Acórdão nº 02103/20.6BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29-03-2023

Data de Julgamento29 Março 2023
Ano2023
Número Acordão02103/20.6BEBRG
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 2103/20.6BEBRG
Recorrente: “A..., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 17 de Novembro de 2022 – que, apreciando o recurso por ela interposto da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) referente ao ano de 2020 –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em segunda instância, datado de 17.11.2022, o qual manteve a sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação da TSAM de 2020, mantendo o referido acto de liquidação na ordem jurídica.

B. O Tribunal recorrido julgou os vícios invocados pela Recorrente improcedentes, nomeadamente no que concerne a desconsideração do regime de isenção da TSAM, por entender que a Recorrente não preenchia o segundo requisito cumulativo para se considerar que está isenta do pagamento da TSAM, considerando o disposto no artigo 3.º, n.º 2 e no artigo 9.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho.

C. Decorre do acórdão recorrido o entendimento segundo o qual a utilização de uma insígnia comum determina, sem mais, a existência de um grupo, nos termos e para os efeitos da referida Portaria.

D. A decisão ora atacada foi proferida de modo que se crê, salvo o devido respeito, parcamente cuidado e com manifesta confusão de conceitos relevantes do nosso sistema jurídico, particularmente no que respeita o conceito de «grupo», para efeitos da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho e os conceitos de “interdependência” e “subordinação” previstos no artigo 3.º, n.º 5 da mesma Portaria.

E. A decisão recorrida demonstra, também, total indiferença pelas regras de repartição do ónus da prova no âmbito do processo tributário.

F. Nos presentes autos, está, ainda, em causa, nestes autos, uma equívoca interpretação do dever de fundamentação do acto de liquidação efectuado por parte da DGAV.

G. Ora, a intervenção do STA neste contexto reveste a maior relevância, nomeadamente para efeitos de clarificação do verdadeiro sentido e alcance do conceito de «grupo», para os efeitos da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho, mais concretamente do seu artigo 3.º, n.º 5, sob pena de os estabelecimentos comerciais aos quais seria aplicável o regime de isenção sofrerem um aumento da já elevada carga tributária que suportam.

H. Existem diversos processos judiciais associados à questão sub judice que, quando considerados na sua globalidade, correspondem a litígios de várias dezenas ou até centenas de milhões de euros e que podem colocar em causa a sustentabilidade financeira de dezenas de empresas.

I. Esta questão resulta de uma situação jurídica controvertida que não é única ou irrepetível nem está associada apenas a um contribuinte isoladamente considerado, apresentando, antes, potencial para afectar todos os operadores de um sector sobremaneira essencial à economia do País.

J. No presente caso estamos perante uma manifesta injustiça e uma errónea interpretação e aplicação da lei que conformará indiscutíveis e inaceitáveis deficiências em detrimento da tutela jurisdicional efectiva dos administrados.

K. A Recorrente está convicta de que o acórdão recorrido incorre num erro grosseiro no que à interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço respeita; aliás, e salvo o devido respeito, o TCAN procedeu a uma interpretação que não tem qualquer sustentação legal.

L. No mais, a conformação com o teor da decisão recorrida significa aderir a uma errada interpretação e aplicação da lei, impondo-se a intervenção deste STA para uma melhor aplicação do direito.

M. Acresce que, o Tribunal recorrido procedeu a uma aplicação errada das regras de distribuição do ónus da prova, cuja violação reveste, no presente caso, gravidade evidente, quanto mais se considerarmos a natureza das obrigações que subjazem ao processo tributário e a desproporção de meios e de poder que o contribuinte pode opor ao Estado.

N. A interpretação proferida é, então, susceptível de, para futuro, se aplicar em numerosos novos litígios e, inclusivamente, fazer aumentar a litigância nesta matéria, gerando incerteza e instabilidade na ordem jurídica.

O. O presente recurso é, por esta razão, interposto com fundamento na necessidade imperiosa da intervenção verdadeiramente correctiva deste STA, mais concretamente no sentido de corrigir o erro na interpretação e na aplicação ao caso vertente e, também, a outros casos semelhantes, das normas contidas no artigo 3.º, n.º 2, 3 e 5 do da Portaria 215/2012, no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, nos artigos 60.º e 74.º da LGT, e no artigo 268.º, n.º 3 da CRP.

