Acórdão nº 02840/09.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Ano2024
Número Acordão02840/09.6BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que julgou procedente a Impugnação Judicial «quanto à correcção respeitante à desconsideração da amortização financeira no cálculo do pro rata» interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações de recurso apresentadas formulou as seguintes conclusões:

«A) Vem o presente recurso interposto contra o segmento da sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência determinou «quanto à correcção respeitante à desconsideração da amortização financeira no cálculo do pro rata, (…) Atendendo ao ónus da prova que recaia sobre a AT, que aqui já demos conta, a situação de non liquet quanto à utilização pela Impugnante dos serviços de utilização mista no ano de 2005 tem de ser valorada processualmente contra a AT. Ademais, na decorrência de não ter sido comprovado que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinado pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, também não resultou comprovado da instrução dos autos que a utilização do método de determinação do pro rata de baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar distorções significativas da tributação, nomeadamente que possa provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas provocar vantagens ou prejuízos injustificados. Nesta senda, impõe-se concluir pela existência de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a anulação da liquidação impugnada no que contende com esta questão.».

B) A Fazenda Pública não se conforma com o decidido pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento de direito do disposto no artigo 74º da LGT, relativamente à repartição do ónus da prova.

Vejamos,

C) A presente impugnação foi deduzida pela ora impugnante contra o acto tributário de liquidação adicional de IVA, do período de 0512 (mês de Maio de 2012), e respectivos juros compensatórios,

D) Na sentença deu-se como provada a factualidade transcrita nas alegações supra.

E) Sobre aquela alegação, extrai-se da sentença:

“Considerou a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata, nos termos do artigo 23.º do CIVA, só poderão ser considerados os montantes correspondentes aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing, também baseada em interpretações internas, nomeadamente a Informação n.º ...63 de 8.09.2008 e o Oficio-Circulado n.º ...18 de 30.01.2009.

A Impugnante, no entanto, vem sustentar que as informações administrativas, para além de traduzirem uma mera opinião da AT, também não podem ser aplicadas retroactivamente.

Ao contrário do pro rata apurado pela Impugnante na ordem dos 42%, em sede do procedimento inspectivo, a AT apurou que ao invés dos montantes referidos, a Impugnante deveria ter incluído no numerador o montante de €43.367.392,99 e no denominador €79.892.096,59, traduzindo o apuramento do pro rata definitivo de 55%, ao contrário dos 42% apurados anteriormente, não obstante, não tendo apresentado qualquer declaração nesse sentido, a AT veio a entender que a percentagem do pro rata apurado na ordem dos 42% se cifra apenas em 11%.

(…)

Para tal, mostra-se necessário demonstrar que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo influenciada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

Ora, como é consabido, é sobre a AT que recai o ónus da prova dos pressupostos dos direitos de tributação que invoca, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

F) Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto, a prova dos factos alegados compete a quem os invoca, nos termos do disposto no art. 74º da LGT, conforme citado na sentença;

G) O ónus da prova no Procedimento e Processo Tributário é repartido, tendo o legislador na LGT optado igualmente por uma partilha equitativa do encargo probatório entre a Administração Fiscal e o contribuinte, ou seja, por uma solução de equilíbrio, para que não haja injustiça e desigualdade.

H) Ónus da prova esse que, de acordo com a lei, recai sobre quem invoca os factos, ou seja, como determina o art. 74º nº 1 da LGT “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, art. 88º do Código do Procedimento Administrativo “cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado” e art. 342º do Código Civil “cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado aquele que invoca o direito”.

I) Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (v.g. Decisão Arbitral nº 236/2014-T de 4 de Maio de 2015).

J) Neste sentido v.g., inter allios, os acórdãos do STA, proferidos em 15/07/2020 e 15/11/2017, in procs. 1745/10.2BELRS e 0485/17, em matéria semelhante à dos presentes autos.

K) Daí que o cerne da questão está na prova, no ónus da prova, prova essa que a impugnante não aduz, ou seja, os elementos necessários para provar os factos não foram presentes, estamos assim em face de ausência probatória que sustente o pretendido.

L) Pelo que, entende a Fazenda Pública que o acto tributário anulado, não padece de qualquer vício, reflectindo a situação jurídico-tributária do aqui impugnante, devendo permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico, revogando-se, neste segmento, a douta sentença recorrida.

M) Por esta razão, se considera que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto errou na interpretação e subsunção dos factos ao direito, designadamente o disposto nos artigos 74º e 75º da LGT, tomando, a final, uma decisão contrária à que se impunha face aos elementos tidos nos autos.

N) Deste modo se constata que a liquidação emitida foi efectuada em escrupuloso cumprimento dos normativos legais aplicáveis à situação jurídico-tributária da aqui impugnante, e não tendo a impugnante apresentado os elementos de prova, ónus que lhe impende para prova do alegado, pelo que a presente impugnação não poderia proceder.

O) Então, e por aplicação do disposto no artigo 75.º n.º 2, afasta a presunção e consequentemente caberia ao contribuinte a responsabilidade de prova.

P) Concomitantemente, entende a Fazenda Pública que o acto tributário deve permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico, revogando-se a douta sentença recorrida, dada a ausência de comprovação dos elementos declarados, cujo ónus da prova lhe competia, e que a não ser produzida conduz inevitavelmente à sua desconsideração.

Q) A liquidação impugnada não padece de qualquer vício, reflectindo a situação jurídico-tributária do aqui impugnante, pelo que deverá manter-se na ordem jurídica.

R) Por esta razão, se considera que o tribunal incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 17º e 23º do CIVA, e, 74º e 75º da LGT.

1.3. A..., S.A. (anteriormente designada por B..., S.A.)., contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

«A. Discute-se no presente recurso, que vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IVA nº ...88 relativa ao período de dezembro de 2005 e da inerente liquidação e juros compensatórios nº ...89, a ilegalidade da desconsideração da componente de amortização financeira no cálculo do pro rata utilizado pela Recorrida para deduzir o IVA suportado nos bens de utilização mista, por referência ao ano de 2005.

B. A sentença recorrida havia sido precedida de acórdão do STA, no qual se concluiu pela necessidade, para a boa resolução da questão controvertida, de ampliação da matéria de facto, tendo em vista determinar se a utilização dos bens ou serviços de utilização mista no ano de 2005 foi, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados pela Recorrida com os seus clientes, ou ao invés, pela disponibilização de veículos.

C. Com a consequente descida dos autos ao Tribunal de 1ª Instância para ampliação da matéria de facto, a Recorrida carreou para o processo elementos de prova verosímeis a demonstrar que nas operações realizadas que implicaram a utilização de recursos comuns ou mistos no ano de 2005, essa utilização de bens ou serviços mistos foi sobretudo determinada pela componente relativa à disponibilização dos veículos locados, conforme resulta do relatório e dos factos provados 11), 12) e 13) da sentença recorrida.

D. Por seu turno, a AT limitou-se a referir que não existe nenhum elemento que permita validar ou fazer prova de que a utilização dos bens ou serviços de utilização mista no ano de 2005 foi, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados pela Recorrida com os seus clientes, ou ao invés, pela disponibilização de veículos, até porque reportado àquela data, não havia instruções nem legislação nem jurisprudência nesse sentido, conforme resulta do facto provado 15) da sentença recorrida.

E. O TAF Porto julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida quanto à correção respeitante à desconsideração da amortização financeira no cálculo do pro rata, por entender, sucintamente, que:

(i) É sobre a AT que recai o ónus da prova dos pressupostos dos direitos de tributação que invoca, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT.

(ii) Não resultou comprovada da instrução dos autos que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo...

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