Acórdão nº 070/22.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19-10-2022

Data de Julgamento19 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão070/22.0BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

Z……………, …, escorado pelo estatuído nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 156/2021-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que, além do mais, decidiu julgar “a acção improcedente, com as legais consequências”.

Aponta-lhe contradição/oposição, com a, também, decisão arbitral (colegial), datada de 23 de novembro de 2021, exarada no processo n.º 323/2020-T.

O recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

A) A Decisão Arbitral proferida nos presentes autos está em franca oposição com a Decisão Arbitral Fundamento proferido no âmbito do Processo n.º 323/2020-T.

B) As Decisões Arbitrais em confronto assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais: determinação pela AT do valor de realização dos valores mobiliários, ao abrigo do artigo 52.º do Código do IRS, por entender que existia uma divergência entre o valor declarado e o valor real da venda.

C) Estando também em causa em ambas as Decisões Arbitrais a mesma questão de direito referente à aplicação do disposto no artigo 52.º do Código do IRS.

D) A propósito desta questão, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a entender que para estarmos perante uma Oposição de Acórdãos, não se exige uma total identidade dos factos, cfr neste sentido Acórdão do STA de 25-03-2009, proferido no Processo n.º 0175/08, disponível em www.dgsi.pt. Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA de 09/09/1997, in Rec. N.º 20.641 e ainda Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, 5.ª ed., págs. 808 e 809, bastando que os factos em análise nos dois processos se mostrem suscetíveis de serem subsumíveis ao mesmo normativo legal.

E) Tanto a decisão arbitral recorrida como a decisão arbitral fundamento debruçam-se sobre a questão de determinar se a AT cumpriu o ónus de demonstrar e justificar a existência de fundados indícios ou dúvidas sérias sobre a falta de correspondência com a realidade do valor de realização declarado pelo Requerente.

F) Constata-se que a Decisão Arbitral proferida nos presentes autos e a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 323/2020-T estão em expressa e frontal contradição, uma vez que, face a situações de facto em tudo idênticas defendem-se soluções francamente opostas e contraditórias.

G) A douta Decisão Arbitral recorrida, face aos mesmos elementos de facto relevantes e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário à decisão arbitral fundamento, porquanto decidiu no sentido de que a existência de uma alienação de ações por valor significativamente inferior ao seu valor nominal, ser suficiente para que a AT considere fundadamente que possa haver divergência entre o valor declarado e o valor real da transação.

H) Enquanto a decisão fundamento entendeu que a falta de coincidência entre o valor de alienação e o valor que resultaria da consideração do último balanço não permite justificar a existência de uma divergência para efeitos da aplicação do n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS, na medida em que a aplicação da alínea b) do n.º 2 daquele artigo depende da prévia e necessária aplicação do seu n.º 1.

I) O Recorrente considera que a Decisão Arbitral Recorrida andou mal ao manter o ato de liquidação de IRS n.º 2019 5000010665, a demonstração de acerto de contas n.º 2019 000014941863, do ano de 2016, assim como as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que tiveram os referidos atos de liquidação como objeto, já que, e na esteira da posição vertida na Decisão fundamento, a falta de coincidência entre o valor de alienação e o valor que resultaria da consideração do último balanço não permite, por si só, justificar a existência de uma divergência para efeitos da aplicação do artigo 52.º, n.º 1 do Código do IRS.

J) A decisão arbitral recorrida procedeu a uma errada interpretação do disposto no artigo 52.º do Código do IRS, ao concluir que a existência de uma alienação de ações por valor significativamente inferior ao seu valor nominal é suficiente para justificar a fundadamente que possa haver divergência entre o valor declarado e o valor real da transação.

K) A abrangência da expressão utilizada no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS, "Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão", não pode ser diferente, quando está em causa a alienação de ações da mesma sociedade e o mesmo período de tributação.

L) O Recorrente considera dever declarar-se a existência de oposição de Decisões Arbitrais entre a decisão proferida nos presentes autos e a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 323/2020-T.»


