Acórdão nº 03668/10.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-06-02

Ano2022
Número Acordão03668/10.6BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. C..., S.A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 19.07.2017, pela qual foi julgada improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação de imposto municipal sobre as transações de imóveis (IMT), relativa à aquisição de dois prédios urbanos, inscritos na matriz urbana da freguesia ..., concelho ..., sob os artigos ...34 e ...33.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo sido conduzido pela AT a um entendimento completamente distinto da realidade dos factos;
II. Foi esse o caminho percorrido pela AT e que, salvo o devido respeito, erroneamente, conseguiu induzir, nesse sentido, a Meritíssima Juíza a quo, levando-a a concordar com o mesmo;
III. A Recorrente considera que o entendimento vertido na sentença a quo viola o disposto no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE), porquanto a transmissão dos prédios aqui em análise encontrava-se isenta de IMT;
IV. O regime dos benefícios fiscais previstos nos artigos 269.° e 270.° do CIRE entrou em vigor em 18 de abril de 2004 com a aprovação do supra mencionado diploma legal;
V. A Recorrente adquiriu os prédios objeto da liquidação de IMT aqui impugnada por escritura de compra e venda realizada no dia 5 de maio de 2006, ou seja, em data posterior à entrada em vigor do citado diploma;
VI. Os prédios sitos nos limites dos Lugares de ... e de ..., freguesia ..., concelho ..., inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ...34 e ...33, encontravam-se apreendidos à ordem da massa em processo de falência da sociedade M..., S.A.;
VII. Neste sentido, a venda judicial aqui em apreço ocorreu na fase de liquidação da massa;
VIII. Face à Lei em vigor à data da referida venda, tais transmissões encontravam-se isentas de IMT ao abrigo do n.° 2 do artigo 270.° do CIRE;
IX. À transmissão daqueles bens imóveis eram aplicáveis, à data da mesma, as normas de incidência previstas no Código do IMT e não no Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, o qual já havia sido revogado;
X. De igual modo, eram também aplicáveis as isenções de IMT em vigor à data da transmissão, independentemente de tais normas encontrarem previsão legal no próprio Código deste imposto, no Estatuto dos Benefícios Fiscais ou no CIRE (vide artigo 270.º);
XI. Conclui-se que, à presente transmissão não era, nem é, aplicável o regime fiscal anteriormente previsto no artigo 121.º do CPEREF, o qual foi revogado com a entrada em vigor do regime estipulado no artigo 270.° do CIRE e que passou a vigorar no ordenamento jurídico português a partir de 18 de abril de 2004, isto é, em data anterior à transmissão em causa nos presentes autos;
XII. O regime dos benefícios fiscais previstos nos artigos 269.° e 270.° do CIRE configura Lei fiscal extravagante, que consagra normas de isenção fiscal;
XIII. Tratando-se tais disposições de normas materialmente fiscais, as mesmas possuem autonomia em relação ao próprio regime processual no qual se inserem e, por esse motivo, determinam a aplicação dos princípios e das regras próprios do direito fiscal, pelo que não se encontravam abrangidas pelo regime transitório previsto no artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 53/2004 de 18/03, que aprovou o CIRE;
XIV. No que diz respeito ao direito aos benefícios fiscais, o artigo 12.° do EBF estabelece, de forma expressa, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos e não de qualquer outra circunstância;
XV. Da análise ao n.º 2 do artigo 270.º do CIRE resulta, desde logo literalmente, que o Legislador pretendeu isentar de IMT determinados atos de venda relacionados com a liquidação judicial do património de sociedades insolventes, conceito central do CIRE que evoluiu a partir do CPEREF;
XVI. De igual se refira que, na lei de autorização legislativa concedida ao Governo para aprovar o CIRE, permitia a norma do n.º 3 do artigo 9.° a isenção de imposto de sisa — a que sucedeu o IMT — das transmissões de bens imóveis aí identificadas “integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente”, designadamente “da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos”;
XVII. Pretendeu, por isso, o Legislador “fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente (...) e que serão vendidos em fase de liquidação” (cfr. o acórdão do STA, de 17/12/2014, proc. nº 1085/13);