Quanto à violação de lei substantiva, mais concretamente do artigo 3.º da Portaria 215/2012 de 17 de Julho:

P. Mantendo a decisão tomada em primeira instância, o acórdão recorrido considerou que a Recorrente não é passível de beneficiar da isenção prevista no artigo 3.º da referida Portaria, por entender que aquela não preenche o segundo requisito de que depende a aplicação da isenção, considerando o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 e 9.º, n.º 2, al. b) do mesmo diploma.

Q. Para fundamentar este entendimento, pode ler-se no acórdão recorrido que “(…) quer do regime do anterior diploma, quer do actual, verifica-se que o legislador enquadra sempre como pertencendo ao «Grupo», quem utiliza a mesma insígnia”. Por outras palavras, o Tribunal entende que “basta a utilização da mesma insígnia para ficar abrangida pela previsão de incidência tributária (…)”.

R. Ora, a Recorrente não se conforma com semelhante entendimento, uma vez que o mesmo não tem a mínima sustentação na letra da lei.

S. Com efeito, atenta a clareza da redacção da lei nesta matéria, não sobejam dúvidas quanto ao facto de os laços de interdependência ou subordinação terem de decorrer, necessariamente, ou da utilização da mesma insígnia, ou dos direitos e poderes referidos no artigo 3.º, n.º 4 da Portaria n.º 215/2012.

T. Ao prever-se a necessidade de existência de laços de interdependência ou subordinação entre as empresas que utilizam a mesma insígnia, o intérprete é obrigado a verificar se, em concreto, a utilização da mesma insígnia gera, ou não, um qualquer laço de subordinação ou interdependência entre as empresas que usam aquela mesma insígnia e a entidade que autorizou a sua utilização.

U. Ora, na verdade, decorre do artigo 3.º, n.º 5 da referida Portaria que o legislador considera como pertencendo ao mesmo grupo as empresas que mantenham entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia, o que, de resto, é bem diferente da circunstância de a mera utilização de uma insígnia em comum bastar, de per se, para se concluir, automaticamente, pela existência de laços de subordinação e interdependência entre as empresas!

V. Assim, considerando o que vem de expor-se, a existência de um grupo e a verificação de laços de interdependência não são – nem poderiam ser – extrapolados directamente do facto de a Recorrente utilizar uma insígnia comum a outros estabelecimentos, até porque tal asserção não resulta da lei!

W. Entendimento em sentido diverso esvaziaria de fundamento e conteúdo a previsão do artigo 3.º, n.º 2 da referida Portaria, nos termos da qual “a isenção abrange os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas, desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes” (realce nosso).

X. Ora, do quadro legal que antecede resulta a possibilidade, admitida pelo próprio legislador, de vários estabelecimentos comerciais poderem utilizar uma insígnia comum, encontrando-se associados através de uma cooperativa e na qualidade de seus membros cooperadores, sem que tal se traduza na sua pertença a um grupo. E é precisamente este o caso da ora Recorrente, a qual explora um estabelecimento comercial utilizando a insígnia B..., não mantendo com as demais sociedades exploradoras dessa mesma insígnia um qualquer laço de interdependência; a Recorrente é totalmente autónoma na tomada de decisões e na gestão dos seus negócios.

Y. Não existe um entendimento uniforme na jurisprudência dos tribunais portugueses acerca do conceito de interdependência, para os efeitos da Portaria n.º 215/2012. No entanto, decorre das sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito dos processos n.º 559/20.6BECBR e 528/19.9BECBR, que “o laço mais evidente de interdependência ou subordinação que existe na esfera da ora Impugnante não se reflecte nas demais sociedades que possuem estabelecimentos com a mesma insígnia, mas sim perante a associação franqueadora. Ou seja, os laços não se reflectem, aparentemente, numa esfera de feixes cruzados entre as várias empresas que utilizam a mesma insígnia, mas sim entre cada uma dessas empresas e a associação que cedeu, por contrato, a utilização dessa mesma insígnia” (realce nosso).

Z. Assim, para aferir da existência de interdependência ou subordinação é necessário atentar à relação entre os vários estabelecimentos exploradores da insígnia e a própria entidade que concedeu o direito de utilização de insígnia.

AA. O “Movimento B...” é um movimento de comerciantes independentes que exploram a insígnia B..., sem que entre si existam...

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