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida (rda) [autoridade tributária e aduaneira (AT)] contra-alegou e concluiu: «

6. Face ao exposto:

(i) O presente recurso não pode prosseguir com fundamento em oposição de julgados porquanto as decisões arbitrais recorrida e fundamento não contêm decisões opostas quanto à questão de direito sobre a qual se invocava existir oposição de julgados;

(ii) A decisão recorrida fez a correta aplicação do Direito aos factos.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente improceder, com todas as legais consequências. »


*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, entendendo, a final, que “o presente recurso não pode prosseguir com fundamento em oposição de julgados uma vez que as Decisões arbitrais em causa (recorrida e fundamento) não contêm decisões opostas, concretamente, quanto à questão de saber da exigência da demonstração, por parte da AT, quanto à fundada possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão de participações sociais”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve: «

1. O Requerente Z………., contribuinte fiscal n° ……, reside na Rua ……, n° …, 4750-….. Barcelos.

2. O Requerente é acionista da sociedade X…… SA, pessoa colectiva n° ……, que tinha um capital social representado por 2.000.000 acções com o valor nominal unitário de 1 euro.

3. As acções emitidas pela X……. SA não se encontram cotadas em bolsa de valores.

4. Em 16/07/2016. através de contrato de compra e venda, o Requerente alienou à V……… SA. 400.000 acções da X…….SA.

5. Este contrato de compra e venda estabelecia o preço de € 328.000,00, correspondente a 0,82 € por acção, e as seguintes condições de pagamento:

1. - 100.000 euros no acto da assinatura do contrato:

- 80.000 euros no prazo de um ano a contar da data da assinatura do contrato;

- 148.000 euros a pagar futuramente com os dividendos que, no período de 5 anos, a contar da data da assinatura do contrato, viessem a ser atribuídos às acções vendidas, por deliberações sociais que validamente aprovassem as respectivas distribuições, dividendos que, pelo mesmo contrato, ficavam expressamente sub-rogados ao cumprimento da respectiva obrigação.

6. À data desta alienação, o Requerente era titular de 1.849.800 de acções da X….., SA.

7. Estas acções tinham sido adquiridas pelo Requerente nas seguintes datas, quantidades e preços:

- Em 28/02/2013 - 974.900 acções - 974.900,00 euros - valor por acção - 1 euro (por subscrição de aumento de capital, ao valor nominal de 1 euro por acção);

- Em 26/01/2016 - 874.900 acções - 536.000,00 euros - preço por acção - 0,61 euros.

8. Em 14/07/2017 foi celebrado um aditamento a este contrato de compra e venda, que derrogou o contrato de compra e venda em relação ao preço, que foi alterado para € 180.000,00. i.e., a 0,45€/acção, estipulando-se que o pagamento dos 80.000,00 euros, a efectivar até 16/07/2017, nos termos do contrato de compra e venda, seria efectuado do seguinte modo: 30.000,00 euros até 31/08/2017; 10.000,00 euros até 30/11/2017; 10.000,00 euros até 31/12/2017; 10.000,00 euros até 31/08/2018 e 20.000,00 euros até 30/11/2018.

9. O Requerente apresentou a declaração modelo 3, com referência ao ano de 2016, declarando rendimentos da categoria A e rendimentos da categoria G - Incrementos patrimoniais e um rendimento colectável de € 21.957,96.

10. No quadro 09 do anexo G, o Requerente indicou como data de aquisição - a data da subscrição do capital e, como valor de aquisição - o valor nominal por que foram subscritas as acções, declarando, como valor de realização € 180.000,00, tudo nos seguintes termos:

[Imagem]

11. Em 06/08/2018, a AT deu início a um procedimento inspectivo, visando a declaração modelo 3 do IRS do ano de 2016, a coberto da OS201801529, de 20/07/2018, em resultado do qual a Requerente foi notificada das seguintes correcções:

- Fixação do valor de realização em 800.042,91 euros;

- Fixação do valor de aquisição em 404.000,00 euros;

- Apuramento de um ganho de mais-valias de 396.042,91 euros.

12. Estas correções foram precedidas de um Relatório de Inspeção Tributária, sobre o qual foi exercido o direito de audição, do qual constam os respectivos fundamentos, que se dão por reproduzidos e de que se extraem os seguintes excertos:

.11.4.3 - Factos verificados

[...]

Constata-se uma divergência de valores entre o preço de venda fixado no 1.º contrato 328.000,00 EUR e o valor referido no aditamento...

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