Acórdão nº 02812/06.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01-02-2024

Data de Julgamento01 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão02812/06.2BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais dos autos, propôs no TAC de Lisboa, contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, IP), igualmente com os sinais dos autos, acção administrativa especial com pedido de anulação de acto administrativo e com pedido de condenação à prática de acto.

2. Por sentença de 26 de Maio de 2017 a acção foi julgada procedente, tendo nela sido proferida a seguinte decisão:

a. Anular o acto praticado pelo IFAP, IP, “por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento (CEE) n.º 2080/92, do Conselho, de 30.06, na parte em que determina que o recebimento de EUR 20.942,08, pela A., a título de prémios por perda de rendimento referentes a 1998 e 1999 é indevido, estabelece o encontro de contas do qual resulta o montante de EUR 3.992,08 a pagar pela A., acrescido dos correlativos juros, e modifica unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda celebrado entre as partes”;

b. Condenar o IFAP, IP, “ao pagamento dos prémios por perda de rendimento referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor de EUR 16.942,08, e aos prémios de manutenção respeitantes a 2003 e 2004, no valor de EUR 5.038,00”;

c. Condenar o IFAP, IP, “ao pagamento dos custos associados à prestação da garantia bancária constituída pela Banco 1... de Coruche, a favor da A., tendo em vista a suspensão de eficácia do acto ora impugnado, em valor a apurar, se necessário, a posteriori”.

3. Inconformado com aquela decisão, o IFAP, IP interpôs recurso para o TCA Sul, que, por acórdão de 9 de Maio de 2019, considerando “que a obrigação consignada na alínea b) do artigo 7.º da Portaria n.º 199/94 é uma obrigação de meios e não resultados” – e “assim sendo, deve a culpa ser apurada quanto aos meios usados pelo adstrito à obrigação incumprida” –, negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a sentença da 1.ª instância.

4. Novamente inconformado com a decisão, o IFAP, IP interpôs recurso de revista para este STA. Por acórdão de 14 de Outubro de 2019 foi admitida a revista, essencialmente, com o seguinte fundamento:

«[…]

Numa «brevis cognitio», afigura-se-nos que a fundamental «quaestio juris» colocada na revista consiste - como as instâncias disseram - em saber se a obrigação contratual da autora era de meios ou de resultado.

O TAF e o TCA qualificaram-na como uma obrigação de meios. Mas é discutível que assim seja dado o que se preceitua no n.º 26º da mencionada Portaria - onde, «a contrario», se prevê que uma destruição parcial do povoamento arbóreo suprime o pagamento dos correspondentes prémios.

Para além disso - e relativamente ao tempo posterior à certeza de que parte da arborização não frutificara - parece credível a estranheza, invocada pelo recorrente, de que os prémios continuassem a ser devidos.

Justifica-se, portanto, uma reanálise do assunto pelo Supremo, não apenas para garantia de uma melhor aplicação do direito «in casu», mas também para fixar directrizes úteis na resolução de conflitos semelhantes.

[…]».

5. O R., ora Recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo:

“(…)

E. Salvo melhor opinião, como seguidamente se demonstrará, o Tribunal a quo não faz uma correta interpretação do direito.

F. O Reg. (CEE) nº 2080/92 que instituiu um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na Agricultura, previa para os projetos de investimento florestal contratados, para além do subsídio ao investimento, a atribuição de um prémio anual de manutenção, adiante designado PM, pago por hectare arborizado durante 5 anos, após a arborização ou rearborização, destinado a suportar as despesas decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projeto de investimento; e um prémio anual por perda de rendimento, adiante designado PPR, por hectare arborizado, durante um período de 10, 15 ou 20 anos, destinado a compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização de superfícies agrícolas, nos termos do Art.º 2.º do mencionado Regulamento.

G. O Art.º 4.º do citado Regulamento remete para os Estados-membros a execução do regime destas ajudas, o que no caso de Portugal foi estabelecido na Portaria n.º 199/94, de 6 de Abril.

H. Na situação em apreço nos autos, constatou-se em sede de ação de fiscalização que só as parcelas 4 e 5 da exploração da recorrida reuniam os requisitos para a atribuição dos prémios, pelo que foi necessário retificar os planos dos prémios, de acordo com a reanálise do projeto que conclui pela inviabilidade da sua execução para as parcelas 1, 2 e 3.

I. Nos termos do Art.º 5.º da Portaria n.º 199/94, os prémios são por hectare arborizado, e têm por fim, respetivamente, cobrir durante os primeiros cinco anos os custos decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projeto e compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas, ou seja, compensar o beneficiário da perda de rendimento enquanto o investimento florestal não dá lucro.

