Acórdão nº 03210/19.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-06-02

Ano2023
Número Acordão03210/19.3BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


[SCom01...] E.M.S.A. [devidamente identificado nos autos] Réu na acção que contra si intentou «AA» [também devidamente identificada nos autos], na qual foi requerida i) a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre si e a Demandada e ordenado o seu despejo do locado e a sua entrega àquela livre de pessoas e coisas; ii) a condenação da Ré a pagar-lhe as rendas já vencidas, no montante de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos) e as vincendas até efectiva entrega do locado; iii) a condenação da Ré a pagar-lhe os juros calculados à taxa de 4% desde a citação e até real e efectivo pagamento; e iv) a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado em 01 de Março de 2018, com inerente perda de todas as quantias pagas, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido [e condenada a Ré a pagar ao Autor o valor global de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, assim como o valor das rendas vincendas até à entrega do locado, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data dos respetivos vencimentos, absolvendo a Ré da instância no demais peticionado, mormente sob as alíneas A) e D) do pedido, por falta de interesse em agir], veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
1 - Por douta sentença foi absolvida a Ré da instância com fundamento na excepção dilatória de falta de interesse em agir.
2 - A factualidade está em desacordo expresso com o fundamento legal da douta sentença ora recorrida.
3 - A Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro não é aplicável à apreciação da questão decidenda.
4 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são meros contratos de arrendamento qua tale.
5 - O contrato dos autos é um contrato misto, formado por um contrato de locação e um contrato de promessa de compra e venda e consequentemente fora do âmbito de aplicação desta Lei.
Vejamos então,
6 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são celebrados pelo prazo máximo de 10 anos, contrariamente ao dos autos que é celebrado pelo prazo de 25 anos.
7 - Nos contratos celebrados no alcance e previsão da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro nunca a arrendatária se torna proprietária, ao contrário da estatuição do contrato dos autos, em que a arrendatária se torna proprietária do locado findo o prazo de duração do contrato.
8 – O total desalinho do quadro legal aplicável verte-se ainda nas regras de atribuição das habitações no âmbito da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro comparando-as com as definidas âmbito do contrato dos autos, em que a atribuição é feita de acordo com o estabelecido no Regulamento Municipal para Atribuição de Habitações a Custos Controlados.
9 - O contrato dos autos, ao contrário do quadro legal aplicável por força da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, prevê que durante o seu período de vigência a promitente vendedora deixa de ter quaisquer obrigações ou encargos com os imóveis locados/prometidos vender, sendo a locatária assumir as obrigações inerentes a um proprietário.
Por último,
10 - Enquanto os contratos celebrados ao abrigo da Lei 81/204, de 19 de Dezembro é regulamentadas em todo o seu itinerário pelo regime jurídico que este encerra, o contrato dos autos é exclusivamente regido pelo Regulamento Municipal, pelo clausulado do contrato e pela legislação civil.
11 - O que a afasta, à saciedade, e sem mais, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado aos factos.
12 – Inequivocamente neste sentido na douta sentença extractada nas presentes alegações, como ainda em vários outros arestos, designadamente no processo 943/19.8BEPRT - U. Orgânica 2.
13 - Violou a sentença recorrida incisos legais, sustentando-a em legislação não aplicável ao caso em exegese, devendo, em consequência, ter provimento o presente Recurso.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso no alcance propugnado, assim se fazendo Justiça.
[…].”

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A Recorrida não apresentou Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos ao diante, como segue:


“[…]
Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considerando-se admitidos os factos alegados pela Autora em virtude da revelia da Ré, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 25.06.2009, a Câmara Municipal ... e a Autora outorgaram contrato-programa através do qual delimitaram o âmbito dos poderes de gestão do parque habitacional do Município ..., que foram conferidos à segunda.
2. No âmbito do conjunto de pressupostos descritos no Regulamento Municipal de Atribuição e Gestão de Habitação Pública, a Autora e a Ré celebraram um contrato de arrendamento com promessa de compra e venda para habitação própria e do seu agregado familiar, sobre o ... do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., Concelho ....
3. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo período de 25 anos, com início no dia 01 de março de 2018 e termo em 28.02.2043.
4. Conforme nele convencionado, a Ré constituiu-se na obrigação de pagar à Autora, pela fruição da fração, a quantia de EUR 200,92 por mês, e a cumprir o seu pagamento até ao dia oito do mês a que respeitar, renda que estava fixada, à data da entrada da ação, nessa mesma quantia.
5. A Ré não pagou à Autora as rendas dos meses de abril e de novembro do ano de 2018, bem como as rendas dos meses de julho, outubro, novembro e dezembro de 2019.
6. A Ré promete reiteradamente à Autora pagar as rendas em dívida, após interpelações para cumprimento.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
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Motivação da matéria de facto:
Os factos provados constantes dos pontos 1 a 6 do probatório correspondem aos factos alegados pela Autora com relevância para a presente decisão, que se consideraram admitidos em virtude da revelia da Ré, nos termos conjugados dos arts. 83.º, n.º 4, do CPTA, e 567.º, n.º 1, do CPC.
Para a fixação dos factos constantes dos pontos 2 a 4 do probatório, ao abrigo do art. 568.º, al. d), do CPC, foi ainda considerado o teor do documento ... da p.i.
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que apreciou a pretensão deduzida pelo Autor contra a Ré «AA», na qual foi requerida a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre si e a demandada e ordenado o seu despejo do locado e a sua entrega àquela livre de pessoas e coisas; a sua condenação a pagar-lhe as rendas já vencidas, no montante de €1.004,60 (mil e quatro euros e sessenta cêntimos) e as vincendas até efectiva entrega do locado; a sua condenação da Ré a pagar-lhe os juros calculados à taxa de 4% desde a citação e até real e efectivo pagamento; e ainda a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado em 01 de Março de 2018, com inerente perda de todas as quantias pagas, tendo o mesmo vindo a julgar parcialmente o pedido, absolvendo a Ré da instância quanto aos pedidos de resolução dos contratos [de arrendamento e de promessa de compra e venda], com fundamento em falta de interesse em agir.

Transitou assim em julgado o decidido em torno dos pedidos deduzidos sob as alíneas B) e C) do pedido, que eram atinentes ao pedido de condenação da Ré a pagar ao Autor o valor global de € 1.004,60, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, e bem assim, o valor das rendas vincendas até à entrega do locado, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data dos respetivos vencimentos.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por...

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