Acórdão nº 021/22.2BEPRT-B de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13-07-2023

Data de Julgamento13 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão021/22.2BEPRT-B
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I - Relatório

1. AA - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 10 de março de 2023, que negou provimento ao recurso havia interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 8 de novembro de 2022, que julgou procedente a exceção de caso julgado e, em consequência, absolveu do presente processo cautelar os Requeridos MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (MF), AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (ATA) e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA).

2. Nas suas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões que relevam para a presente decisão:

«(...)

Do pedido de efeito suspensivo

R) A verdade, no facto de caso a Recorrida AT executar o ofício “Atento o facto da deliberação daquela junta médica não o considerar total e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções e ainda de já ter ultrapassado os 36 meses de faltas por doença, informa-se que terá de se apresentar ao serviço para retomar funções no primeiro dia útil seguinte ao da recepção do presente ofício. Caso assim não o faça, entra automaticamente na situação de licença sem remuneração, conforme resulta do disposto nos artigos 34º e 37º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, na sua atual redacção” (cfr. Documento n.º ...0), ficará o Recorrente, nessas circunstâncias, numa posição de grande fragilidade,

S) Circunstâncias gravosas pois que diga-se que ao Recorrente foi-lhe fixada a incapacidade de 73,83% por Certificado multiusos de 15-02-2018 (cfr. Documento n.º ...), além disso o Recorrente sofre de doenças incapacitantes (cfr. Documentos n.º ..., ... e ...) recebendo este apenas a remuneração mínima e fazendo os respectivos descontos e contribuições para a Recorrida Caixa Geral de Aposentações, pelo seu trabalho em funções públicas (cfr. Documento n.º ...), mas caso este se veja a ser colocado numa situação de licença sem remuneração, como é evidente fica sem qualquer meio de sustento e sobrevivência, uma vez que este não dispõe de outros rendimentos e tem encargos acrescidos e dificuldades económicas e financeiras em resultado da incapacidade (cfr. Documento n.º ...)

T) Veja-se que o Recorrente a título de despesas fixas (designadamente, despesas com habitação, luz, gás, água, telefone, seguros, condomínio, impostos, saúde etc.), além da alimentação e vestuário, tem encargos mensais nunca inferiores à remuneração que recebe (Cfr. Documento n.º ...2),

U) Em despesas mensais fixas o Recorrente gasta o total aproximado de remuneração mínima garantida, valor que ficará impossibilitado de fazer face, tendo em conta o facto de poder vir a ficar sem qualquer meio de sustento.

V) O que vale por dizer que causará ao Recorrente prejuízos graves e irreparáveis (nem sequer apenas de difícil reparação), colocando-o numa possível situação de pobreza e fragilidade, e até numa posição de possível incumprimento das suas obrigações fiscais e demais encargos mensais.

W) Acresce, ainda, como consequência imediata, a inutilidade da decisão a proferir no processo principal com o n.º 21/22.2BEPRT-A.

X) Na verdade, relativamente aos números 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA, importa ter presente, primo, que o julgador cautelar, para deferir ou indeferir a providência, já terá procedido à ponderação de interesses e danos que subjaz à adoção quer das medidas lenitivas (n.º 4) quer da recusa do efeito meramente devolutivo (n.º 5), e nada justifica a sua repetição.

Y) E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso significa que foi prejudicada a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, portanto, a necessidade de a ela proceder.

Z) Valendo e reiterando-se aqui estes considerandos importa, pois, sem necessidade de outros desenvolvimentos, requerer que seja atribuído ao presente recurso jurisdicional o efeito suspensivo, até decisão final no processo principal.

AA) Nestes termos, porque está em tempo, possui legitimidade para o efeito e a decisão é passível de recurso, requer a V. Exas. que se dignem admitir o presente recurso, que é de apelação, a subir nos próprios autos e de imediato, ao qual deverá ser atribuído efeito suspensivo nos termos previsto no n.º 4 do art.º 143.º do CPTA, conforme se requer.

Fundamentos do Recurso

Da inaplicabilidade de caso julgado às providências cautelares

BB) Desde já se diga que a figura da exceção de caso julgado não é apropriada ao caso das providências cautelares, devido aos pressupostos destes procedimentos e natureza das suas decisões.

CC) Neste sentido ensinam-nos Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, que a providência cautelar se destina a «...prevenir o perigo da demora inevitável no processamento normal da acção (...) necessita de ter uma estrutura bastante mais simplificada, em consonância com o seu fim específico. Ao apreciar os pressupostos da providência, o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção. De contrário, o remédio nenhuma eficácia teria no combate à doença que se propõe debelar. Em lugar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se nestes casos, como a própria lei (art. 401.º,1) afirma em termos gerais, com uma probabilidade séria da existência do direito; e, em vez da demonstração do perigo de dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão».

DD) Assim sendo sempre se terá de concluir que a decisão tomada na providência cautelar não tem autonomia, dependendo sim do processo principal. Por outro lado, tal não é uma decisão sobre o mérito da causa, mas antes meramente provisória e destina-se tão-só a acautelar os efeitos úteis da acção, enquanto a decisão definitiva não é tomada. E por assim ser, a decisão em causa não tem capacidade para formar caso julgado nem dentro, nem fora do processo.

EE) Nas palavras de Lebre de Freitas, «...o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). (...) O preceito do artigo 387.º-1 do C.P.C. explica-se pela inadequação do conceito de caso julgado à figura da providência cautelar: por ele é proibida a repetição do requerimento de providência quando esta for julgada injustificada ou caducar porque, de outro modo, da não atribuição da eficácia de caso julgado à decisão proferida resultaria a admissibilidade do requerimento de nova providência, ainda que com o mesmo objecto».

FF) O referido autor sustenta ainda que devido à inaplicabilidade do conceito de caso julgado ao campo das providências cautelares, o disposto no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil (actual 362.º n.º 4 CPC), recorre a um conceito de repetição da providência cautelar semelhante ao do artigo 498.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

GG) Pelo que face ao exposto sempre se teria de concluir pelo afastamento da figura do caso julgado, pois o legislador pretendendo alcançar os mesmos efeitos práticos, senão todos, pelo menos alguns, previu a figura da repetição da providência no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil.

HH) Além disso, os requisitos da exceção do caso julgado prendem-se com a ideia de repetição de uma causa, com vista a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º do CPC) e com a ideia da tripla identidade – dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (artigo 581.º do CPC).

II) E de acordo com Antunes Varela 5 “a excepção de caso julgado (...) consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”.

JJ) O artigo 580.º do CPC define o conceito de caso julgado como pressupondo “… a repetição de uma causa; … se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado …” (n.º 1), sendo que a aludida excepção tem “… por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior …” (n.º 2).

KK) Já o artigo 581.º do CPC concretiza os respectivos requisitos referindo que se repete “ … a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir …” (n.º 1), sendo que há “… identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica …” (n.º 2), há “… identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico …” (n.º 3) e há “… identidade de causa de pedir quanto a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico …” (n.º 4)

LL) No presente caso em análise, segundo resulta da fundamentação recorrida quanto a este quesito aqui em análise, estará em causa se se verifica, a identidade de pedido e causa de pedir entre a acção cautelar, por um lado a presente acção por outro o processo n.º 433/21.9BEPR.

MM) Portanto, cumpre verificar se no...

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