Acórdão nº 061/22.1BEPERT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-09-06

Ano2023
Número Acordão061/22.1BEPERT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A... SGPS, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 28-02-2023, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.° ...65, de 05-08-2021, referente ao exercício de 2020, respectivas liquidações de juros compensatórios n.° ...23, ...24 e de juros moratórios n.° ...25, relativamente ao apuramento do valor a pagar de € 55.180,20, a título de juros compensatórios (€ 54.422,55) e juros moratórios (€ 757,65).

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

(...)

1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra os atos tributários supra identificados.

2. A recorrente é da opinião de que a decisão sob que vem interposto o presente recurso não deve ser mantida na ordem jurídica porquanto nela é feita uma interpretação errada do direito mobilizável, chegando a um resultado injusto e desconforme com o direito constitucional instituído.

3. O Tribunal a quo faz uma análise das questões decidendas particularmente redundante, obviando-se à imprescindível tarefa de relacionar os temas e as normas mobilizadas, utilizando o fio condutor da argumentação sugerida pela impugnante na sua petição inicial.

4. O que se pretendia do decisor era que discernisse sobre a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios e moratórios baseada justamente na ilegalidade da exigência de realização dos pagamentos adicionais por conta aplicáveis, conforme fundamentação aduzida, designadamente, em matéria de constitucionalidade.

5. Os lucros de uma empresa são, naturalmente, variáveis de ano para ano, podendo, inclusivamente, verificar-se, em certos anos, rendimentos extraordinários. Os “pagamentos por conta” ou, no nosso caso, o “pagamento adicional por conta”, visando salvaguardar o interesse da AT em “receber as quantias referentes às prestações tributárias a que tem direito” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.07.2007, proferido no âmbito do processo n.° 0877/06), representam uma compressão do princípio da capacidade contributiva. Com efeito, só com a consumação do facto tributário - no termo do ano fiscal - é que será possível determinar se é devido imposto e em que montante.

6. Ora, de acordo com o princípio da proporcionalidade, na atuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr. José Manuel Santos Botelho e outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, pág.67, em anotação ao artigo 5.°).

7. Tal implicando, no domínio fiscal, que a AT não pode procurar atingir os seus objetivos de tributação de forma absolutamente assimétrica com a realidade, sob pena de violação, não apenas do referido princípio da proporcionalidade, mas também do princípio da capacidade contributiva, com o qual o primeiro se encontra intimamente ligado.

8. Significa isto que o interesse da AT em receber as quantias a que tem direito não legitima a cobrança de prestações em manifesta violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do lucro real.

9. Assim, um qualquer pagamento por conta terá sempre que espelhar a capacidade contributiva do contribuinte e respeitar o princípio da proporcionalidade, sob pena de, violando estes princípios, não se poder considerar exigível.

10. Usando o caso concreto por referência e os fundamentos convocados pelo Tribunal a quo para contraditar esta linha argumentativa relacionada com a necessidade de proteção destes princípios, sempre seria certo que à ora requerente nunca caberia, no exercício em causa, qualquer valor a pagar a título de IRC ou de derrama estadual - à semelhança, de resto, do que havia sucedido no ano de ano de 2019, em que o grupo de que é a Impugnante sociedade dominante não registou qualquer valor de prestação tributária exigível, quer em sede de IRC, quer em sede de derrama estadual, e, apesar disso, procedeu à entrega ao Estado, a título de pagamentos por conta, do montante de € 73.625,50, e, a título de pagamentos adicionais por conta, do montante de € 1.144.006,00.

11. E a esta circunstância tem que ser alheio o facto de o não pagamento de imposto ou de derrama estadual no exercício em crise, para os efeitos que aqui nos atêm, ter que ver com o facto de o sujeito passivo dispor de prejuízos fiscais reportáveis a que pode lançar mão para deduzir aos lucros do período. Os paradigmas visados proteger nos princípios da igualdade, da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da proporcionalidade continuam a carecer de proteção, como é evidente, nestes casos, até porque a dedução permitida na lei dos prejuízos experimentados no passado tem, em si mesma, uma natureza compensatória, em favor do sujeito passivo que os experimentou, não podendo esta, num outro contexto, justamente penalizá-lo ou colocá-lo (novamente) numa situação de perda.

12. Conforme vem esclarecido pela impugnante na petição inicial a circunstância de no ano de 2020, à semelhança do que havia acontecido no ano de 2019, não ter sido registado qualquer valor a pagar a título de IRC ou de derrama estadual, tornou-se para esta perfeitamente inequívoca ainda no decorrer daquele exercício, razão que determinou, com base em razões de justiça, proporcionalidade e equidade, a decisão de não realizar quaisquer pagamentos por conta ou pagamentos adicionais por conta, certa (como se confirmou) de que os mesmos não seriam devidos (i.e., de que, a final, não haveria qualquer imposto ou derrama a antecipar com referência a esse exercício). Na realidade, esta decisão teve na sua base a ausência de uma prestação tributável exigida, bem como da concomitante derrama estadual, que, não apenas foi antecipada pela Impugnante ao longo do período a que reporta a tributação, como confirmada a final e nunca questionada pela AT, que em momento algum se viu prejudicada pela mesma.

13. O “imposto devido a final” opera como condição ou pressuposto, por um lado, bem como critério ou parâmetro, por outro, do “pagamento (adicional) por conta”.

14. Como condição, na medida em que o pagamento por conta - ou o pagamento adicional por conta, a que se aplica o mesmo princípio - apenas será devido quando seja devido o imposto final. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 04.18.2018, proferido no âmbito do processo n.° 818/12.1BELRS, quando refere que “(...) se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o ‘pagamento por conta’) - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele ‘pagamento por conta’ não tem fundamento substantivo”.

15. Como parâmetro, conquanto o valor da prestação devida a título de “pagamento por conta” ou de “pagamento adicional por conta” deve ser proporcional ao valor da prestação devida a título de imposto final, de modo a ainda se poder afirmar que a primeira é devida por conta da segunda, sob pena de violação dos princípios da tributação do lucro real e da proporcionalidade. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 04.18.2018, proferido no âmbito do processo n.° 818/12.1BELRS, no qual pode ler-se que “(...) se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido”. E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007, recurso n.° 1221/06: “Se houver uma desproporção abissal entre o elevado pagamento por conta devido em função do exercício anterior em comparação com a matéria coletável do exercício seguinte o contribuinte não pode ser obrigado a um pagamento por conta, sob pena de violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade. Nestas condições, está excluída a ilicitude no tocante à omissão do contribuinte”.

16. Esta preocupação em salvaguardar o princípio da capacidade contributiva - assegurando o respeito pela tributação do lucro real - parece estar ainda patente no regime do artigo 107.° do CIRC.

17. Com efeito, prevê-se no n.° 1 do mencionado artigo a possibilidade de o sujeito passivo deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação. Prevendo ainda o n.° 3 a...

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