J. No Art.º 7.º da citada Portaria estão definidos os compromissos a que os beneficiários estão obrigados como contrapartida da atribuição das ajudas previstas, mencionando a alínea b), a obrigação de que no ano seguinte à retancha, os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas que constam do anexo C da Portaria.

K. Salienta-se que todas as obrigações, acrescidas de outras, estão previstas no contrato celebrado com o ora recorrente, na Cláusula C das Condições Gerais do Contrato de Atribuição da Ajuda.

L. A obrigação de manutenção pelo beneficiário da ajuda, da densidade mínima, é um requisito do qual depende o pagamento dos prémios, visando acautelar que os beneficiários cuidem e se dediquem ao projeto, sem o que, quaisquer pagamentos de prémios seriam desprovidos de justificação.

M. Este requisito do qual depende a atribuição da ajuda, nos prémios de manutenção e por perda de rendimento não invalida, mas pelo contrário, reforça, os objetivos prosseguidos por esta ajuda, pois, não poderia nunca admitir-se o pagamento de um prémio anual quando a densidade do povoamento ficasse aquém do que a lei impôs como o mínimo, sob pena de não se incentivar a efetiva criação e desenvolvimento de projetos florestais, pagando independentemente do resultado da exploração.

N. Não se afigura desta forma correto o entendimento que o direito à ajuda seja devido independentemente do resultado mínimo obtido, visto que este comprova e sustenta a viabilidade do projeto, assim justificando os prémios a receber, pois, não faz sentido continuar a pagar para um projeto que, total ou parcialmente não esteja a vingar ou se revele incapaz de dar cumprimento aos objetivos definidos de arborizado.

O. A perda de rendimento que a lei visa compensar, só faz naturalmente sentido quando o projeto esteja em execução e cumpra os requisitos legais que a lei entendeu definir como mínimos, pois só assim se atingem os fins visados.

P. Situação diferente, ocorre nos casos em que não é atingida a densidade mínima dos povoamentos no ano seguinte à retancha por motivos imputáveis aos beneficiários, nos termos da Portaria citada, e mesmo não sendo essa falta de densidade mínima decorrente de causas imputáveis ao beneficiário, como sejam as situações de abandono ou a prática de usos não permitidos pelo Regulamento, salvo melhor opinião, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, há lugar à devolução do montante pago a título de prémios de perda de rendimento acrescido de juros desde a primeira anuidade (inclusive), dado que a condição de atribuição do mesmo não foi alcançada (por não terem sido atingidas as densidades mínimas).

Q. O subsídio não será devolvido quando a avaliação do projeto concluir pela não imputabilidade ao beneficiário das causas do insucesso, por falta de indícios e/ou provas de desrespeito do investimento aprovado, no entanto, o beneficiário é obrigado a manter o projeto ativo, apesar de cessar o direito aos prémios, pois as obrigações contratuais refletem o disposto na alínea c) do nº 7 da Portaria nº 199/94, isto é o compromisso de manter o projeto ou o que resta dele (densidade remanescente) durante 10 anos, após a conclusão do investimento, devendo o contrato ser alterado

R. O Artº 26º da Portaria nº 199/94 estipula que, não sendo a destruição de parte do povoamento devida a causas imputáveis ao beneficiário, não há direito ao pagamento de prémios relativamente às parcelas afetadas, mantendo-se o pagamento quanto às parcelas que estejam em boas condições vegetativas.

S. Na situação em apreço, como consta da decisão final, foi verificada e validada pelos técnicos do recorrente que as parcelas 1, 2 e 3 não cumprem o requisito da densidade legal mínima, nem nunca cumpriram, decorridos que foram 8 anos após a conclusão do projeto e até à última visita efetuada em Agosto de 2005, e não obstante o empenho da ora recorrida para executar o projeto na totalidade, e recuperar as parcelas mediante novas retanchas, face ao insucesso, tornou-se imperioso concluir que a arborização das parcelas em causa é tecnicamente inviável.

T. Por se tratar de uma situação em que a irregularidade não é imputável à recorrida, apenas se justifica a devolução dos prémios recebidos, cujo pagamento depende desse requisito da arborização atingir uma densidade mínima, caso contrário é o ora recorrente a suportar o risco do investimento apresentado.

U. Além de que, seria incompreensível a exigência legal das densidades mínimas do povoamento, se tal obrigação não constituísse, como a lei e o contrato referem, uma contrapartida à atribuição da ajuda e aos fins que com a mesma se prosseguem, pois como é expressamente consagrado no Artº 7º da Portaria nº 119/94, os beneficiários têm de respeitar aqueles compromissos legalmente impostos, “para efeitos de...

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