XVIII. Atendendo ao elemento teleológico de interpretação, verifica-se que, para atingir o fim visado com a norma de isenção, é indiferente que a venda seja de todo o ativo da empresa ou de apenas parte, sendo que o elemento preponderante é que tais atos de venda, permuta ou cessão de bens da empresa ou de estabelecimento sejam praticados no cumprimento de um plano de insolvência, de pagamento, de recuperação, ou da liquidação da massa insolvente, e que façam parte de tais planos ou sejam praticados na liquidação da massa insolvente;
XIX. No caso dos autos, os prédios adquiridos encontravam-se apreendidos à ordem da massa em processo de falência, tendo sido transmitidos em venda judicial em que participou, como representante da M..., S.A., o liquidatário judicial, pelo que, assim sendo, foi vendido o ativo da empresa falida, na fase de liquidação da massa, pelo preço global de € 3.418.278,00, motivo pelo qual tais transmissões se encontram isentas de IMT, ao abrigo do artigo 270.° do CIRE;
XX. É, por isso, ilegal uma decisão como aquela que o Tribunal a quo proferiu, através da qual se determine a não aplicação da norma de isenção de IMT prevista no n.° 2 do artigo 270.° do CIRE, em vigor à data da transmissão, e que obste à isenção de IMT numa situação que, factualmente, reúne todos os seus pressupostos legais, determinando, ao invés, a aplicação de um regime fiscal do diploma anteriormente em vigor, em clara violação do fim prosseguido pelo Legislador do CIRE, aquando da previsão da isenção fiscal do artigo 270.° e 12.º do EBF;
XXI. De facto, “ao direito fiscal interessa mais a substância do que a forma”, conforme conclui o TCA Sul, no processo 00140/03, de 13/05/2003;
XXII. No mesmo sentido, definiu aquele Tribunal, no âmbito do processo 07918/14, de 19/02/2015, que “O interprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substancia económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente”;
XXIII. E a verdade é que, em substância, a Recorrente preenchia todos os pressupostos legais para poder beneficiar da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;
XXIV. A manter-se a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, a Recorrente encontrar-se-ia perante uma clara e patente violação do principio da não discriminação tributária, sendo prejudicada face a outros sujeitos passivos que, no mesmo período temporal, tenham adquirido imóveis e beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;
XXV. Tal descriminação é claramente violadora do Principio da Igualdade estatuído no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, conforme doutrina e jurisprudência mencionada no presente recurso;
XXVI. Deste modo, o resultado da aplicação do artigo 12.º do DL n.º 53/2004, de 18/03, bem como do artigo 121.º do CPEREF, implica a penalização da Recorrente face a outros sujeitos passivos que efetuaram aquisições de imóveis no âmbito de processos de insolvência, na mesma data (!), e que beneficiaram da isenção do artigo 270.º do CIRE;
XXVII. Sendo igualmente certo que, no caso sub judice, a Recorrente jamais revela qualquer capacidade económica acrescida que permitisse suportar uma hipotética intenção Legislativa nesse sentido – de discriminação;
XXVIII. Na ausência desta “fundamentação racional” (expressão do Acórdão n.º 590/2015, de 11 de novembro de 2015 do TC), torna-se claro que esta discriminação é violadora do Principio da Igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP;
XXIX. Constanta igualmente a Recorrente que a aplicação, nos presentes autos, do regime fiscal previsto no artigo 121.° do CPEREF é, uma vez mais, inconstitucional, porquanto viola frontalmente o princípio da legalidade fiscal, constitucionalmente consagrado nos números 2 e 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa;
XXX. Face ao exposto, a decisão recorrida merece censura quanto à interpretação e à aplicação do direito aos factos provados nos autos, por violação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, do artigo 13.º e números 2 e 3 do artigo 103.°, todos da CRP, motivo pelo qual deverá ser declarada nula por este Venerando Tribunal e, por conseguinte, substituída por outra que se coadune com a Lei;

Por outro lado,

XXXI. A sentença recorrida não forma, no domínio dos factos, suporte suficiente à decisão de direito, decorrente da falta de inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente, o que configura erro de julgamento consubstanciado na errónea apreciação dos factos e elementos probatórios juntos aos autos;
XXXII. Aquando da...

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