Acórdão nº 0672/23.8T8LRA.S1 de Tribunal dos Conflitos, 2023-11-22

Data de Julgamento22 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão0672/23.8T8LRA.S1
ÓrgãoTribunal dos Conflitos - (CONFLITOS)
Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1. Em 14 de Fevereiro de 2023, AA propôs no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Central Cível uma ação declarativa de condenação contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento:


– da “quantia de 13.566,90€ (treze mil quinhentos e sessenta e seis euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, nomeadamente pela perda de benefício do RSI (2.844,90€) e pelas despesas com o pagamento de honorários (10.722€)”;


– de “uma quantia nunca inferior a 69.000€ (sessenta mil euros) a título de danos não patrimoniais decorrentes da privação da liberdade injustificada do Autor no âmbito do processo 661/17.1... (60.000€) e pelos danos ao direito à honra e ao bom nome daí resultantes (9.000€)”;


– de “todas as quantias que (…) venha ainda a despender a título de danos emergentes pelo pagamento de honorários pela sua representação no presente processo até à sua conclusão”;


– dos “juros vincendos desde a data do trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento”.


– das “custas que sejam devidas, incluindo as de parte e demais encargos e preparos”.


Para o efeito, e em síntese, alegou como fundamento da sua pretensão ter sido sujeito às medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, que lhe foram injustificadamente impostas e mantidas com base na imputação da prática de ilícitos criminais dos quais veio a ser absolvido.


O Ministério Público contestou, em representação do Estado Português, impugnando os factos e excepcionando a caducidade do direito de ação da indemnização por privação da liberdade e a incompetência material da jurisdição comum para conhecer da causa.


Sustentou, em matéria de incompetência material, que, fundando-se a causa de pedir em danos decorrentes do exercício da função jurisdicional do Estado, através de órgãos da administração da justiça, e não em erro judiciário imputado a um magistrado judicial no exercício das suas funções, a competência para conhecer da ação cabe aos tribunais administrativos, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF.


Notificado, o autor respondeu às excepções, defendendo a atribuição da competência material à jurisdição comum.


Por despacho de 14 de Junho de 2023, o Juízo Central Cível de Leira – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, requereu consulta prejudicial junto do Tribunal dos Conflitos, nos termos do art. 15.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro.


2. Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que fossem seguidos os termos das consultas de jurisdição.


As partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo; o autor veio reiterar a competência da jurisdição comum para a apreciação da causa.


3. Cumpre, assim, determinar se a competência em razão da matéria para a apreciação do presente litígio cabe aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.


Os factos relevantes constam do relatório.


Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar o pedido do autor, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


Como este Tribunal tem repetidamente recordado, esta forma de delimitação obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), sendo certo que, segundo a al. f) do nº 1 deste artigo 4º, cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal julgar os litígios respeitantes a “responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (…)”


4. Tem-se uniformemente observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, que a competência se determina tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção).


Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se escreveu no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.


No caso dos autos, o autor alicerça, em suma, o seu pedido nas seguintes alegações:


– No dia 18/12/2018, o autor foi presente a juiz para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicada pelo Mmº Juiz de...

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