação do VPT ilegal.
D) Ora, vem o presente recurso interposto da decisão arbitral, que julgou totalmente improcedente o pedido arbitral e manteve na ordem jurídica, a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação IMI, que se reportam ao período de tributação de 2019 e do ato de liquidação de AIMI, referente ao período de tributação de 2020, bem como os referidos atos de liquidação, no montante total de € 56.351,09.
E) São dois os segmentos decisórios que se encontram em contradição com jurisprudência anterior e que se resumem às seguintes questões de direito:
> Saber se a legalidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI pode ser discutida, mesmo que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra o ato de fixação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) que deu origem aos referidos atos de liquidação, ou por outras palavras, saber se o VPT dos terrenos para construção a que respeitam as liquidações, calculado de forma ilegal, pode ser revisto pela AT, em sede de procedimento administrativo ou gracioso, conduzindo à anulação dos atos de liquidação, mesmo que o contribuinte não tenha sido apresentado pedido de 2ª avaliação desse VPT?
> Saber se, tendo o contribuinte utilizado o meio administrativo da reclamação graciosa e não o pedido de revisão oficiosa contra os referidos atos de liquidação de IMI e de AIMI, ficou prejudicada a possibilidade de a Autoridade Tributária (AT) rever e de o Tribunal Arbitral proferir decisão arbitral anulatória do ato tributário afectado, ou se, pelo contrário, tinha a AT o dever de convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa?
F) A Recorrente entende que a referida decisão arbitral, no que respeita ao primeiro segmento decisório, se encontra em contradição, quanto à mesma questão essencial de direito, com o acórdão proferido em 31/10/2019, no processo n.° 2765/12.8BELRS, pela 2ª Secção do TCA Sul (cfr. Documento n.° 2).
G) E que a referida decisão arbitral, no que respeita ao segundo segmento decisório, se encontra em contradição, quanto à mesma questão essencial de direito, com o acórdão proferido em 17/01/2018, no processo n.° 1377/14, pela 2ª Secção do STA (cfr. Documento n.° 3),
H) pelo que o presente recurso segue a tramitação do recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.° do CPTA.
I) Ora, tendo em conta a norma do RJAT, que identifica os fundamentos de recurso de decisões arbitrais, prevista no artigo 25.° do RJAT, e refere que a oposição deve incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, o citado artigo 152.° do CPTA e a jurisprudência e a doutrina que têm sido produzidas no sentido de definir o âmbito da oposição/contradição, a ora Recorrente, no presente recurso, colocou em confronto a factualidade em que assentaram as decisões em oposição e o quadro legislativo aplicável, com vista a identificar claramente as decisões em sentido contrário.
J) Comecemos pelo primeiro fundamento do Tribunal Arbitral para indeferir o pedido arbitral, que consubstancia uma questão prévia e/ou prejudicial que contaminou toda a decisão - a alegada impossibilidade de obter a anulação dos atos de liquidação de IMI e de AIMI, com fundamento em ilegalidade do valor patrimonial tributável ("VPT"), se previamente o contribuinte não tiver lançado mão do pedido de segunda avaliação do VPT.
K) Com efeito, do sumário da decisão arbitral ora recorrida resulta inequivocamente que: "II. É improcedente a impugnação de liquidações de IMI e AIMI em que os únicos vícios imputados a tais liquidações são as ilegalidades cometidas no procedimento da avaliação que fixou os referidos valores.”
L) Embora esteja assente na jurisprudência, que o ato de fixação do VPT é um ato destacável, para efeitos de impugnação, já se pronunciaram várias vezes os Tribunais Arbitrais e já se pronunciou também o TCA Sul, no acórdão fundamento (cfr. documento n.° 2), que os atos de liquidação de IMI emitidos em decorrência de VPT ilegalmente calculado, não devem manter-se na ordem jurídica, mesmo que não tenha sido impugnado o acto de fixação do VPT,
M) pois esse acto de fixação de matéria tributável, que é ilegal, inquina de ilegalidade tais actos de liquidação, pelo que é dever da AT, rever tais actos de fixação e, consequentemente, anular tais actos de liquidação, também ilegais, tudo no respeito pelo princípio da legalidade.
N) Com efeito, o acórdão fundamento, que identifica como questões a decidir: "1. Saber se podem ser objecto de revisão as liquidações de IMI com fundamento em errada fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédio urbano, que se consolidou por falta de oportuna impugnação; 2. Em caso afirmativo, determinar se ocorre erro na fixação desse VPT; 3. Caso ocorra, apurar os efeitos para as liquidações cuja anulação é pedida.” (cfr. página 5 do acórdão fundamento),
O) determina, sumariamente, o seguinte: "1. A errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações [referentes aos períodos de 2008 a 2011], nos termos conjugados dos artigos 78.° da LGT e 115.° do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido contra essa fixação. (...) 3. São passíveis de revisão oficiosa as últimas quatro liquidações baseadas em VPT que infringe o regime previsto no artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro, por erro imputável aos serviços.” (cfr. sumário do acórdão fundamento.)
P) Vejamos então se estão preenchidos, quanto ao primeiro segmento decisório, os pressupostos para o recurso por oposição da decisão recorrida com o acórdão do TCASUL acima melhor identificado e, consequentemente para a uniformização de jurisprudência que se pretende.
Q) Em ambas as decisões está em causa um acto de fixação do VPT, que não foi objecto de discussão pelo contribuinte (quer por via de pedido de 2ª avaliação, quer por via de impugnação judicial autónoma) e que deu origem a liquidações de IMI ilegais (no caso dos presentes autos IMI e AIMI e no caso do acórdão fundamento apenas AIMI), por ser ilegal o ato pressuposto, i.e., o ato de fixação do VPT violou a lei, tendo apurado um VPT em desconformidade com a forma de cálculo prevista na lei.
R) O regime jurídico aplicável, em termos de cálculo do VPT, não sofreu alterações entre o momento a que respeitam os factos tributários em apreço no acórdão fundamento e na decisão recorrida, mas mais importante do que isso, também não houve alteração do regime legal que no acórdão fundamento deu cobertura à decisão, ou seja, o disposto nos artigos 78.° da LGT, 115.°, n.° 1, alínea c) do CIMI, 268.°, n.° 4 da CRP.
S) Na decisão recorrida foram dados como provados os factos descritos no artigo 30.° das presentes alegações de recurso, para o qual se remete.
T) No acórdão fundamento, que terá transitado em julgado, em 02/12/2019, a Recorrente, Fazenda Pública, formulou as seguintes conclusões, das quais se retira que a questão jurídica controvertida é a mesma, assenta na violação dos mesmos normativos, pese embora a ilegalidade apontada aos actos de fixação de VPT seja diversa:
"1.ª A questão a decidir é a de saber se o valor patrimonial tributário calculado em 2003 é susceptível de ser impugnado e, concluindo-se que sim, se esse valor patrimonial tributário foi calculado de forma ilegal viciando as liquidações subsequentes, nomeadamente as respeitantes aos anos de 2008 a 2011, últimos quatro anos anteriores à data da interposição da acção.
2.ª O...

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